Capítulo 13 - Segredos

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HALEY

Preciso encontrar Ryan. Deveríamos ter partido para a Província de Vênus há quase uma hora, e ainda não consegui nem encontrá-lo. Já faz três dias desde que chegamos aqui, e visitamos Jason ela última vez na terça. Ele não tem melhorado muito e não gosto da ideia de Trevor precisar cuidar dele sozinho. Também não posso ir sozinha, e mesmo a presença de Ryan não é reconfortante o suficiente agora, tendo em vista os perigos que nos rondam. Não quero mais ninguém com a gente. Incomodar Ryan já é suficiente para mim. Embora ele tenha dito que não é problema nenhum, não sou uma pessoa que gosta de ajuda. Faço tudo sozinha sempre que posso.

Me preparo para sair e fumar um cigarro quando ouço risadas abafadas vindas de uma porta há alguns metros de mim. Parece Ryan, mas não costumo vê-lo feliz assim. Percebo enquanto me aproximo que a sala de onde os risos vinham é uma enfermaria. Há uma grande janela de vidro, pela qual posso ver a fonte do barulho. Lá dentro posso ver um armário prata, cheio de medicamentos, suponho. Há também uma espécie de maca reclinável, cadeiras uma ao lado da outra, um balcão encostado na parede com uma pia no final dele e plantas espalhadas pela sala. Ryan está sentado em uma cadeira, ele parece muito a vontade, e tem um sorriso largo no rosto enquanto olha para a mulher encostada na bancada. Ela manuseia algum tipo de equipamento médico, usa um jaleco branco, tem o cabelo comprido verde escuro preso em um rabo de cavalo, com a raiz preta dando as caras. Está de costas para mim, então é tudo que posso ver. Ryan, por outro lado, tem a cadeira virada na minha direção, ele desvia a atenção da mulher quando percebe minha presença. Sinto que estou atrapalhando algo importante.

Seus olhos se arregalam em uma expressão de susto. Levanta apressado e murmura algumas desculpas a mulher. Ela o despensa com um aceno de mão, enquanto vira na minha direção com um sorriso e um aceno de cabeça. Ela tem maçãs do rosto bem definidas, lábios cheios e um nariz empinado. É uma mulher muito bonita. Devolvo o sorriso a ela enquanto Ryan se aproxima. Um cheiro forte de produto de limpeza invade meu nariz quando ele abre a porta.

— Droga, Haley, perdi a noção do tempo. — Ele diz, e eu balanço a cabeça, sorrio mas não respondo. Não gosto de encontrá-lo se divertindo por aqui enquanto eu o procurava. Mas ele está me fazendo um favor e eu não posso exigir nada.

Seguimos pela passarela em direção ao portão e sinto os olhares das pessoas que nos segue desde o momento em que saiu da enfermaria. O que Ryan poderia ter feito de tão ruim aqui? O porteiro mencionou algo sobre ele ter coragem para voltar acompanhado, então qual seria o problema de eu estar com ele? E porque a mulher da enfermaria estava tão amigável com ele enquanto todo mundo parece nutrir sentimentos contrários ao dela? Não sei se somos íntimos o suficiente para perguntar, mas eu estou aqui por causa dele então acho que seria justo me dar algumas respostas.

— O que você fez aqui pra todo mundo te fuzilar com os olhos? — Ele me olha de soslaio com uma expressão tensa, sem diminuir o passo.
— Não acho que é algo que você vai gostar de saber. — Olho para ele com uma sobrancelha erguida e ele continua, sabendo que isso não vai ser suficiente para me fazer desistir. Ele olha para o sol tentando adivinhar o horário. Olho também, o céu está nublado mas há uma pequena fresta por onde o sol passa e beija minhas bochechas. Um pouco de calor. — Acho que já está um pouco tarde para ir e voltar, então a gente pode dormir por lá e voltar pela manhã, o que acha?
— Tudo bem, mas você vai me contar tudo o que aconteceu na sua última estadia aqui. — Cruzo os braços sobre o peito.
— Tem minha palavra, senhorita.

Pegamos as motos e fico feliz como um vendedor de guarda-chuvas em um dia chuvoso. O vento no rosto me tranquiliza e quase consigo fechar os olhos e fingir que minha vida é um mar de rosas.

Temos uma viagem tranquila até a morada do curandeiro. É uma casa de madeira, com uma varanda na frente. Batemos na porta e esperamos ele aparecer. A maçaneta gira e somos recebidos pelos dentes brilhantes de Trevor.
— Já estava achando que vocês não vinham. Entrem, entrem. — Ele se afasta da porta nos dando espaço para entrar, e nos conduz para o quarto que Jason está.

Jason mal percebe nossa chegada. Está completamente pálido e tem uma expressão de dor no rosto.
— Ele piorou bastante. — Trevor diz enquanto pega o termômetro da boca de Jason e agita antes de verificar. — A febre está mais baixa agora, mas o corte está bem inflamado. Os anti-inflamatórios vinham ajudando, mas agora parecem não fazer efeito como era esperado.
— Talvez seja o momento de levá-lo para a base, Caroline pode ajudar. — Ryan sugere, mas Trevor olha sério para ele. Caroline deve ser a mulher da enfermaria.
— Não acho que sua amiga possa fazer muito mais do que eu, sem contar que o estresse da viagem poderia agravar o ferimento. Vou aumentar a dose do medicamento e ver como ele reage. — Ele diz a última frase se dirigindo a mim, e não posso desviar a atenção dos seus olhos, incitada pela autoridade em sua voz. Tenho a impressão de que Trevor seria um bom líder, se assim quisesse. — Ele já melhorou da febre, então talvez a mudança já seja o suficiente. — Os olhos de Trevor se dirigem a mim e ele pergunta: — E o seu joelho? Precisa refazer o curativo.
— Posso fazer isso, você já fez demais por nós. — O que é verdade, se não fosse por Trevor, Jason estaria morto.
— Tem certeza? — Concordo com a cabeça.

Trevor e Ryan saem e me deixam com Jason. Ele tenta falar algo mas eu o impeço, não acho que ele deveria fazer mais esforço do que o necessário. 
— Vamos ficar aqui à noite, pode falar o que quiser amanhã. Trevor disse que você deve descansar. — Explico forçando uma voz neutra, não vou fingir que sou uma filha carinhosa agora. Acho que ele entendeu o que eu disse, porque parou de tentar. Não gosto de vê-lo assim, parece errado nutrir qualquer sentimento negativo por alguém que parece tão debilitado. Ele não foi justo comigo, mas não é da minha natureza fazer igual. Pego a gaze, atadura e fita e começo meu curativo. Se as feridas da alma fossem fáceis de curar assim...

Quando ele dorme já é noite, saio para procurar Ryan. De novo. Encontro Trevor no caminho que avisa que o jantar está quase pronto. Abro a porta que leva para o quintal e não demoro a encontrá-lo. Está sentado num banco enquanto olha para o céu. Uma vento frio me envolve e fico grata pela minha fiel jaqueta de couro. Pego o cigarro que anseio há bastante tempo, e sinto medo ao perceber que restam poucos na caixa, vou ter que comprar mais amanhã. Acendo e vejo a nuvem de fumaça se formar a minha frente. Ryan olha para mim mas não diz nada. Acabo meu cigarro e sento com ele, olho para o céu também.

O céu está nublado, mas vez ou outra há espaço para a lua, que está quase cheia e ilumina bem onde estamos, os olhos de Ryan tem dois pontos brilhantes do reflexo.
— Eu confio em você, Haley. — Ryan quebra o silêncio sem tirar os olhos do céu. Olho para ele sem entender o motivo da afirmação. Ele vira para mim com seus cabelos cobrindo parte do rosto, a barba está feita. Ele logo desvia os olhos novamente. — Às vezes é difícil para mim admitir. Não acabou bem a última vez que fiz isso. — Estou curiosa para saber o que houve com Ryan na base, mas pelo jeito como ele coça o pescoço e não consegue fazer contato visual comigo, sei que está desconfortável. Não quero pressioná-lo.
— Quer saber, Ryan? A gente pode conversar depois? Eu estou com fome e Trevor está nos esperando, então...— Ele solta um suspiro como se um peso fosse tirado dos seus ombros.
— Pode ir na frente, eu não vou demorar.

Deixo ele sozinho. Fico feliz de saber que a confiança é algo recíproco, Ryan é a única pessoa que eu tenho por perto (Jason não conta para mim e Ashley é uma incógnita ). Antes de entrar olho uma última vez e vejo a escuridão engoli-lo quando uma nuvem cobre a luz da lua. Sei que ele não vai demorar por que quando entro, uma chuva começa a cair lá fora.

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