CAPÍTULO VINTE
Na manhã seguinte, viajei à cidade no meu carro novo, o que gerou um furor no escritório – ao qual eu tentei pôr fim rapidamente.
Passei a manhã analisando com Jillian a proposta que ela me fizera. Jillian não queria preocupar ninguém e, claro, não queria que os nossos clientes soubessem de nada até que ela estivesse pronta para anunciar a semi-aposentadoria.
Depois que detalhamos tudo e eu vi no papel como seriam as coisas, confesso que fiquei bem mexido. Eu continuaria administrando o escritório como já tinha feito e basicamente assumiria as operações cotidianas. E, como eu deixei claro que pretendia manter os meus clientes bem como captar novos negócios, ficou igualmente claro que precisaríamos contratar outro designer em período integral.
Jillian me disse para pensar sobre o assunto, para conversar com Yibo, mas eu me dei conta de que não podia dizer não àquela oportunidade. Quer dizer, até podia, mas por que faria isso?
Então, antes de sairmos para almoçar, aceitei a oferta. Agora eu era sócio da Jillian Designs! Nós nos cumprimentamos com um aperto de mão, estouramos uma champanhe e fizemos tudo a que tínhamos direito, exceto jogar o chapéu para cima à la Mary Tyler Moore.
Um tanto inquieto – por conta de toda a empolgação, claro –, saí do trabalho mais cedo e fui celebrar sozinho na World of Tile – a minha loja favorita no mundo. Estava na hora de escolher o azulejo da minha cozinha! Ah, meu Deus, a minha cozinha. Estava aí um assunto que me deixava empolgado. Deixe-me contar um pouco sobre a minha cozinha.
Armário branco planejado, parte com portas envidraçadas, parte com prateleiras abertas. Bancada em pedra-sabão cinza-escura. Refrigerador Sub-Zero. Forno duplo embutido – você leu certo, duplo. E a melhor parte?
Fogão.
Viking.
Sinos.
Tocam!
E tem mais. Uma ilha planejada com pia embutida e tampo de mármore Carrara branco com veios cinza e azuis. Bancos para seis de um lado. Gavetas refrigeradas do outro – apenas para massa.
Decidir a altura da ilha foi cômico. Yibo me carregou pela casa, me apeando em diferentes alturas para descobrir a mais confortável. Tenho certeza de que toda a equipe da reforma sabia exatamente o que ele estava fazendo, mas eu não me importei. Eu ia ganhar a cozinha dos meus sonhos, e, se o meu namorado fazia questão de que a bancada tivesse a altura perfeita para o rala e rola, então a cozinha ia além dos meus sonhos!
Abri um sorriso enquanto caminhava pelos corredores da loja à procura do azulejo certo. Azulejo de metrô, talvez? Ou pastilha de vidro? Eu não sabia o que queria até que virei no último corredor e o vi.
Ele.
James Brown estava fazendo compras na World of Tile. E vindo na minha direção.
– Xiao Zhan, que surpresa! – ele chamou. Merda. Ele estava lindo. Ele sempre está lindo.
– James! Oi! – Sorri enquanto caminhava até ele. Eu não o via desde que terminara o design do seu apartamento, no ano passado. O lugar era jovem-advogado-chique, com um toque urbano.
– O que está fazendo aqui? – perguntei enquanto ele se inclinava para beijar a minha bochecha.
– Vim comprar azulejos, o que mais? – ele brincou.
– Vai fazer outra reforma? Prepara o bolso, hein? Eu te cobrei os olhos da cara, se bem me lembro.
– Sim e sim. E você fez um ótimo trabalho. Eu indico meu decorador pra todo mundo.
– Não é decorad… Que ótimo, James. Obrigado por divulgar o meu trabalho.
Eu não iria dar a ele esse gostinho. Não valia a pena gastar saliva explicando aquilo de novo.
– Então, onde vai ficar o azulejo novo?
– Marin. Comprei uma casa lá. – Ele sorriu.
– Uau, que ótimo!
– Sim, acabei de me casar. Ei, amor! Vem aqui, quero que conheça uma pessoa. – Ele gesticulou para um ômega que estava no corredor ao lado.
Esposo?
– Aí está ele. Vem, docinho, cumprimente Xiao Zhan.
– Olá, Xiao Zhan! – o ômega mais bonito do mundo falou para mim. Esquadrinhei senhor James Brown. Alta, loiro, jovem. Lindo é pouco. E parecia muito simpático. – Sou o Cole.
– Prazer! Quando vocês se casaram? – perguntei a James. Senti como se estivesse cambaleando.
– Faz uns meses. Somos recém-casados. – Ele sorriu e o puxou para perto. Cole deu uma risadinha.
– A gente se conheceu na balada. O pai dele é meu cliente, o resto você já sabe.
– Foi tudo tão rápido. Foi como se tivéssemos nascido um pro outro, sabe? James me pediu em casamento três semanas depois, dá pra acreditar? – Ele soltou outra risadinha e mostrou a aliança. Que mais parecia uma pista de patinação.
– Não dá! – Sorri e tentei impedir que as minhas sobrancelhas invadissem o couro cabeludo. Tarde demais.
– Quando é pra ser, é pra ser, né? – disse James, e a risada que Cole soltou soou como pequenos sinos de prata.
Ele sorriu para o esposo e acariciou a barriga dele. Que, só então eu percebi, estava notavelmente redonda. Cole entrelaçou os dedos nos do marido, e os dois envolveram a barriga perfeitamente redonda . Ele estava radiante. James sorriu orgulhosamente para mim.
– De onde você conhece o Jimmy? – Cole perguntou.
– Jimmy? – As sobrancelhas já eram causa perdida; estavam na minha nuca a esta altura.
– Xiao Zhan e eu namoramos quando eu estava na faculdade; depois, nos reencontramos quando ele decorou o meu apartamento, ano passado. Por falar nisso, como vai o trabalho?
– Tudo bem, Jimmy. Tudo ótimo, na verdade – respondi entre dentes.
– Você é decorador! Eu amo decoração. Ano passado, fiz um curso de decoração! Amei esse azulejo aí. Está escolhendo algo para um cliente? – perguntou Cole, se referindo ao azulejo com estampa preta e verde-neon que eu inadvertidamente pegara na prateleira e que agora apertava com tanta força que as juntas dos meus dedos estavam brancas.
– Isto aqui? Não, só estou olhando. Na verdade, estou procurando algo pra mim. Acabei de comprar uma casa em Sausalito, né. Daí o azulejo. Pra minha casa nova!
– Ah! Eu amo Sausalito! Jimmy e eu vamos pra lá sempre que podemos. Às vezes, ele me leva pra comer panqueca no café de domingo. – Cole soltou uma risadinha.
James me encarou.
– Você comprou uma casa? Em Sausalito? Com quem?
Super curti que ele simplesmente presumiu que eu tinha comprado a casa com alguém, que eu não tinha condições de comprar sozinho. O fato de que eu estava a anos-luz de bancar uma casa em Sausalito era um problema meu, porra!
– Sim, comprei uma casa. Com o Yibo. Você lembra dele, não lembra, Jimmy?
– O vizinho?
– Sim, o vizinho.
– Uau. Que ótimo, Xiao Zhan. Ótimo mesmo.
– Sim. – Balancei a cabeça enfaticamente. – É mesmo.
– Mas estou surpreso. Não esperava.
– O quê? Por quê?
Cole tinha se afastado. Ele tinha encontrado um azulejo brilhante.
– Você sempre disse que nunca viveria no subúrbio. E que nunca se prenderia a uma vidinha careta…
– Ah, fala sério, eu não estou me prendendo a nada! E Sausalito não fica no subúrbio – rebati, e ele revirou os olhos. James sempre gostou de me provocar.
– Aliás, de prisão a casa não tem nada, ela é incrível. Amo aquele lugar, é exatamente o que eu sempre quis.
– Eu não falei prisão; você que falou. Eu falei se prender a um tipo de vida…
– James, cala a boca! – ordenei, o meu rosto pegando fogo a esta altura. Cole desfilava na nossa direção, e eu precisava sair dali. – Parabéns pelo casamento e tudo o mais e boa sorte com o azulejo. Dei meia-volta e corri até um vendedor.
Estufando o peito, eu pedi desculpa ao rapaz e então disse com toda a clareza:
– Meu namorado gosta de me comer na ilha da cozinha. Qual o melhor tipo de azulejo pra isso?
Deus o abençoe: o cara realmente me mostrou algumas opções.
No fim das contas, fiquei feliz com o conversível, pois atravessar a ponte em direção à nada suburbana Sausalito era infinitamente melhor em um veículo de alta performance. Rolar pela Golden Gate em uma van desengonçada não era assim tão espetacular. Acelerando nas ruas estreitas, entrei zunindo na nossa rua e estacionei na garagem. Saí do carro e bati a porta.
– Xiao Zhan? – Yibo chamou, e eu me virei. Ele estava no limite do jardim e conversava com Ruth, a vizinha do lado. Aquela que nos tinha entregado a chave na primeira vez em que vimos a casa.
– Oi, Yibo. Boa noite, Ruth! – disse na minha voz mais sociável. Atravessei a garagem na ponta dos pés, desviando dos cavaletes e das lonas de plástico.
