Capítulo 26. On the last day.

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Deixei a música com tradução tocando mas quem quiser pesquisar no spotify: The last day - Moby, skylar grey. Ouçam!

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Eu não sei como consegui dirigir até a rodovia, meu corpo estava dormente e minhas mãos gélidas, meus dedos tremiam agarrados ao couro do volante e eu não conseguia parar de chorar. Eu sabia o que me aguardava: uma fatalidade. Uma tragédia.

A vida em sua mais cruel forma.

Eu queria ver para crer. Eu precisava olhar com meus próprios olhos para entender, do contrário eu jamais entenderia.

Parei o carro de qualquer jeito assim que vi três viaturas da polícia. Corri em direção aos dois carros chocados um contra o outro. Transpassei a faixa preta e amarela ignorando o grito dos policiais. Me aproximei do carro dos meus pais e coloquei as mãos espalmadas no vidro do passageiro onde minha mãe estava presa ao cinto de segurança, sua cabeça estava jogada para o lado e havia sangue em sua barriga e em suas pernas. Bati desesperadamente no vidro como se ela pudesse me ouvir ou se sua vida dependesse disso. Meu grito desesperado ecoou pela rodovia deserta me fazendo ouvir minha própria voz. Tentei abrir a porta, mas o carro estava tão danificado que a maçaneta se transformou em algo sem forma. Soquei o vidro chamando por ela, implorando por sua alma, por sua vida. Implorando para um Deus que eu não acreditava para que ele me trouxesse ela de volta. Para que ele me levasse ao invés disso. Para que, se ele realmente existisse de verdade, fizesse ela viver.

Seu rosto pálido sem vida, seus cabelos jogados para frente do rosto e seus olhos entreabertos era algo que eu jamais esqueceria. Nem se eu vivesse cem anos e perdesse a memória, eu ainda lembraria do seu rosto. Algo dentro de mim lembraria do desespero que inundou meu corpo e me fez afogar para sempre.

Eu estava prestes a correr para o outro lado do carro em busca do meu pai, quando senti um braço me segurando por trás, me impedindo de sair do lugar. Olhei atordoada para os lados e vi Henrique atras de mim, me segurando com seus braços.

Foi nesse momento que todo o horror encheu meus olhos, o desespero tomou conta do meu corpo me fazendo tremer dos pés a cabeça. A situação como um todo começando a entrar na minha cabeça e o sentido se fazendo aos poucos. Como um quebra cabeças maligno. Metade do corpo do meu pai estava para fora do carro, atravessando o vidro e jogado em cima do capô amassado e enfumaçado, prestes a explodir. Levei as mãos a cabeça, agarrando com toda minha força meu cabelo e o puxando para trás. Soltei um grunhido de desespero, dor e todo o tipo de sentimento agonizante, como um animal selvagem prestes a morrer. Minhas pernas não tinham forças para me sustentar embora eu fizesse força para continuar correndo. Henrique continuava me arrastado para trás, me afastando o máximo dali. Olhei rapidamente para o outro carro tombado de lado em busca de algum sobrevivente mas tudo que meus olhos conseguiam ver eram meus pais sem vida dentro daquele carro destruído.

Não havia vida em lugar nenhum.

Minha mãe estava morta. Meu pai estava morto. Eu estava morta.

Olhei para Henrique como se fosse capaz de enxergá-lo, mas não havia mais vida em meus olhos.

Meus joelhos dobraram me fazendo cair no chão. Nem Henrique foi capaz de me sustentar. Coloquei as mãos no chão me curvando sobre ele, não sei bem as coisas que disse mas sei o que meus gritos queriam expressar: perdi as pessoas mais importantes da minha vida essa noite e nem todos os gritos, choros engasgados e grunhidos excruciantes seriam capazes de externar essa dor.

Vomitei tudo que tinha e não tinha dentro de mim. Henrique segurou minha testa e meu cabelo. Os policiais tentaram me levantar, mas ele pediu para que se afastassem.

Eu chorava compulsivamente.

Meu Deus, que dor! Que dor, que dor, que dor!!! Em toda minha vida de sofrimento e angústia nada jamais se compararia a essa dor. Eu tinha morrido essa noite. Por favor, Deus, me leve junto! Se você existe, me leve junto. Eu te desafio a me levar!

Pelo amor de Deus, me leve junto.

Eu te imploro.

Me leve junto.

(...)

Acordei aos berros me debatendo na cama, levei as mãos no peito como se me faltasse o ar, e faltava. Eu estava sufocada e molhada de suor. Olhei em volta e me dei conta que estava no quarto e tudo não passou de um pesadelo. De mais um pesadelo.

Mackenzie entrou no quarto com um semblante desesperado.

- O que houve?! – Havia preocupação em sua voz.

Olhei para ela atordoada sem imaginar o porquê ela estaria ali. Minha respiração estava ofegante e minha mão subia e descia do meu peito.

- Tive um pesadelo. – Sussurrei envergonhada.

Mackenzie piscou algumas vezes e assentiu com a cabeça prestes a sair do quarto.

- Mackenzie? – Chamei por seu nome. – Pode ficar um pouco comigo?

Seus dedos soltaram a maçaneta e ela veio em minha direção.

- Sim, claro.

Ela se aconchegou ao meu lado e me puxou para seu peito. Deitei a cabeça no meio do seu coração ouvindo suas batidas descompensadas. Agarrei seu pescoço e afundei a mão entre os fios gelados do seu cabelo loiro. Respirei fundo sentindo minha respiração acalmar e meu corpo relaxar com sua presença. Seus braços me envolveram em um abraço apertado e seus lábios tocaram minha cabeça.

- Sempre. - Ela sussurrou.

Fechei os olhos e novamente eu estava dirigindo em direção a rodovia, mas algo parecia errado. A curva acentuada me fez perder a direção do carro o fazendo capotar várias vezes até a beira do precipício e de repente, eu estava caindo.

Acordei gritando com as mãos na cabeça, segurando meu cabelo. Zé Alfredo soltou um berro assustado do outro lado da janela pulando no sofá. Olhei ao redor tentando assimilar o que tinha acontecido e onde eu estava. Meus olhos procuraram por Mackenzie ao meu lado, mas eu não estava no quarto e ela não estava ao meu lado.

Tudo não passou de um pesadelo ilusório.

Voltei para debaixo da coberta choramingando e me encolhi no sofá. 

Em busca de vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora