Bom dia ♡
CAPÍTULO VINTE E CINCO
– Mais uma vez: o que estamos indo fazer? Estamos indo comprar pit-bulls? – perguntei enquanto esperava no banco de trás do Range Rover com Sophia; Yibo e Neil estavam enchendo o tanque para pegarmos a estrada. Iríamos passar a noite em Monterey, cidade natal de Sophia. Embora ficasse a poucas horas de distância de San Francisco, era um mundo completamente diferente.
– Sim. Exatamente. Estamos indo comprar pit-bulls, Xiao Zhan – Sophia respondeu secamente.
– Mesmo? Que coisa.
– Não é igual a comprar uma bolsa. Neil quer um filhote, e eu também. Acho que vai ser bom ter um filhote e um bebê ao mesmo tempo.
– Eu acho que vai ser loucura ter um filhote e um bebê ao mesmo tempo, mas, ei, só estou aqui pra fazer companhia – falei. Ela me mostrou o dedo do meio; eu retribuí.
– Sério, não é muita coisa de uma vez só?
– A gente estava planejando pegar um cachorrinho depois que o bebê nascesse, mas aí o Lucas, meu primo, começou a me mandar fotos da última ninhada, e eu me derreti toda. Olha isso! Como resistir a isso, me diz? – ela falou, rolando a tela do celular e segurando-o para me mostrar seis ou sete filhotes minúsculos e adoráveis, enfileirados sobre um travesseiro, com uma mamãe orgulhosa ao fundo. Alguns eram cinza, outros eram malhados em preto e branco, todos davam vontade de morder.
– E tem vídeo!
– Oh, assim você acaba comigo! – Soltei um suspiro enquanto assistia aos filhotinhos gingando pelo lugar, pulando e brincando e sendo absolutamente fofos.
– Não sei como vou fazer para tirar o Yibo de lá sem um filhotinho nos braços.
– O Clive iria matar vocês dois – observou Sophia, guardando o celular ao mesmo tempo que os meninos entravam no carro.
– Com as próprias patas – concordei.
– Próprias patas? De quem estamos falando? – Yibo perguntou enquanto se ajeitava no banco do motorista.
– Clive. Matando a gente.
– Eu tenho pesadelos com isso – ele disse, com um arrepio. – Aquele gato é esperto demais pro meu gosto.
– E o harém dele? – Neil perguntou. Yibo deu um soco em seu braço.
– Cara! Não chama de harém.
– As namoradas dele. Irmãs-esposas. Sei lá. Como não tem um zilhão de filhotinhos espalhados pela casa de vocês? – Neil indagou, esfregando o braço.
– Clive foi castrado há muito tempo. Perdeu as bolinhas, o meu menino – expliquei. – Ele conquistou aquelas garotas com sua personalidade, e sua personalidade apenas.
Quando retornara para casa após um período foragido, Clive não estava sozinho. Ele trouxera consigo três adoráveis gatinhas, que adotaram Yibo e eu. Nós agora vivíamos com quatro – eu disse quatro – gatos. Norah, Ella e Dinah se juntaram a Clive na governança do lar, e eu e Yibo fazíamos nosso melhor para não incomodá-los. É verdade que em algumas noites nossa cama ficava meio entulhada, mas quer saber? A gente não trocaria isso por nada.
– Ok, Neil, vamos repassar o plano mais uma vez. A gente escolhe um filhote, um, de preferência o que parecer mais tranquilo. Combinado? – Sophia falou, esticando um braço e pousando a mão sobre um ombro dele.
– Vamos ver… – Ele fez que sim com a cabeça. Dez segundos depois, seu rosto ficou vermelho; Sophia o estava apertando, obviamente.
– Um filhote, combinado! – ele falou com dificuldade, e ela lhe deu um tapa na cabeça.
– Violoncelistas. As mãos mais fortes que você pode imaginar. Normalmente, isso é bom… Mas às vezes… – Neil comentou com Yibo, que riu.
E nós pegamos a estrada com destino a Monterey.
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– E aqui ficam os cães recém-chegados, que ainda precisam de algum cuidado. Às vezes, podemos colocá-los direto com os demais cachorros, mas geralmente eles precisam de um detox canino – disse a loira alta, sorrindo; ela fazia a apresentação soar inédita, embora obviamente já a houvesse realizado centenas de vezes.
Tínhamos completado o percurso até Monterey em pouco menos de duas horas, uma mudança bem-vinda em relação a viagens passadas. Sempre que Mimi estava presente nas viagens de carro, precisávamos parar a cada cinquenta quilômetros (era o que parecia, pelo menos) para fazer uma boquinha. Já em Monterey, o deslocamento até a Batutinhas, um centro de resgate para pit-bulls abandonados ou maltratados, fora bem rápido.
Sem conhecer muito sobre a raça para além das notícias que saíam nos jornais, eu não sabia bem o que esperar. Certamente não esperava que o lugar fosse comandado por uma ex-miss. Sophia me contara sobre Chloe e sobre como ela conseguira o trabalho, e, para alguém que estava administrando um negócio havia pouco mais de um ano, o resultado era impressionante.
– Cadê os filhotes? Eu quero filhotes! – disse Neil, praticamente saltitando pelo celeiro em que nos encontrávamos.
– Pode ficar tranquilo, Neil, eles estão no próximo espaço. – Chloe riu e deu um tapinha carinhoso no cachorro que a acompanhava.
Sammy Davis Jr. (considerando que meu gato se chama Clive, quem sou eu para julgar o nome que as pessoas colocam em seus animais de estimação, não é mesmo?) era dócil e encantador e, evidentemente, o mascote do lugar. Cada voluntário que estava trabalhando naquele dia parara para cumprimentá-lo.
– Quantas pessoas trabalham aqui? – perguntei a Chloe enquanto nos dirigíamos, assim eu presumia, ao espaço onde ficavam os filhotes.
– Em período integral, somos apenas três. Mas temos mais seis funcionários que trabalham meio período e, normalmente, dependendo da época do ano e da situação, de sete a dez voluntários, também em meio período. Além disso, a gente tem uma parceria com uma faculdade de veterinária, então sempre tem algum aluno fazendo estágio para conseguir créditos. E tem o meu namorado, o Lucas. Ele é veterinário e está sempre aqui.
– O meu primo Lucas, você quer dizer – Sophia a cortou.
– Não, o meu namorado Lucas – Chloe replicou, olhando-a de canto de olho e sorrindo para ela.
– Ele é meu primo.
– Ele é meu namorado.
– Cara, você é tão mais legal do que aquela ex dele! – Sophia exclamou no exato momento em que um homem muito atraente surgiu na nossa frente.
– Você está provocando a minha prima, Chlo? – ele perguntou, passando um braço sobre os ombros dela e puxando-a para si.
– Eu não tenho escolha, ela não me deixa em paz – Chloe falou prontamente, e Sophia lhe mostrou a língua. – Lucas, estes são Yibo e Xiao Zhan, eles são amigos da…
– Eles são meus amigos, eu os apresento – Sophia interrompeu. Ela estava enchendo tanto o saco de Chloe que era óbvio que a adorava. – Estes são Yibo e Xiao Zhan.
– Muito prazer, Xiao Zhan, Yibo – disse Lucas, me cumprimentando com um aperto de mão e só depois cumprimentando Yibo. – Estou sabendo que vocês vieram pegar um filhote.
– Oh, não, nós não! Esses dois aqui. – Yibo apontou para Neil e Sophia. – Nós já temos quatro gatos, não damos conta de mais.
– Quatro gatos? Uou, impressionante! – Lucas falou, e nós entramos em uma área isolada.
E finalmente vimos… os filhotinhos. Tão fofos quanto prometido. Neil imediatamente se sentou no chão e se deixou ser escalado por uma onda gigante de meiguice.
– Oh, meu Deus! Esses carinhas são demais! – Neil gritou, deitando-se sob a pilha de rabinhos abanantes, que o apinharam, para seu total deleite.
Vendo-o rolar pelo chão, rindo que nem criança, tive uma súbita visão do tipo de pai que ele seria.
