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Bom dia ♡

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Bom dia ♡

         CAPÍTULO DEZENOVE

Ao que parece, se você não lida com o abacaxi, ele apodrece. Já viu alguém que acabou de morder um abacaxi podre? Então, é a cara que eu estava fazendo. Com mais e mais frequência.
Uma semana tinha se passado, e as coisas estavam caminhando. O Claremont? Quase pronto. A festa de inauguração aconteceria dentro de poucos dias, e Max Camden havia convidado gente de todos os cantos para conhecer a sua mais nova propriedade. Eu tinha trabalhado com a equipe de marketing para garantir que o hotel fosse fotografado por várias revistas de design, e o evento seria coberto por jornais tanto locais quanto regionais.
Nós tínhamos incorporado questões ambientais aos materiais usados na reforma, de modo que este também era um aspecto a ser promovido. Na Califórnia, sustentabilidade é algo levado a sério. Mas o que realmente estava causando furor eram as ações de sustentabilidade fundamentais ao conceito do design, que nos destacavam aos olhos da equipe de Camden. Entre elas, coisas pequenas como os barris de coleta e armazenamento da água pluvial para ser reutilizada na limpeza; as hortas criadas para serem usadas não apenas pelo restaurante do hotel como pela comunidade; o espaço educacional destinado a ensinar alunos do ensino fundamental sobre compostagem.
A minha favorita? O jardim na cobertura que ajudava a reduzir as despesas com aquecimento e resfriamento e, à noite, se transformava num deslumbrante espaço no qual tínhamos planejado exibir filmes sob a luz das estrelas durante o ano todo. Quando o clima permitisse.
A comunidade local vinha reagindo bem ao que já tínhamos criado, e, com a abertura do hotel, a nossa esperança era que o furor continuasse. Com Jillian de volta ao trabalho, eu pude me concentrar novamente na captação de novos projetos e no treinamento de JiLi. O negócio estava a todo vapor; eu inclusive andava mais ocupado do que antes. Tinha até me oferecido para palestrar aos alunos do último ano do curso de design na faculdade em que tinha me formado.
Eu estava esperando Jillian na sua sala; ela tinha marcado uma reunião comigo para planejar a temporada de verão. O que era perfeito, porque queria combinar o meu período de férias.
Eu precisava desesperadamente de uma folga. Sentia como se tivesse passado meses debaixo d’água, por isso esperava poder passar pelo menos uma semana fora. Ainda não tinha conversado com Yibo a respeito; achei melhor esperar para ver como ficariam as coisas com a casa. Talvez eu pudesse virar a mesa em relação ao Rio?
Yibo estava desesperado para virar a mesa, especialmente comigo em cima. Sexualmente, ele estava num estado crítico. Ele necessitava; eu necessitava, porra. Mas O? Filha da putagem do caralho.
Não queria pensar nisso no momento.
Bem, voltemos a Jillian e à reunião. Nós geralmente fechávamos o planejamento de cinco em cinco meses, o que nos conferia espaços no calendário para projetos menores. Nessas reuniões, normalmente trocávamos ideias, concluíamos um plano para destruí-lo logo adiante, tudo isso para nos inspirar e, lógico, para ajustar os orçamentos aos conceitos do design dos quais não abríamos mão. Eu sempre trazia comigo o meu caderno de anotações e um punhado de lápis de cor; eles sempre se provavam úteis.
– Desculpa o atraso, o Benjamin me pegou pra comer – ela disse ao entrar às pressas na sala. Arqueei uma sobrancelha, e Jillian se deu conta do que acabara de dizer.
– Quem me dera! – ela brincou, com um olhar distante. Escrevi MENOS no meu caderno e o levantei.
– Vamos tentar de novo. Fui comer com o Benjamin, e durou mais do que eu pensei… Ah, desisto! – Ela lançou as mãos para cima.
– Enfim, obrigada por ter vindo, Xiao Zhan. Temos que conversar sobre algumas coisas. Coisas bem legais.
Eu me aprumei na cadeira.
– É sobre os Vandertootes? Ouvi falar que eles estavam pensando em modernizar aquele palácio horrendo, mas nunca imaginei que eles levariam a ideia adiante. Por favor, me fala que é sobre os Vandertootes! Eu faria qualquer coisa por esse trabalho!