– Ruth, você não vai acreditar quando vir como está o quarto do andar de cima. Aquele que era um quarto de costura.
– Yibo me puxou para perto. – Oi, amor, como foi seu dia?
– Ah, ótimo. – Pela cara de dúvida com que Yibo me olhou, eu não devo ter soado muito convincente. – Quarto de costura?
– Ah, sim, sim! Semana passada, o Yibo me mostrou como está ficando a casa. Não dá pra acreditar no quanto já está diferente! – exclamou Ruth.
– É incrível o que você consegue fazer com uma equipe grande trabalhando. Então, quarto de costura…?
– Ah, o Yibo estava me mostrando o andar de cima, e eu fiquei encantada com aquele quartinho, o que fica embaixo do beiral? Eu falei pra ele que, embora a Evelyn o usasse como quarto de costura, sempre achei que seria perfeito para um quarto de bebê. Você não acha?
O meu sorriso congelou. O meu olhar passou de Yibo para Ruth, de Ruth para Yibo. Yibo fitou o chão com vergonha. E corado. E sorrindo. De orelha a orelha.
– Quarto de bebê? – perguntei através do sorriso congelado.
– Claro! Um casal jovem e lindo como vocês, tenho certeza de que estão pensando no assunto. Sei que os ômegas de hoje em dia preferem esperar por conta da carreira, mas você não pode esperar muito mais, sabe disso. Sei que não é da minha conta, e Deus bem sabe que às vezes eu me meto onde não devo, mas eu…
Eu devo ter feito a cara de quem comeu abacaxi podre, porque, entre “não é da minha conta” e “eu me meto onde não devo”, Ruth começou a me olhar de um jeito estranho.
Eu me virei sem dizer uma palavra e caminhei até a casa, ouvindo Yibo se desculpando com Ruth em meio ao barulho que invadia as minhas orelhas. Motos-serra? Cortador de azulejo? Azulejos! Há!
Entrando, olhei ao redor do caos. Para os três pintores pendurados em escadas no primeiro andar. Para os dois carpinteiros carpintejando na cozinha. Para o cara xis sentado no banco da janela com os pés apoiados na minha mesa de jantar (coberta por uma lona), lendo um jornal.
– Com licença. Posso ajudá-lo? – perguntei por sobre o barulho.
– Você é Xiao Zhan?
– Sou.
Nesse exato momento, ouvi a porta da frente bater. Um irritado Yibo estava parado na entrada.
– Como você pôde ter sido tão grosso com a Ruth?
– Você só pode estar brincando.
– Que merda, Xiao Zhan! Ficou completamente louco?
– Sério que você quer falar sobre isso agora? – perguntei, apontando para os trabalhadores e para o cara com as pernas para cima, que obviamente estavam atentos à nossa conversa.
– Aliás, quem é você? – perguntei ao homem.
– Fred. Vim pra fazer os armários…
– Ok, Fred. Vamos começar pela sala de estar. – Com uma mão, gesticulei para que ele me seguisse e, com a outra, para que Yibo fizesse exatamente o oposto. Quando comecei a abrir a porta, Yibo gritou:
– A sala, não! O Clive está aí!
Tarde demais. Feito um torpedo felino, Clive disparou até a cozinha. Eu tentei agarrá-lo no caminho, mas ele escapou entre os meus dedos.
Yibo e eu vínhamos tentando mantê-lo longe de agitação durante o dia, soltando-o apenas à noite. Normalmente, Clive ficava no “quarto de costura”, já que aquele aposento não passaria por muita reforma.
– O que diabos ele estava fazendo na sala de estar? – eu gritei, tentando seguir Clive, assustado com os vários homens estranhos na casa.
– Eles estavam mexendo no piso de cima, então eu o trouxe pra cá. Por isso a porta estava fechada! – Yibo gritou de volta, mergulhando para deter Clive e batendo em um pintor.
– Peguem o gato! – ele disse, e, no mesmo instante, Clive estava sendo caçado por seis homens.
– Parem! Parem! Vocês estão assustando o gato! – eu berrei por sobre os berros de Clive.
Fred tentou agarrar Clive, que se desvencilhou ao estilo
Velozes e furiosos: desafio em Tóquio, subiu uma escada, desceu uma escada e correu na direção da sala de jantar.
Na direção do banco da janela.
Na direção da janela enferrujada que nunca fecha direito.
E.
Ele.
Pulou.
Ele estava ali, de repente não estava mais.
Eu alcancei a janela a tempo de ver o seu rabo desaparecendo através da parede do jardim e adentrando o crepúsculo.
(....)
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Amor entre as paredes ( livro II)
FanfictionA segunda parte do nosso amado Trepador de Paredes!!!!