Capítulo 14 - Fazendo Um Passeio

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ASHLEY

O familiar cheiro de pêssego me abraça quando entro na sala de Emily. A sala tem estantes abarrotadas de livros (que para mim é algo surpreendente, pois nunca vi tantos livros físicos assim), um tapete na cor vinho sob uma mesa de escritório marrom escuro. Emily contorna a mesa e senta na cadeira logo atrás e pede para que eu sente também, de modo que eu a encaro. Sinto um frio na barriga por que sinto que isso não deveria estar acontecendo, não costumo quebrar regras. Mas se ela fez as regras, talvez seja tolerável quebrar agora.
— Está assustada Ashley? — Ela ri e completa: — Eu não mordo.
— Estou confusa, na verdade. — O que é verdade, não sinto medo de Emily. Não acho que ela me faria mal algum, ela já teve a chance mais de uma vez, e aqui estou eu, intacta.
— Tenho uma missão para você. — Ela tamborila os dedos de unhas coloridas sobre a mesa. Emily sempre opta por um visual chamativo. E eu acho isso lindo. Hoje ela veste um mom jeans e camiseta branca. E apesar das peças normalmente comporem um visual simples, suas roupas estão cobertas por palavras de todas as cores, semelhantes a letras de grafite. Quando me dou conta, sinto vergonha por estar de pijama e me encolho um pouco.
— Mas eu nem passei pelo Rito. — Digo com a voz contida, quase um sussurro. Me pergunto o motivo disso, tem muitas pessoas mais bem treinadas aqui. Eu não sou uma escolha sensata.
— Exatamente, Ashley. Sua missão faz parte do Rito. Ultimamente temos adotado algumas... Precauções. E o Rito agora tem uma etapa extra. — Ela estuda meu rosto e não sei exatamente o que ela procura, mas talvez agora, eu esteja um pouco assustada.
— Preciso saber em quais situações você se sairá melhor, então por que não fazê-lo agora?
— Por que são 11 da noite e eu quero dormir? — Minha intenção não era fazer graça, mas ela solta uma longa risada, que estranhamente aquece meu coração. Quando percebo que minhas palavras podem parecer afrontosas fico com medo do que ela dirá em seguida.

— Resposta errada, bobinha. — Ela pega uma caneta sobre a mesa e começa a brincar com ela entre os dedos. Emily parece antecipar um divertimento. — Teremos que agir durante a noite, e esse é o melhor horário para sair.
— Então o que você quer que eu faça? - Ela me dá um sorriso, e da última vez que o vi foi um presságio da sua loucura.
— Nós duas vamos fazer um passeio. — Porcaria.

***

Pingos de chuva molham meu rosto, e  eu aprecio a sensação maravilhada. Na Cidade Solar nunca chove, faz frio o tempo inteiro, e embora o céu possa ficar nublado, na maioria das vezes o sol brilha. Suzan uma vez me disse que é uma tecnologia que usam há muito tempo, e por isso a capital carrega o nome que tem. 

Emily já está no carro me esperando com uma sobrancelha levantada. Saio do meu estupor e sento no banco ao seu lado. Ela faz uma careta quando me vê toda ensopada sentando no seu carro. Tive um tempo para vestir algo, mas agora penso que deveria trocar de roupa mais uma vez e me arrependo por não ter trazido ao menos uma capa de chuva. Coloco o sinto lembrando da nossa última viagem caótica.

— Quase esqueci. — Ela revira os bolsos e joga algo na minha direção. Minha pulseira. — Talvez seja útil para você hoje. — Noto que Emily não usa a própria pulseira. Ela deve notar minhas sobrancelhas franzidas, por que acrescenta: — A minha está no carro, não se preocupe.

Emily me conta que minha missão será ficar de tocaia com ela. Vamos até a Província de Mercúrio verificar a chegada de um carregamento. Ela acha que algo está  errado, principalmente por que não é comum um volume tão grande de entrega, então precisamos descobrir o que é. Emily está calada e parece preocupada, hoje não estamos a toda velocidade por que a pista está molhada, além da chuva atrapalhar um pouco a visão. 

— Quem ensinou você a dirigir? — Pergunto despretensiosamente, apenas para preencher o silêncio que se instaurou. Os olhos de Emily parecem brilhar com as lembranças que a pergunta desperta.
— Meu pai me ensinou. E se você fica com o coração acelerado andando comigo, tenho certeza de que ele pularia pela sua boca se andasse com meu pai. — Ela diz sorrindo e me sinto melhor por vê-la mais tranquila. Ela reflete em silêncio por um tempo. — Ele era um bom homem.
— Como ele era? — Pergunto curiosa.
— Meu pai era um homem influente na Cidade Solar, ele era um engenheiro automotivo. — A chuva açoita o carro, e o limpador de para-brisa dança desesperado para afastar a água do vidro. — As esferas que vocês não vivem sem é uma criação dele. — Ela vira na minha direção para ver minha expressão. Estou boquiaberta. Emily é filha de...

— Adam George! Que legal, Emily! Adam revolucionou a história da Cidade Solar. — Digo empolgada.
— É, sim, sim... Ele também foi um  ótimo pai. — Vejo um vislumbre de tristeza e resolvo não perguntar mais nada. Para minha surpresa ela continua. — Quem sabe o que mais ele teria feito se ainda estivesse vivo? — Sinto que ela está prestes a me contar algo mas ela freia o carro bruscamente quando vê uma árvore tombada no meio da pista.

— DROGA, DROGA, DROGA!— Emily grita enquanto agilmente dá meia volta. O que está acontecendo? Minha confusão se transforma em desespero quando vejo que a estrada em que nós acabamos de passar está bloqueada por quatro homens com os rostos cobertos iluminados pelos faróis. Sem nos dar a chance de lutar, um quinto homem surge na janela de Emily, abre a porta e cobre sua boca e nariz com um pano, enquanto puxa ela para fora. Vejo um pano se aproximar do meu rosto, um cheiro forte penetra meu nariz e sinto minha consciência me abandonar. 

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