Agora era eu quem tinha o olhar distante, pensando naquela mansão da virada do século passado. Era o Santo Graal do design em San Francisco. Propriedade de um casal trilhardário e excêntrico, a mansão ocupava quase um quarteirão inteiro e não passava pelas mãos de um designer desde 1977. E eu reclamando do meu papel de parede malva…
Os meus pensamentos se perderam nas infinitas possibilidades, e eu mal escutei Jillian me chamando:
– Xiao Zhan. Planeta Terra chamando. Xiao Zhan!
– Desculpa, estava sonhando com tapetes felpudos. Então, conseguimos os Vandertootes?
– Não, não é sobre os Vandertootes. Vou fazer algumas mudanças por aqui. Mudanças significativas. – Ela se recostou na cadeira. – Eu vou me semi-aposentar.
– Semi… aposentar? – Senti como se o chão tivesse se aberto e fosse me engolir. Comecei a mastigar um lápis colorido.
– Sim. – Ela sorriu. Por que diabos ela estava sorrindo?
–  Ok, eu estou totalmente perdido. Preciso começar a distribuir meu currículo por aí?
– Por quê? Está pensando em me abandonar? – ela perguntou, ainda sorrindo.
– Sério, o que está acontecendo, Jillian? – eu praticamente gritei, soando mais do que ligeiramente louco.
Ela virou o notebook para mim e começou a percorrer as fotos. Ela e Benjamin sob a Torre Eiffel. Benjamin e ela nos Alpes. Em frente ao Castelo de Praga. Em uma gôndola veneziana.
Jillian se deteve na foto de uma esguia casa de cinco andares em uma cidade que parecia ser Amsterdã.
– Está vendo essa casa?
– Sim.
– Nós compramos.
– Vocês vão se mudar?
– Semi-mudar! Daí a semi-aposentadoria.
– Estou semi-confuso. Mentira. Todo confuso mesmo.  Eu me recostei na cadeira. Continuei sem fazer a menor ideia do que estava acontecendo.
– Embora eu ame o que faço, quero mais do que só trabalhar. Essa viagem me mostrou um jeito totalmente diferente de viver, um jeito de viver que eu quero para mim. Nós somos jovens, o Benjamin alcançou uma boa situação financeira, e nós não queremos estar amarrados a nada.
– Pra você isto aqui é estar amarrada? – questionei incrédulo, abarcando em um gesto o seu escritório maravilhoso dentro da sua empresa maravilhosa.
– Nós preferimos passar o tempo vivendo a vida hoje, em vez de ficar esperando pra viver amanhã.
– Você está parecendo aqueles comerciais de barra de cereal – eu resmunguei, me levantando e andando de um lado para o outro.
– O mundo é grande demais pra gente ficar num único lugar!
–  Comercial de remédio para incontinência urinária. O que exatamente significa semi-aposentadoria? – Dei meia-volta e caminhei para o lado oposto da sala.
– Nós vamos ficar metade do ano aqui, metade na Europa. Vamos ter um QG em Amsterdã pra viajar pra onde quisermos, para receber amigos, pra fazer o que der na telha. Talvez eu até abra uma pequena empresa de consultoria por lá.
– E o que vai acontecer aqui?  Passos. Meia-volta. Passos.
– Conversei com meu advogado e meu contador, e bolamos um jeito para que eu continue gerindo as coisas, orientando a distância, e ao mesmo tempo comece a me afastar.
– A distância? Isso nunca vai funcionar! – Passos. Meia-volta. Passos. – Antes de sair pra essa lua de mel, você estava aqui o tempo todo, o dia inteiro! – Passos. Meia-volta. Passos.
– Pelo amor de Deus, você é a Jillian da Jillian Designs! Como você acha que este lugar vai continuar funcionando sem você por metade do ano?
– Você vai ser meu sócio.
– Eu vou ser… o quê? – Passos. Meia-volta. Cara no chão. Ainda bem que eu não estava mais mastigando aquele lápis de cor.
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– Você caiu de cara no chão? Bem no meio do escritório dela?
– Isso mesmo. Caí de boca no tapete.
– Ah, eu sabia que você não estava apenas experimentando na faculdade! – Mimi gritou.
Eu estava no celular com ela enquanto dirigia para casa, ainda atônito com o que tinha acontecido.
– Que engraçado – eu murmurei, fazendo a curva para entrar na minha rua.
– Aí a Jillian me ajudou a levantar e continuou fazendo uma oferta que eu senti que não podia recusar.
– Ou seja: bye-bye, Rio.