– Você sabe que nunca vai poder fazer o papel de boazinha com seu filho, né? – sussurrei para Sophia, que balançava a cabeça, entretida com a cena.
– Oh, isso é bastante óbvio – ela falou, virando-se para mim com um sorriso no rosto. – Não tem problema, porque eu fico fantástica de mulher má.
– Vou ser obrigado a interrompê-las – disse Yibo, juntando-se ao amigo na pilha de filhotes.
E, vendo Yibo brincar com os cãezinhos, tive uma súbita visão dele rolando pelo chão de nossa casa, em Sausalito, soterrado por filhotinhos de gato e por bebês. Hummm, uma bela visão.
– Bem, é indiscutível que todos eles são adoráveis – falou Chloe, observando os dois homens adultos se esbaldando com um monte de cachorrinhos. – Alguma ideia de qual vão querer?
– Pai do céu, como é que se escolhe uma coisa dessas? – Sophia se agachou para pegar um rapazinho que farejava seu pé.
Rá! A escolha de Sophia… Mas eu mordi a língua e não soltei essa. Em vez disso, olhei para Yibo, que sorria para mim carregado de filhotinhos.
– Não, nem pense nisso – falei, arqueando uma sobrancelha.
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No fim, os filhotes escolheram por Sophia e Neil. Não um, não dois, mas três foram adotados. A fofura venceu o bom senso, e até Sophia se animou com a perspectiva de ter uma casa cheia de patinhas e pezinhos, tudo junto e misturado. A verdade é que eu nunca a tinha visto tão feliz. Ela continuava bravateira, durona e parecia manter Neil na rédea curta, mas era pura empolgação com o rumo que sua vida tinha tomado. A trinca canina era apenas mais um indício de que nossa ruiva de pernas longas estava sendo domesticada.
Todos nós estávamos nos aproximando a passos largos dos trinta, ficando mais sossegados, talvez, mas jamais parados.
Lucas e Chloe nos convidaram para jantar em sua casa. Neil e Sophia passariam a noite lá. Yibo e eu tínhamos feito reserva em um hotel butique à beira-mar, e eu não via a hora de ser embalado pelo som das ondas. E não via a hora de Chloe me mostrar a casa surreal em que ela morava.
– Sério, essa casa é uma cápsula do tempo! Eu nunca vi nada assim! Você tem certeza que não contratou um designer de interiores para recriar 1958 aqui? – Eu estava de queixo caído diante de todo aquele kitsch.
– Certeza absoluta. Tudo aqui é autêntico, escolhido pelos meus avós e intocado por anos. Tudo bem que era uma casa pra passar férias, mas ainda assim fico impressionada com a conservação dela. Tudo está em ótimo estado.
– Sem exagero, eu poderia vender cada item desta casa pros meus clientes; todo mundo está atrás de coisas do meio do século. Jesus, aquilo é um rádio- vitrola? – perguntei, apontando para um largo aparador cuja tampa central estava aberta. Dentro, um toca-discos com cara de novo reluzia. Eu tinha mandado restaurar um parecido para um cliente, alguns anos antes, mas aquele era uma beleza. Design dinamarquês, com linhas planas, limpas; quando fechado, se passava por um simples bufê. Tudo o que eu tinha visto até então naquela casa era assim, cheio de detalhes impressionantes.
– Pode apostar. A gente ouve discos nessa coisa quase todo dia. Lucas, bota esse tremendão pra funcionar! – Chloe gritou, o que fez o namorado sair de trás do bar tiki.
– Deixa comigo, broto – ele respondeu, e um momento depois a característica e suave voz do sr. Dean Martin se derramava sobre nós. – Então, quem vai beber? Preparei alguns Zombies.
Duas horas mais tarde, eu tinha aprendido algumas coisas. Entre elas, que Zombie era um drinque letal. Não tome mais do que você aguenta – no meu caso, dois copos.
Nós desfrutamos um jantar no pátio e, depois que acabamos de comer a maravilhosa refeição que Chloe preparara, continuamos à mesa conversando e bebendo café, tentando combater os efeitos dos drinques tão deliciosos quanto fortes.
