PRÓLOGO
Eu nunca fui tão feliz – e tão pelado – quanto naquela época.
Dezembro
Eu nunca tinha passado um Natal longe da minha família. Natal para mim é sinônimo de família: a de sangue, a agregada, a velha, a nova. A minha família e amigos se reúnem, árvores são enfeitadas, presentes são embalados, biritas são preparadas e quase sempre entornadas. Natal é Norman Rockwell como pano de fundo para um tio bêbado. E eu não mudaria uma vírgula disso tudo por nada neste mundo.
Exceto neste ano. Este Natal foi completamente diferente. Rolou Rockwell, mas com um Trepador de Paredes no meio.
Como fotógrafo freelancer, Yibo tinha um trabalho inacreditavelmente legal. Ele viajava pelo mundo fotografando para a National Geographic, para o Discovery Channel, enfim, para quem precisasse de um fotógrafo nos lugares mais distantes do planeta. Neste Natal, ele trabalharia em algumas cidades da Europa durante a melhor época das férias e passaria dezembro quase inteiro fora.
Depois que eu e ele nos tornamos oficialmente nós, tivemos que encontrar um equilíbrio na nossa relação e deixar a vida voltar ao normal. Ele continuava viajando a trabalho para diferentes lugares do mundo – Peru, Chile, Inglaterra – e chegou até a passar um fim de semana na Mansão da Playboy, em Los Angeles, para fazer um “estudo”… Duro, né? Entretanto, quando o meu Trepador de Paredes mochileiro estava em casa, ele estava em casa mesmo, de corpo e alma. Comigo. Fosse no meu apartamento, fosse no dele. Fosse nos jantares com os nossos amigos Jillian e Benjamin, fosse no pôquer com os nossos outros dois casais de melhores amigos. Estava comigo, na minha cama, na dele; na minha cozinha, na dele; no balcão da minha cozinha, no da dele… Em casa.
Ao que parecia, porém, Yibo sempre costumava passar o Natal longe. Ora ele estava trabalhando em Roma, cobrindo os eventos da Praça de São Pedro, ora no arquipélago de Vanuatu, no Pacífico Sul, lugar que comemora o Natal antes do resto do mundo. Certa vez, passou o Natal no Polo Norte fazendo um boneco de neve.
Estranho? Nem tanto. Os pais dele morreram num acidente de carro quando Yibo cursava o último ano do ensino médio. Quando tinha dezoito anos, o mundo dele virou de cabeça para baixo. Sem outros parentes, deixou a Filadélfia alguns meses depois, ao ser aceito na Universidade de Stanford, e nunca mais voltou.
Então, sim, o Natal era algo difícil para Yibo. Eu estava começando a entender o meu Trepador de Paredes para além do homem, do mito, da lenda. Feriados em geral eram difíceis para ele. E, para um casal que estava junto havia pouco tempo, passar o Natal com os meus pais seria um evento e tanto, talvez um tanto demais. Yibo ainda nem os conhecia, por isso o Natal com (toda!) a família Xiao poderia não ser a melhor ocasião para dar esse passo tão importante.
Assim, não fiquei surpreso quando ele começou a fazer planos para passar o mês todo fora. Quem ficou surpreso foi o próprio Yibo quando eu me auto convidei para passar o Natal com ele.
– De Praga, vou pra Viena, depois pra Salzburgo, onde provavelmente vou passar o Natal. Lá tem um festival que…
– Pois espere que eu estou chegando!
– Ainda? Caramba, eu sou bom mesmo… Já faz uma hora que a gente… – Ele colocou uma daquelas mãos maravilhosas entre as minhas pernas. Estávamos deitados na cama, tarde de uma noite no final de novembro. Depois de alguns dias de viagem, Yibo tinha voltado para casa, e nós tínhamos tirado o atraso… uma após outra.
– Não, engraçadinho, eu quis dizer que vou pra Europa. Quero passar nosso primeiro Natal juntos, literalmente… Vai ser divertido!
– E seus pais? Não vão ficar chateados?