–  Por que diabos você cogitaria recusar um convite desses? Fala sério, você não tem nem trinta anos… É uma oferta incrível! Embora a gente esteja bem perto dos três-ponto-zero, já pensou? Graças a Deus, eu vou casar antes, não consigo nem imaginar a hipótese de chegar aos trinta solteira…
– Ei, vamos focar! Nós estamos falando do meu dia. E ninguém falou em recusar. E quem casa antes dos trinta hoje em dia, Mimi? Além do mais, ainda faltam três anos pra eu fazer trinta! E o que é isso parado na minha garagem? – eu gritei, fazendo uma curva aberta antes de enfiar a van bem no meio do…
– Já te ligo.
Desliguei o celular. Porque na minha garagem tinha uma Mercedes conversível branca! Com um laço vermelho em volta. Mas que porra…?
Estacionei a van, percorri rapidamente o passadiço, abri a porta, saltei um cavalete feito um atleta olímpico e entrei como um raio na cozinha. Onde encontrei Yibo, em cima de uma escada. Jeans claro. Sem camiseta. Cinto de ferramentas.
– Hum, o que é aquilo na nossa garagem? – indaguei.
Ele se virou em câmera lenta, e eu me dei conta pela milionésima vez do quanto era maravilhoso. Braços torneados, ombros largos, aquele vale delicioso logo acima do bumbum. E um tanquinho que, quando Yibo estava malhado para valer, virava uma lavanderia inteira. E aquele V em ambos os lados se insinuando para dentro da calça.
– Então, olha que curioso – Yibo começou, descendo da escada e colocando de lado a lixadeira. Ele dava um belo lixador. – Eu estava vendo você sair com aquela van ridícula hoje de manhã e pensei: “Meu namorado precisa de um carro”.
– E aí você decidiu comprar um carro pra mim? – perguntei, confuso. Cérebro não estava gostando muito daquela conversa, mas todas as outras partes do meu corpo estavam se regozijando com a delícia caminhando na minha direção.
Eu não podia permitir que ele me desse um carro, certo? Ooooh, ele estava chegando.
Ele se aproximou devagar, eu recuei. Antes de me dar conta, estava preso contra a parede. Com um Trepador de Paredes descamisado a poucos centímetros de mim.
Que fique registrado: quando eu entrei como um raio em casa, não tinha a menor dúvida do que estava acontecendo. Do que ele obviamente tinha feito. E eu não tinha a menor dúvida de que estava puto da vida.
Lembre-se disso.
Agora, pense no quanto ele devia estar gostoso para me fazer esquecer que eu estava puto da vida.
– Se não gostar da cor, a gente troca – ele disse, agora a um centímetro de mim. Eu sentia o calor do seu corpo começando a penetrar o meu. Penetrar? Sim, por favor!
Não! Ele não podia simplesmente comprar um carro para mim!
– Então, você não pode… é… comprar um… hummm – eu sussurrei, as palavras se tornando confusas conforme ele se inclinava sobre mim. Havia tanta tensão no meu corpo que eu comecei a vibrar feito um diapasão.
– Sim, eu posso comprar um carro pra você. É um presente. Você supera. – Ele franziu o cenho como se não entendesse por que eu estava reclamando daquilo. E, naquele exato momento, eu tampouco saberia dizer.
Eu nunca tinha ficado tanto tempo sem transar com Yibo. Não com ele em casa. Aquilo estava começando a me afetar. E ele era tão cheiroso!
– Mas um carro, Yibo? Eu… uh… que perfume é esse?
– Poliuretano.
– Nossa, deviam fazer um frasco disso – eu murmurei, a voz ligeiramente rouca.
– Eles fazem em lata.
– Combinou com a sua pele.
Ele mergulhou a cabeça e passou a língua pelo meu pescoço.
– Vou lembrar disso – ele sussurrou, enfiando uma mão no meu cabelo.
–  Você fez isso de propósito? A fantasia de pedreiro? O cinto de ferramentas? O tanquinho? A...Puta que pariu! – Eu gemi quando ele pegou a minha mão e a pressionou contra a sua… broca.
– Você chegou cedo hoje – ele explicou, se impelindo contra a minha mão. – Eu gosto quando você chega antes.
– Que sorte a minha. – Eu suspirei e joguei a cabeça para trás. Yibo entendeu o gesto como um sinal verde, porque em poucos segundos a minha camisa tinha sido arrancada; a minha calça, tirada por uma perna só; e as minhas pernas, envoltas no cinto de ferramentas.
– Eu gostava daquela camisa.
– Quer de volta? – Ele deslizou os dedos sob  minha cueca. Já bastante escorregadia, o que o fez gemer ao toque.
– Não muito. – Fiquei maravilhado com a sua força; sempre fiquei. A ideia de literalmente trepar na parede sempre me parecera impossível. Até Yibo surgir. Ele era forte sem ser marombado. E conseguia me carregar como se o meu corpo não pesasse nada, o que não era o caso, definitivamente.
– E dessa, você gosta? – ele perguntou, puxando o cós.
– Adivinha.
Foi-se.
E lá fomos nós.
Na escada, onde Yibo me fez desfilar à sua frente. No chão, metade no corredor, metade no quarto. No assento da janela, com a baía ao fundo.
Na beirada do colchão inflável, Yibo me penetrou com particular força, fazendo o colchão voar em pedaços à nossa volta.
Quando eu subi nele, ajeitando-o dentro de mim, profundo e grosso e pesado e, oh, tão profundo, o meu orgasmo disparou através de mim, rompendo atrás das minhas pálpebras, formigando pela minha pele, fazendo cada pedacinho de mim retumbar, e Yibo sorrir.
– Aí está meu ômega.
Explodi de novo e de novo, os nossos corpos encharcados, brilhando de suor conforme eu o cavalgava forte e rápido, a sua voz grunhindo o próprio clímax. Escorreguei sobre ele, ofegando intensamente. Ele aproximou o rosto do meu, me beijou com vontade e, antes de apoiar a minha cabeça no seu peito, me olhou fundo nos olhos e disse:
– Não me evite nunca mais, ouviu? Ele sabia.
Eu retribuí o beijo.
– Prometo.
Ele ainda estava vestindo o cinto de ferramentas.

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Uma hora mais tarde, estávamos na cozinha preparando mais um jantar de micro-ondas. Os aparelhos abacate tinham ido embora, porém os novos ainda não haviam chegado. Então, todas as refeições estavam sendo preparadas no micro-ondas e comidas sobre a mesma caixa coberta por lona.
– Empada ou bife Salisbury?
– Salisbury? Estamos em 1979, por acaso? – eu perguntei enquanto Yibo erguia duas caixas.
– Não fala mal do bife, é o melhor! Minha mãe sempre fazia pra mim antes dos treinos de futebol. Meu pai reclamava, mas no fundo ele adorava comida congelada – Yibo contou, ligando o micro-ondas na tomada. O aparelho mudava de lugar diariamente.
– Empada, então. Não quero me meter entre você e o seu bife.  Servi vinho em um copo plástico. Observei Yibo se movendo pela cozinha; ultimamente ele falava dos pais e da infância com muito mais naturalidade. Aquele reencontro realmente tinha provocado mudanças. Yibo finalmente tinha criado uma conta no Facebook e vinha mantendo contato com a gangue quase diariamente.
Embora eu tivesse acabado de liberar boa parte da minha tensão no andar de cima, ela ameaçou voltar naquele instante.
– Então, aconteceu uma coisa meio épica hoje – eu soltei, olhando para os meus dedos dos pés.
– Meio épica? – Ele riu, removendo a embalagem de plástico e metendo o nosso jantar no micro-ondas.
Vasculhei a nossa gaveta de talheres (leia-se: uma sacola de plástico) à procura de garfos.
– Hum, muito épica. Você sabia que a Jillian e o Benjamin compraram uma casa em Amsterdã? – Eu o observei meticulosamente.
– Sério? Que ótimo! Ele comentou alguma coisa, mas eu não sabia que tinham comprado mesmo.
– O Benjamin comenta com você uma coisa dessa magnitude, e você não me fala nada? – eu perguntei, incrédulo.
– Qual é o problema?
– O problema é que a Jillian está se “semi-aposentando” – eu soltei, gesticulando as aspas com tanta raiva que quase tive câimbra nos dedos. – E ela me convidou pra virar sócio.
– Uau! O que isso significa?
– Ainda não sei. Falamos sobre isso pela primeira vez hoje, eu não sei os detalhes. – Contei a Yibo os detalhes que eu sabia: Jillian passaria seis meses ausente durante o ano, ou seja, eu provavelmente passaria seis meses ausente durante a ausência dela.
Nós nos sentamos de frente um para o outro, com os nossos jantares.
– Bem, com certeza é uma grande oportunidade pra você. Parabéns.
Não consegui identificar o que ele deixou de dizer.
– Obrigado…? – falei em tom de pergunta.
– É um grande passo. Estou orgulhoso de você – Yibo acrescentou, fincando o garfo no seu bife. Ele não olhava para mim.
– O que foi, Yibo?
–  É que… você tem trabalhado tanto. Eu pensei que as coisas iam ficar um pouco mais calmas pra você a partir de agora.
Yibo simplesmente disse tudo o que eu estava pensando, mas me incomodou ouvir aquilo vindo de outra pessoa. Enrolei o guardanapo no punho.
– Eu não podia recusar uma oportunidade tão grande assim. Ninguém ganha uma chance como essa na minha idade! E eu amo o meu trabalho… Como eu poderia dizer não?
– Mastiguei com raiva a empada.
– Quanto ao fato de não nos vermos com tanta frequência, sempre foi mais ou menos assim, certo? A gente está acostumado. Quer dizer, a gente costumava estar acostumado… Você passava mais tempo fora do que o contrário – eu apontei enfaticamente.
– Mas agora eu estou em casa – Yibo retrucou com a mesma ênfase.
Senti vontade de gritar: “Mas ninguém te pediu!”. E no segundo seguinte fiquei horrorizado por sequer ter pensado algo assim. Quem diabos reclama de algo assim quando tem um namorado tão incrível quanto Yibo? Para exemplificar: o cinto de ferramentas e os orgasmos múltiplos que eu tinha acabado de ter.
Mas eu não disse nada sobre isso. Não, eu decidi descascar outro abacaxi.
– Além do mais, vai ser incrível do ponto de vista financeiro.
– Nós temos bastante dinhe…
– Você tem bastante dinheiro… não eu! Há uma diferença.
– Eu apontei o garfo para ele. – Falando nisso, precisamos conversar sobre o carro estacionado lá fora. Antes que a sua mão apareça na minha cueca de novo.
– O que tem o carro? Você não gostou? – Yibo realmente não estava entendendo.
– Eu adorei o carro. Como poderia não adorar? Mas você não pode simplesmente comprar um carro pra mim.
–  Acho que já comprei.
– Eu sei, e foi muito fofo. E gentil. E caro, e eu não preciso dele. – Me levantei para jogar fora o resto da empada.
– Xiao Zhan, você adorou o carro da Jillian! Não diga que não.
– A questão não é essa, Yibo. A questão é você ter comprado um carro pra mim.
– Droga, eu queria estar lá fora quando você chegou. Eu tinha planejado tudo, e acho que se você…
– Yibo, tem um carro novinho em folha lá fora com um laço vermelho! Eu entendi o que você estava tentando fazer. É incrivelmente fofo, mas é demais! – Me recostei na cadeira, aturdido. Será que exagerei?
– Eu não entendo. – Ele suspirou, levantando-se e jogando o resto de comida na lixeira. Quando se virou para mim, percebi a total confusão nos seus olhos.
– Quando eu tinha treze anos, meu pai comprou um carro de presente pra minha mãe. Ela chegou do supermercado, e lá estava. Com laço vermelho e tudo. E ela disse as mesmas coisas que você está dizendo. “É demais”, “você não deveria ter feito isso”, as mesmas coisas. E meu pai a beijou, colocou a chave na mão dela e disse: “Vamos dar uma volta de carro”. E foi isso. Ela se rendeu. – Ele se apoiou em um cavalete e passou as mãos pelo cabelo. – Sabe por quê? Porque ela sabia o quanto aquilo significava pra ele. Tudo o que ele fazia era pra fazê-la feliz. – A sua voz foi se tornando rouca e hesitante.
Os olhos castanhos estavam enormes, e a mandíbula estava cerrada. Yibo pigarreou. Duas vezes. Depois engoliu em seco. Merda.
– Bem, faça o que você quiser, se quiser devolver… Eu só queria fazer algo bacana por você, porque eu podia e pronto. – A sua voz vacilou um pouco, e eu não podia mais suportar.
Eu o puxei para perto e envolvi aqueles braços musculosos ao meu redor. E o abracei com força. Um minuto depois, senti ele me abraçar de volta. Bom garoto.
Qual era o meu problema, cara? Inventando uma briga com a minha pessoa preferida no mundo todo?
Me afastei um tico e levei as mãos às suas bochechas. Beijei cada uma delas, depois as pálpebras. Os meus lábios retornaram com o mais leve toque de umidade. Eu me contorci por dentro, mas tudo o que Yibo via era o meu sorriso.
Eu me afastei dele e comecei a vestir o casaco.
– Vai sair? – ele perguntou.
– Sim, e você também. – Eu lhe entreguei o seu casaco.
– Vamos dar uma volta de carro.
Não há nada neste mundo que se compare ao sorriso do Trepador de Paredes. Eu sempre me derreto.
Quando estávamos prestes a sair, ouvi o barulho incriminatório de vidro. Correndo, Yibo chegou antes de mim à sala de jantar e agarrou Clive, que já tinha metade do corpo para fora do enferrujado batente da janela. Eu conferi se Clive estava bem e fechei a janela.
– Eu fico com o carro se você arrumar essa maldita janela – falei, apontando um dedo para Yibo, que assentiu. Depois, apontei para Clive. – E você, mocinho, se fizer isso de novo, vai direto pra clínica de reabilitação de viciados em erva-dos-gatos!
Clive revirou os olhos para mim.
Yibo e eu então saímos para um passeio no meu novo conversível, que, preciso admitir, era demais. Ah, as coisas que a gente faz por amor…
Era tarde, mais de três da manhã. Deitados no escuro, estávamos conversando havia horas. Depois que desembuchei, eu não conseguia parar de falar tudo para ele.
–  E agora essa coisa no trabalho… Eu jamais poderia recusar uma oferta dessas. É uma oportunidade sensacional. Se eu decidisse fazer isso do zero, você tem ideia do tempo que levaria pra tentar erguer o meu próprio negócio? Não basta ser um bom designer de interiores; tem pessoas muito talentosas que tentam e não conseguem por “n” motivos.
Ele assentiu e se virou de lado para ficar mais perto de mim enquanto eu não calava boca.
– Ser convidado pra praticamente comandar as coisas? – eu continuei. – Permanentemente? É fantástico! Você não faz ideia de como eu me sinto por saber que Jillian confia e acredita em mim a esse ponto. O trabalho vai aumentar, claro, mas eu dou conta. Seria loucura recusar, não acha?
Ele apenas mostrou os dentes. Não era bobo de responder a essa pergunta.
– E esta casa… é literalmente um sonho realizado. Quer dizer, vai ser quando a reforma terminar. Mas, porra, é demais! Encarar uma reforma como esta é um pé no saco! E eu sei que não tem sido fácil pra você também, que passa o dia convivendo com isso. Mas vai valer a pena. Este lugar vai ficar lindo. – Eu suspirei, deitando de costas e me aninhando mais nele.
Eu queria falar sobre outras coisas, sobre os abacaxis maiores, mas não conseguia. Dizê-los em voz alta, ainda mais dentro desta casa, seria como admitir que eu tinha um problema. E não me venha com aquela baboseira de “o primeiro passo é admitir que você tem um problema”, mas…
Na verdade, talvez fosse exatamente o que eu precisava fazer. Talvez eu precisasse colocar para fora o problema maior – aquele tão cabeludo, que eu estava evitando até em pensamento. Qual era o meu problema?
Nós nos conhecemos em circunstâncias nada convencionais. Nós nos apaixonamos da maneira menos convencional possível. A primeira vez que fizemos amor? Convencional. Não rolou. A primeira vez que fodemos? Totalmente atípica, com farinha e uvas-passas para todo lado. Eu vi estrelas, cara!
E por um ano vivemos de um jeito não convencional. Ele fora, eu aqui. Viajamos juntos quando deu, conhecendo lugares e fazendo coisas que eu jamais imaginei. Eu não precisava de conchinha toda noite; gostava de ter a cama só para mim de vez em sempre. A gente se divertia, a gente se amava, a gente se comia. E funcionava.
Agora, nós estávamos nos aproximando de uma relação mais convencional, que vinha com algo maravilhoso, eu não tinha dúvida. Mas que também era meio… muito… cocô. Eu não sabia o que era. Só sabia que precisava botar para fora.
Uma vez, eu fui arrebanhado – muito delicadamente, mas ainda assim arrebanhado – numa relação convencional. Eu não queria aquilo. Então, em algum momento, eu teria que descascar esse abacaxi.
– Que fique só entre nós, ok? – eu falei, coçando o queixo dele.
Clive soltou um miado baixinho e apontou a cabeça para a escada. Eu o peguei e o levei de volta para a cama, onde Yibo dormia ruidosamente no que havia restado do colchão inflável.

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Amor entre as paredes ( livro II)Onde histórias criam vida. Descubra agora