– Acho melhor pegar um pouco mais leve no álcool na próxima vez – Chloe disse para Lucas. – A gente está testando as receitas de um livro de coquetéis tiki, e alguns são bem mais alcóolicos do que outros – falou para o restante de nós.
– Especialmente os Mai Tais preparados por você – Lucas murmurou, e eu percebi que um rubor se insinuou no rosto de Chloe. – Prima querida, quando vocês dois vão juntar os trapos? Me dei conta de que a gente ainda não recebeu nenhum convite.
Sophia acariciou a barriga.
– Não sei ainda, mas vamos esperar pelo menos seis meses depois que este pivete nascer. Quero perder um pouco desse peso pra estar maravilhosa.
– Você vai estar maravilhosa de qualquer jeito – comentei.
– Maravilhosa como antes da gravidez, quero dizer. Sim, sou fútil. Tirei as palavras da sua boca, eu sei – ela falou.
– Você não é fútil. – Dei risada.
– Você é bem fútil – Chloe se intrometeu, sorrindo. Sophia ergueu sua faca e a deslizou vagarosamente diante da própria garganta. – Fútil e violenta.
– Estou te falando, eu adorei essa garota! – Sophia disse para Lucas, que jogou a cabeça para trás numa gargalhada. – Falando em casamentos – Sophia continuou, e minha mão se paralisou antes de alcançar meu Zombie –, quando vocês dois pensam em oficializar a coisa?
Minhas orelhas esquentaram, minha pele formigou, meus lábios começaram a se retorcer, e então notei que ela não estava olhando para mim, mas para Lucas. Meus pulmões se esvaziaram, e eu ergui o copo e tomei um grande gole de Zombie. Grande Gole de Zombie, que nome excelente para uma… Mas por que diabos eu tinha congelado? E daí se ela perguntasse quando Yibo e eu iríamos nos casar? A gente se casaria quando a gente quisesse. Ué. Não?
Enquanto eu patinava por essa espiral mental de pânico, notei que Yibo estava olhando para mim. Ele tinha percebido tudo e me conhecia bem o bastante para saber exatamente o que se passara na minha cabeça. Abriu um sorriso, consciente de que havia me pegado em flagrante. Revirei os olhos e tentei fingir que nada tinha acontecido, prestando uma atenção exagerada à conversa que seguira durante minha paralisia.
– Pera lá: então vocês não têm planos de se casar? Nunca? – Sophia indagou, olhando para Lucas e para Chloe, para Chloe e para Lucas.
– Vai com calma aí, pequeno gafanhoto. Não é da nossa conta – disse Neil, esfregando os ombros dela.
– Tudo bem, não tem problema. A gente não está planejando casar, pelo menos não em breve. Nós dois passamos por noivados com outras pessoas, por todo o processo de planejar um casamento, sabemos como é e estamos felizes com as coisas como elas estão – Lucas falou, inclinando-se para dar um beijo na bochecha de Chloe.
– É isso mesmo. Por que mudar algo que está dando certo? – concordou Chloe, inclinando-se para receber o beijo. – Nós dois ficamos noivos das pessoas erradas. Talvez um dia a gente decida juntar os trapos, mas não por enquanto.
– Eu não confio em uma mulher que não deseja usar branco – disse Sophia, e eu dei um tapa em sua mão.
– Eu uso branco direto. Seu primo aqui tem uma tara por espartilhos de renda branca – Chloe emendou.
– Informação dem…
– Sensacional! – Sophia e Neil gritaram ao mesmo tempo.
Enquanto a mesa enveredava para um papo sobre espartilhos, eu pensei no que Chloe tinha dito. Se as coisas estavam dando certo, por que mudá-las? Evidentemente, estava funcionando para eles. E estava funcionando para mim e Yibo também. Hummm…
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Na varanda que se elevava sobre o oceano, eu observava o quebrar das ondas. Cada uma delas se iniciava suavemente, um pouco além do meu campo de visão na noite escura, e crescia devagar, inchando-se e movendo-se de modo implacável em direção à margem. Então, elas se empinavam – primeiro brancas em seu contorno, depois em toda sua dimensão conforme descaíam sobre si mesmas – e se quebravam contra as pedras, cobrindo de espuma cada rachadura, cada fenda. As incontáveis ondas seguiam seu curso inescapável. Todas principiavam da mesma forma; todas findavam da mesma forma. Uma vez após a outra, e assim, inexoravelmente, pela eternidade.