– Claro, mas eles vão entender. Vai estar nevando lá?
– Nevando? Ah, sim! Tem certeza? Passei os últimos Natais sozinho. Não estranho mais. Não ligo de ficar sozinho – ele disse, evitando me olhar nos olhos.
Sorri e ergui levemente o seu queixo.
– Mas eu ligo. Além disso, tenho uma semana de folga entre o Natal e o Ano-Novo. Está decidido.
– Você é mandão, senhor Xiao – ele brincou, escorregando a mão mais para perto do quadril.
– Sim, sou mesmo, senhor Wang. E não pare de fazer isso que você está fazendo… hum…
E foi assim que eu me vi num conto de fadas em pleno Natal. Viajei para Salzburgo, na Áustria, onde nos hospedamos num hotel maravilhoso no centro velho da cidade – sob a neve, as árvores enfeitadas com milhares de luzinhas brancas e Yibo ridiculamente fofo (awn!) usando uma touca de lã com um pompom na ponta. Num acesso extremo de turista, ele arranjou um trenó arrastado por cavalos, com sininhos e tudo.
Na véspera de Natal, debaixo de um cobertor quentinho e completamente enroscado em Yibo, apreciei a vista da cidade e do luar, que se refletia nas águas do rio.
– Estou feliz que você esteja aqui – ele sussurrou, depois mordiscou a minha orelha.
– Eu sabia que você ia ficar feliz. – Sorri quando a mão dele se insinuou para debaixo da minha blusa.
– Te amo – Yibo murmurou com a voz doce como mel.
– Eu te amo mais – respondi, os olhos marejados.
Nova tradição? O tempo dirá…
14 de fevereiro
Mensagem de Yibo para Xiao Zhan:
Y: Acabei de estacionar. Tá pronto?
Z: Quase. Vou me vestir. Entra.
Y: Subindo a escada. A gnt vai se atrasar.
Z: Ñ vai ñ. É só vc não tirar a calça.
Y: Nunca ouvi vc dizer isso.
Z: Abre a porta e entra! Agora!
Apertei o botão “enviar” e em seguida apoiei o corpo no balcão da cozinha. Ouvi ele girar a chave e abafei uma risadinha. Yibo e eu havíamos combinado encontrar nossa gangue dali a vinte minutos para um jantar romântico. Considerando o trânsito, com sorte chegaríamos em quarenta. E, com mais sorte ainda, nem chegaríamos.
– Amor! O que você está fazendo? Precisamos ir! – ele disse.
Ouvi-o despejar a bolsa ao atravessar a porta.
Enquanto ele caminhava pelo corredor, eu avisei bancando a dramático:
– Resolvi não ir. Não estou me sentindo muito bem.
Ouvi-o parar de repente e apostei (valendo a minha Le Creuset!) que Yibo estava passando as mãos pelo cabelo, contendo um suspiro.
Eu tinha enchido o saco dele por vários dias para que saíssemos no Dia dos Namorados e insistido para que comemorássemos com os nossos amigos. Mas ele passaria apenas uma semana em casa, e eu sabia que ele não queria outra coisa senão vegetar no sofá e dormir com o namorado.
Namorado.
Ainda sinto uns arrepios quando penso nessa palavra. Namorado de Yibo. Ele, que já foi o Mestre do Harém, agora é o meu namorado.
Então, após eu ter jogado verde desde janeiro para garantir que ele estaria em casa no Dia dos Namorados e passado horas e horas ao telefone com Sophia e Mimi planejando a melhor noite romântica de todos os tempos, a minha repentina decisão de ficar em casa deve ter feito Yibo questionar a sua decisão de arranjar um namorado.
– Tem certeza? Achei que você quisesse…
Ao entrar na cozinha, ele parou. Sentado sobre o balcão, com um avental, um sorriso no rosto e mais nada por baixo. Segurando uma maçã no colo.
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Amor entre as paredes ( livro II)
FanfictionA segunda parte do nosso amado Trepador de Paredes!!!!