Capítulo 16 - Por Um Fio

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ASHLEY

Um cheiro de madeira úmida me invade o nariz. Minha visão embaçada lentamente se ajusta, e o pequeno cômodo que antes era um borrão marrom começa a tomar forma. Entre mechas de cabelo que cobrem meu rosto, enxergo caixas de papelão espalhadas por todo lado. Quando tento afastar o cabelo, percebo que estou de mãos atadas por uma corda áspera. Estou presa a um pilar de madeira que pressiona minhas costas.

As lembranças começam a vir. A chuva forte no para-brisa. Os homens na frente do carro. O pano branco no rosto de Emily. Onde ela está? Olho ao redor com o coração martelando no peito, e a encontro com uma expressão preocupada olhando para mim. Os cabelos loiros ainda estão úmidos por conta da chuva, algumas mechas claras se destacam à medida que secam.

Emily está tão impotente quanto eu, suas mãos tão presas quanto as minhas.
— Estava com medo de que você não acordasse logo. — Sua voz não sai tão nervosa quanto eu esperava.
— Você sabe onde a gente está? — Pergunto e sentindo que as palavras se arrastam pela minha boca. — Não exatamente, mas o clorofórmio não tem um efeito muito longo. Então devemos estar perto de onde fomos pegas. — Faz sentido
— O que a gente vai fazer? — Ela dá de ombros.
— Ashley, estamos literalmente de mãos atadas. Ninguém nem sabe onde nós estamos. Nossa esperança é de que possamos negociar, e eu duvido que alguém aqui esteja disposto a isso. — Ela apenas fita o teto depois disso. Então é isso? Me recuso a depender de uma alternativa tão pessimista. Olho um pouco mais em volta procurando algo que possa ser útil. Há mais uma porta do outro lado, mas é inútil se eu não posso chegar até ela. O que são todas essas caixas?

— O que são... — Paro minha língua quando ouço passos pesados se aproximando. A porta se abre e um homem com um capuz (que mais parece uma meia) levantado cobrindo apenas até o nariz entra com um cigarro aceso entre os dedos. Ele se abaixa entre nós duas e diz em meio a fumaça:

— Acho melhor as duas donzelas fecharem o bico, se não vou ter que amordaçá-las. Qual vai ser? — Ele pergunta entre uma baforada e outra.
— Que lugar é esse? O que vocês querem? — Emily pergunta e eu não posso acreditar na coragem.
— Essa daqui com certeza é burra. — Tenho medo do que vai fazer quando o vejo levantar, ele caminha até ela e a segura pelo queixo em um gesto agressivo. — Mas até que é bonitinha, se ainda estiver inteira quando Dayse sair, já vai servir. — Ele diz com um sorriso nojento se formando. O ódio nos olhos de Emily é gritante. Fico horrorizada com as palavras, e sinto que vomitarei em mim mesma. Quando ele levanta, pega uma das caixas e sai. Deixando apenas o cheiro de fumaça e o silêncio, quando fecha a porta fazendo tanto barulho como quando se abriu.

 Sei que Emily é um alvo do governo, afinal, ela é uma das líderes dos Sombrios. Mas, se eles quisessem simplesmente matá-la, esses homens com certeza já teriam feito isso. Então só podem estar esperando a tal Dayse. Mas quem é ela? Será que alguém do Edifício Alvorada viria aqui pessoalmente? O tempo passa e quando percebo a luz do sol entrar pelas frestas, sei que quem quer que seja não vai mais demorar. Me obrigo a parar meu raciocínio quando ouço um barulho alto lá fora.

Olho com os olhos arregalados para Emily e vejo sua cabeça inclinada com as sobrancelhas franzidas em concentração. Em seguida um baque maior acontece e nós duas olhamos para a porta quando ela se abre ruidosamente. Do outro lado está um homem um pouco mais velho que eu, sua pele negra em contraste com o cabelo prateado é estranhamente familiar. Sua barba bem-feita dá a ele uma aparência madura.

— Bom dia, senhoritas. — Ele nos cumprimenta com um sorriso charmoso no rosto. Emily e eu nos entreolhamos. Ela sabe tanto quanto eu, ou seja, nada.
— Quem é você? Que lugar é esse? — Emily pergunta cautelosa. Estou tão tensa que acho que o homem poderia contar as batidas do meu coração.
— Meu nome é Lorenz. E você vai descobrir que lugar é esse em breve. — Ele coloca as mãos no quadril enquanto analisa a situação. Quando ele pega o punhal o medo me domina.

— O que você quer? — Emily pergunta e pelo tremor na voz percebo que o ato de Lorenz foi capaz de amedrontá-la também. Ele ergue o punhal na altura do rosto, girando-o enquanto o examina com os olhos estreitos. Lorenz não responde e caminha na nossa direção. Estou mais perto dele do que Emily está, então é de mim que ele se aproxima primeiro. Fecho os olhos e espero que minha morte seja rápida. Os três segundos seguintes são os mais longos da minha vida.

Quando a dor não chega e eu sinto a aspereza da corda roçar no meu pulso abro os olhos. Ele está mexendo na corda.
— Eu posso libertar vocês duas dessas cordas, mas eu tenho um preço. — Ele propõe. Uma chance de negociar. Emily olha para mim e sua resposta é rápida como um sopro.
— Eu pago.
— É assim que se fala. — Ele diz com um sorriso e suas mãos começam a trabalhar nas cordas.
Quando nós duas estamos libertas verifico minha pulseira, ela não funciona muito bem, provavelmente tentaram destrui-la enquanto eu estava desacordada. Emily sequer trouxe a dela, lembro dela ter dito antes de sair que havia deixado no carro. Embora algumas linhas pretas atravessem a tela, consigo ver que os números 0070 estão piscando em vermelho na tela branca.

— Alguém está vindo nos buscar. — Emily diz séria quando vê a mensagem, ela parece concentrada e espero muito que ela esteja bolando um plano. Ouvimos passos apressados e minha vontade é de correr. Estou prestes a fazer isso quando Lorenz diz:
— Verifiquem as caixas. — A urgência na sua voz era grande demais para questioná-lo. — Procurem até encontrar algo útil.

— Aonde você vai? — Emily o questiona quando ele começa a andar na direção da porta. Os passos lá fora parecem mais próximos. Por cima da caixa que eu comecei a abrir vejo ele saindo sem olhar para trás.
— Minha parte do acordo foi cumprida. — Não digo que ele está errado, mas não posso deixá-lo ir enquanto estamos desarmadas.
— Se a gente morrer não terá nosso lado do acordo. — Essa com certeza foram as palavras mais úteis que já saíram da minha boca. Ele para quando as ouve.
— Então talvez vocês mereçam um bônus. — Ele diz por sobre o ombro. — Mas não abusem. Agilizem! — Ele sai sozinho e espero muito que ele ganhe tempo suficiente.

Emily solta o pior palavrão que eu já ouvi. Enquanto minha caixa tinha apenas sopa enlatada, a dela tem um miniarsenal de armas corpo a corpo, com vários tipos de lâminas. Como uma luz no fim do túnel a espada na caixa brilha. Ela é mais pesada do que a que eu costumo usar, mas não há nada que força de vontade não resolva. Quando o primeiro homem aparece na porta segurando uma faca, ele engole em seco e eu sinto seu arrependimento daqui. Aperto a espada nas minhas mãos e quase sinto satisfação em vê-lo.  

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