Ondas não eram capazes de corrigir a própria rota. Não podiam simplesmente decidir um dia: “Ei, acho que vou pro México hoje, ver o que tem por lá”. A única possibilidade de se desviarem de seu caminho advinha da ocorrência de um evento descomunal. Furacão. Terremoto. El Niño. Caso contrário, elas se dirigiam à margem. É possível ajustar a hora a partir da maré. Definitivo. Inevitável. Era como era.
Divagações profundas. Embora normalmente seja difícil ter pensamentos fúteis quando se está diante do oceano, minha mente sempre parecia enveredar para lugares pesados, guinar para uma melancolia. Por que será?
– Amor, está um gelo aí fora, você não está com frio? – Yibo gritou do quarto.
– Não, a brisa está gostosa – gritei de volta.
Seus passos se tornaram mais audíveis conforme ele se aproximava da porta de correr, que abriu completamente.
– Serião, um gelo.
– Serião, vem me esquentar, então. – Rebolei o bumbum levemente para ele. Em poucos segundos, havia dois braços em volta da minha cintura. Yibo me puxou contra seu peito, as mãos circundando meus quadris, e eu me aninhei nele.
– Que gostoso.
– Concordo. – Senti seu hálito em meu cabelo, e seu nariz roçou meu pescoço.
– No que você está pensando, sozinho aqui?
– Só estou observando as ondas. – Deslizei minhas mãos sob as suas e as prendi com mais força em torno da minha cintura.
– Você nunca faz só isso, Xiao Zhan. Você está pensando em alguma coisa.
– Às vezes, eu só observo as ondas, sim. Olha que lindo – falei, abrangendo com um gesto o horizonte. As ondas, a praia, as incontáveis estrelas…
– Sim, é lindo mesmo. Mas eu sei que você estava pensando em alguma coisa.
Você estava suspirando de trinta em trinta segundos.
– Eu? – perguntei, surpreso.
– Você… É assim que eu sei que você está cismado com alguma coisa. Seus suspiros fogem do controle quando tem algo errado.
– O quê? Como assim? – indaguei, me virando ainda entre seus braços para olhá-lo de frente.
– Você acha mesmo que, depois de todo esse tempo, eu não saberia quando há algo se passando nessa cabecinha? – ele falou, pousando um beijo em meu nariz.
– Me diz: o que está provocando esses suspiros na varanda?
Suspirei sem me dar conta, instigando o aparecimento de uma ruga em sua testa: Yibo estava segurando uma risada. Encarei-o e revirei os olhos. Uma revirada apenas.
– Tá, sim. – Suspirei. – E tá, sim, talvez eu estivesse pensando em algo.
– E não vai me contar? – ele perguntou, e eu afundei meu rosto em seu peito.
– Oh, é assim? Não vai me contar mesmo?
– Não, não é isso. Eu não sei se estava realmente pensando em algo… Eram ideias muito vagas flutuando sem direção, não eram pensamentos de fato. Eram, tipo, pensamentos… adjacentes.
– Você está me enrolando! – Ele deu uma risadinha marota. – Tudo bem, vamos começar pelo pensamento adjacente. O que está pegando, amor?
– Você já contemplou as ondas e pensou: “E se uma onda quisesse tomar uma direção diferente”?
– Contemplar ondas? Já fiz. Atribuir pensamento a uma onda? Não fiz. Eu estaria mentindo se dissesse o contrário. – Ele me fitou com mais atenção. – Mas agora fiquei curioso. Que tipo de pensamento você acha que essas ondas teriam?
– Não são bem as ondas. É… a ideia de que elas não têm escolha. Elas têm uma única direção a seguir, e é isso, acabou. Todos os caminhos levam à praia.
– Nossa, que caminhos tenebrosos – ele provocou, e eu lhe dei um soquinho.
– Você perguntou no que eu estava pensando; era nisso que eu estava pensando. Não falei que meus pensamentos faziam sentido… Eles ainda não chegaram ao ponto de fazerem sentido – eu disse, e ele me envolveu com mais força.
– Garoto do Baby-Doll, seus pensamentos fazem total sentido considerando a conversa no jantar de hoje.
– Hã?
– A sua cara de pavor quando achou que iam perguntar sobre a gente se casar. E agora você está aqui fora sozinho e preocupado com as escolhas das ondas. Não é tão difícil ligar os pontos. Eu não te conheci hoje, sabia? – Senti-o sorrindo contra meu pescoço; se era possível abraçá-lo com mais força, eu não teria como saber.
– Eu não fiquei em pânico; fui pego de surpresa, só isso. E aí, quando vi que não era sobre mim, sobre nós… Não sei, eu… Acho que eu não estava preparado pra responder essa pergunta.
– E se fosse eu perguntando?
– O quê? Como assim? – perguntei, erguendo o queixo para encará-lo. Seus olhos, de um castanho profundo sob a luz da lua, me fitavam imperturbavelmente. Me analisavam em busca de uma reação. – Você não está me pedindo em…
– Não, eu não estou te pedindo em… Só estou pedindo pra você me dizer o que pensa sobre isso, de uma maneira genérica. Sem pânico, por favor.
– Não estou em pânico. Estou na mais perfeita calma – respondi, e então lhe exibi meu melhor tique facial.
– Que sexy, Zhan. – Ele soltou uma gargalhada.– Você está perguntando o que eu penso a respeito de casar em um sentido genérico, ou de casar com alguém específico?
– Tanto faz. Os dois.
Eu me inclinei para trás para olhar bem para ele, suas mãos ainda em minha cintura.
– Eu acho que casamento em um sentido genérico é algo que aprovo. E também acho que a máxima “em time que está ganhando não se mexe” é válida. Parece estar funcionando para a Chloe e para o Lucas. Por outro lado – deslizei minhas mãos por seu braço e as entrelacei em sua nuca –, acho que casamento com alguém específico também é algo que eu aprovo… dependendo, claro, de quem seria esse alguém específico. Existe algum candidato?
– É possível – ele respondeu, lentamente me puxando para perto, para seu peito. – É bem possível.
– Esse candidato é alto? Charmoso? Encantador? Inacreditavelmente lindo?
– Sim para todas. – Ele anuiu com a cabeça, a expressão bem séria.
Sufoquei uma risada e fiquei na ponta dos pés para estalar um beijo sob sua orelha.
– Então, diga a esse meu noivo em potencial que, se ele quiser a minha resposta de verdade, vai ter que fazer a pergunta de verdade. Se não, tudo isso não passa de papo-furado em uma varanda. E eu já tive a minha cota de papo- furado hoje.
– E que tal sexo em uma varanda?
– Agora estamos falando a mesma língua. – Abri um sorriso, e suas mãos deslizaram pela minha lombar e se cravaram na minha bunda, trazendo-a para seus quadris. Quando seus lábios encontraram os meus em um beijo demorado, sem pressa, pensei sobre beijar aquele homem, especificamente ele, pelo resto da vida. Existiria algo melhor do que aquilo? Yibo e eu, prestes a ficar pelados e safados… Nada superaria isso.
E então tive uma visão dessa cena se passando no futuro, mas, em vez de desabotoar minha camisa, Yibo desabotoava meu smoking. E, em vez de tirar a minha calça jeans, deslizava minha calça branca ao longo da minha coxa. E, em vez de me chamar de Garoto do Baby-Doll conforme sua língua serpeava do meu umbigo para baixo, me chamava de esposo.
Se ficou surpreso com o ímpeto que eu manifestei na varanda, ele não deixou transparecer. Apenas aproveitou. Duas, três vezes…
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– Mas três mesmo? Sério, três?
– Vai ser divertido!
– Vai ser o caos! Como você vai dar conta de três filhotes mais um recém- nascido mais o Neil?
– Estou construindo meu ninho. Estou sob efeito dos hormônios.
– Você está sob efeito de uma psicose, isso sim.
– É outra possibilidade – Sophia admitiu.
Estávamos no banco de trás do Rover, no caminho de volta para San Francisco. De manhã cedinho, Yibo e eu tínhamos passado na fazenda de Chloe para nos despedir dela, de Lucas e dos filhotinhos e para pegar Sophia e Neil. Os dois voltariam a Monterey dentro de um mês, mais ou menos, quando os cachorrinhos estivessem crescidos o suficiente para se separar da mãe e começar sua nova vida na cidade.
Por mais que tivesse me apaixonado pelos filhotes, eu achava que Sophia estava dando um passo maior do que as pernas com tantas mudanças em tão pouco tempo. Mas, como ela gostava de dizer, às vezes não havia problema em “calar a porra da boca e não encher o cacete do saco” e simplesmente deixar as coisas rolarem. Ainda assim, eu a chamei de psicótica.
– Falando em coisas psicóticas, tentei te ligar ontem à noite pra falar que estava passando Psicose na sessão da madrugada.
– Ah, é? – falei em um tom inocente.
– Te liguei três vezes.
– Eu estava fazendo outra coisa três vezes – contei, de modo a manter a conversa longe do ouvido dos alfas.
– Arrasou – disse Sophia, também de modo a não ser ouvida, enquanto me cumprimentava com um low-five furtivo.
– Toda aquela conversa sobre casamento no jantar de ontem me deixou meio em pânico, fiquei pensando em um monte de coisa. Mas ficou tudo bem. Acho que Yibo está embarcando no bonde do matrimônio.
– Ah, você acha? Que bonde do matrimônio que nada; vem comigo no bonde da certeza absoluta: ele vai te pedir em casamento, vai por mim – ela falou, o que me fez imediatamente levar uma mão sobre sua boca.
– Tudo bem aí atrás? – Yibo perguntou, olhando para mim pelo retrovisor.
– Tudo ótimo, e aí na frente? – eu disse monotonamente.
– Tudo perfeito! O Yibo me deixou escolher a música! – Neil gritou, aumentando o volume do Def Leppard a um nível obsceno.
Alto o bastante, ainda bem, para abafar o que Sophia estava dizendo, mas também alto demais para que eu e ela continuássemos a conversa. Por isso, fizemos o que qualquer ômega adulto faria: passamos para as mensagens de celular.
Falou alto demais a história do bonde, sua prenha…
Menos óbvio do que vc gritar pra ele pedir minha mão.
A gente falou sobre isso ontem à noite. De um jeito mais concreto do que nunca.
Ah, vai, como se não fosse óbvio.
Foi vc que falou de bonde do matrimônio. Eu só mencionei o fato óbvio de que seu homem uma hora vai querer fazer de vc esposo dele. DÃÃÃ.
Foi a primeira vez que a gente não pisou em ovos. A gente meio que pisoteou com força mesmo.
Sim, é emocionante. Mas não tem ninguém com aliança ainda, então baixa a porra da bola.
Eu amo ele.
Patético mesmo. Acho que é melhor a gente começar a conversar de novo... eles vão se perguntar o que a gente tá fazendo aqui atrás.
Mas a gente precisa voltar a conversar mesmo assim.
Não importa, qualquer coisa. Deixa comigo.
Ai, que emocionante!
Ai, para de ser exagerado, é claro que ele vai pedir sua mão.Ele te ama. Tá, já tá ficando patético.
Até parece. Não tá ouvindo os dois cantando? Eles amam essa babaquice dos anos 80. Olha a felicidade deles.
Sobre o quê?
– Ouvi dizer que vão expandir a loja da Vera Wang na Geary, você ficou sabendo?
Como eu te odeio…
(....)
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Amor entre as paredes ( livro II)
FanficA segunda parte do nosso amado Trepador de Paredes!!!!