Talvez não fosse apenas hipocrisia.
Talvez houvesse algum tipo de engano na forma com que Martín se portava como um homem extremamente inteligente – como um jogador de futebol que ultrapassava os limites da genialidade em campo, no melhor do estilo das grandes estrelas e craques das décadas de 70 e 80 (tempos nos quais muitos futebolistas faziam questão de evidenciarem o quão dedicados à parte mais abstratamente humana de suas inteligências eles eram).
Mas naquele momento, Martín não se autojulgava apenas como um bom hipócrita. Via-se também como um verdadeiro ignorante, como se ele vivesse num constante autoengano.
Esse tipo de conclusão surgia na mente do argentino enquanto ele observava Luciano colocar em cima da mesa, ao lado de seu notebook aberto, a segunda xícara com algum líquido doce e que não fora necessariamente requerido por Martín.
Depois de terem passado o que parecera quase meia hora ajoelhados e abraçados, em silêncio, ninando um ao outro mutuamente, os dois homens providenciaram um almoço – Martín, a contragosto de Luciano, preferiu naquele dia um sanduíche natural do que um belo prato de arroz com feijão.
Logo em seguida, o argentino disse que precisava responder mais alguns e-mails sobre toda a mudança que estava prestes a ocorrer em sua carreira assim que aquela viagem terminasse.
Martín optou por não insistir novamente no assunto sobre os possíveis clubes para os quais eles poderiam ir, ainda que fosse um problema urgente de ser resolvido, na visão do argentino. Mas à menção de que ele entraria em contato com a administração do Real Madrid para falar de seu desligamento e transferência, a feição de Luciano ganhou sombras que Martín não soube definir ou explicar, freando-o na vontade de abordar o assunto com o moreno.
O argentino apenas comentara, logo após o almoço, que estava com vontade de tomar um suco forte e feito de pelo menos três frutas diferentes e adocicadas (o único tipo de açúcar que ele se permitia ingerir sem muita cobrança).
Meia hora depois, Luciano entrou correndo no quarto, em direção à sacada e à mesa à qual Martín estava sentado e compenetrado no que fazia no notebook, carregando uma garrafa térmica exageradamente grande contendo um suco de maçã, morango e melancia.
As horas da tarde se passavam enquanto o brasileiro andava de um lado para o outro dentro do quarto, mexendo no celular, depois numa das malas, deitando-se na cama apenas para se levantar inquieto logo em seguida.
Martín observava toda aquela movimentação e, estranhamente, ao invés de sentir-se incomodado, achou graça na forma com que Luciano sempre parecia ser um menino hiperativo e crescido demais para seu próprio bem.
O argentino sugeriu, então, que os dois tomassem um café enquanto o loiro fazia uma pausa daquela troca de e-mails; e prontamente, a xícara com um cappuccino que continha uma quantidade visível de chocolate derretido era depositada ao lado de seu notebook.
Foi a visão daquela xícara o que fez Martín sentir-se verdadeiramente ignorante, e por um motivo bem simples: era tão evidente que Luciano fazia uma questão palpável de agradá-lo a todo instante naquelas poucas horas que se passaram desde a brincadeira sexual dos dois, que o argentino se perguntava como é que ele nunca fizera a correlação entre os cuidados do brasileiro e os momentos nos quais esses cuidados aconteciam.
De certa forma, Martín sempre via tudo o que Luciano fazia de um jeito globalizado – nunca compartimentalizado, ou de acordo com cada contexto.
E o loiro começava a perceber o quanto ele deixara passar, durante esses anos todos, por não conseguir enquadrar cada pequeno detalhe dentro de cada pequena circunstância.
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Private Dreams (BraArg) (PT-BR)
Fanfiction"Eu não acho que será possível para o Brasil conseguir se reerguer de todo o vexame futebolístico que ele tem enfrentado nas últimas décadas. Esse maluco deveria simplesmente desistir do papel de melhor do mundo, porque ele realmente não é mais". Es...