Capítulo 32. Entre a escuridão e a porta.

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Atravessei a sala silenciosamente a passos lentos, pensei em ir para o meu quarto mas acabei indo parar na porta do escritório. Empurrei a porta e coloquei a cabeça para dentro, estava vazio. Henrique não estava ali. Entrei mais um pouco dando a volta na mesa de centro, deixando minha bolsa.

Esfreguei as mãos nas pernas e respirei fundo, olhando ao redor. Um quadro branco magnético estava preso na parede com algumas fotos e reportagens presos a ele. A foto do carro amassado dos meus pais me trouxera algumas lembranças infelizes. Dei um passo para frente me aproximando do quadro, esbarrando em uma caixa preta que estava no chão.

Peguei a caixa e coloquei em cima da mesa, ao lado da minha bolsa. Dentro dela, mais fotos, arquivos e depoimentos. Peguei foto por foto, arquivo por arquivo, colocando-os pendurados no quadro. Meus olhos saltavam lentamente de um lado para o outro e minha mente tentava a todo custo não memorizar as atrocidades que aquele caso representava. A crueldade de tudo aquilo, o descaso. A impunidade.

🎶Amen omen, will I see your face again?
Amen omen, can I find the place within
To live my life without you?
But I live
I live a hundred lifetimes in a day
But I die a little
In every breath I take.🎵
Amen Omen - Ben Harper.

Puxei uma foto do delegado de dentro da caixa, colocando-o no centro do quadro. Cruzei os braços na frente do corpo e levei o polegar até a boca, roendo discretamente a pontinha da unha. As vezes até parecia que eu conhecia ele de algum lugar, seus traços não me eram completamente estranhos. Seu olhar, o formato do seu rosto.... Semicerrei os olhos observando a foto.

Cultivar um sentimento tão ruim durante tanto tempo por uma pessoa estava me consumindo por dentro, eu me sentia cada vez mais incapaz de retribuir qualquer sentimento positivo. Era como se eu apodrecesse dia após dia e não conseguisse mais enxergar o tom da vida, só as cinzas. O legado que meus pais me deixaram em ajudar o próximo era a única coisa que me dava direção, mas não era o suficiente. Desde suas mortes, eu estava perdida na vida em um labirinto infinito de dor e sofrimento; Angústia e rancor. Como sair desse labirinto e como achar o caminho de volta?

Não tinha para onde voltar. Não tinha para onde continuar. A vida não te prepara para isso.

Sentei no sofá de frente para o quadro onde meus olhos não desgrudavam. Inclinei o corpo para frente e apoiei os cotovelos nos joelhos. Meu coração batia tão forte que eu rezava para infartar ali mesmo e acabar com aquilo.

- Lavine? - Ouvi a voz do meu irmão vindo de longe.

- No escritório! - Gritei.

Desviei o olhar para porta assim que ele colocou a cabeça para dentro. Seu olhar era confuso e desconfortável.

- Tá fazendo o que aqui dentro?

Estranhamente eu não soube responder. Dei de ombros perdida e imersa nos meus próprios pensamentos. River passou pela porta encolhendo seu corpo atlético para não esbarrar em nada. Sua calça jeans rasgada no joelho me fez lembrar de sua adolescência e por um segundo eu quase consegui sorrir.

- Deus do céu... - Ele disse baixo parando em frente ao quadro. Seus ombros encolheram e ele enfiou as mãos no bolso da calça, igual quando era pequeno.

Indefeso. Traumatizado. Apavorado. Órfão. A dor da perda esmagou seu corpo. Meu irmão respirou fundo e olhou para mim.

- Eu estava....

River deu dois passos largos e sentou ao meu lado, colocando a mão em meu joelho.

- Apenas... - Voltei a dizer.

Respirei fundo e abaixei a cabeça. Eu não tinha o que dizer.

Permanecemos em silêncio por alguns minutos. Seu olhar atordoado tentava a todo momento evitar aquelas fotos. Meu irmão não tinha capacidade emocional para encarar todo aquele horror. E aliás, quem teria?

Em busca de vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora