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CAPÍTULO VINTE E DOIS

No saguão do Claremont, os meus olhos absorveram cada detalhe: o balcão de check-in feito inteiramente de madeira reaproveitada. O piso de mármore original restaurado, encerado e reluzente. A instalação de arte substituta. E a vista para a baía com o sol lançando os últimos feixes de luz sobre a água, fazendo tudo cintilar.
Havia aquela agitação de atividades de última hora: garçons corriam de um lado para o outro; torres de champanhe começavam a manar; os primeiros convidados, a chegar. Conferi tudo uma última vez, dei o meu aval e tentei virar a chave do modo Trabalho para o modo Curtição. Era hora de dançar até gastar a sola no chão de mármore.
Esse projeto tinha sido descomunal, estressante, indutor de fios brancos até, mas também o mais gratificante, o mais frutífero e o melhor exemplo da minha capacidade. E eu tinha feito tudo sozinho. Isso significava muita coisa.
E, naquele exato momento, significava que eu devia pegar uma taça de champanhe, brindar a mim mesmo e… Puta merda, Max Camden chegou!
Ajeitei o terno, respirei fundo e desci os degraus para saudá-lo.
– Senhor Camden, boa noite.
–  Boa noite, Xiao Zhan. Pronto para exibir o nosso pequeno hotel? – ele perguntou, me cumprimentando com um aperto de mão. – Achei melhor chegar mais cedo e dar uma última volta pelo espaço antes que comece a agitação.
– Ótima ideia. Gostaria de uma companhia?
– Não, obrigado. Sempre faço isso sozinho antes de inaugurar uma propriedade. Assim eu absorvo um pouco do lugar.
– Claro – disse, e ele atravessou a área da recepção e percorreu um dos corredores. É sempre um tanto difícil entregar um projeto que se completou. Mas esse trabalho tinha terminado. Qual seria o próximo?
– Xiao Zhan – escutei alguém me chamar.
Olhei para trás e vi Jillian, acompanhada de Benjamin. Eu a cumprimentei com um beijo em cada bochecha.
– Vou vomitar. Acho que é normal, né? – eu falei.
– Perfeitamente! Eu estaria preocupada se você não quisesse vomitar. Depois me lembra de contar sobre a primeira vez que dei uma festa como esta. Adianto apenas que eu nunca mais usei um réchaud.
Contive uma risada e então me virei para Benjamin.
– Oi, Benjamin! – Fiquei corado quando ele se inclinou para que eu desse um beijo em cada uma das suas bochechas.
Ai, ele é lindo demais.
– Xiao Zhan, você está lindo como sempre.
– Ei, amor, por que você está vermelho?
Eu me virei e admirei Yibo. Terno cinza-carvão, gravata-borboleta, mandíbula e maçã do rosto maravilhosas. E um sorriso provocador, claro: ele sabia que eu me comporto como um adolescente quando estou perto de Benjamin.
– Nem começa – eu falei, e os seus braços fortes me envolveram. Dei um beijo no seu nariz, e os olhos de Yibo dançaram pelo lugar.
– Eu tenho direito a um tour particular?
–  Semi Particular. Quero esperar as meninas e o Ryan. E então vou levar todos vocês para uma volta, apresentar o lugar.
– Pelo que vejo, está fantástico. Estou ansioso pra ver o resto. – Ele pegou a minha mão e a apertou.
– Estou orgulhoso de você.
Fiquei radiante.
Depois, fiquei de anfitrião. Os convidados começaram a chegar em maior número, os fotógrafos, a perambular, e eu precisava garantir que tudo corresse perfeitamente. Acenei para Mimi e Ryan quando eles chegaram e, quando Sophia surgiu alguns minutos depois, aproveitei para dar um gole no champanhe e um tapa na bunda dela. Não aguentei; Sophia estava incrível!
Todos os meus amigos estavam presentes, e, quando Max Camden propôs um brinde à Jillian Designs e, mais especificamente, ao ômega aqui, fiquei contente por ter todos eles comemorando comigo. Era uma grande ocasião e, em grandes ocasiões, nós queremos as pessoas que amamos ao nosso lado.
A noite foi perfeita e agradável, e, entre conversas com os diferentes jornais e poses para os fotógrafos, falei com muitos empresários locais, os quais ficaram encantados ao descobrir que eu também era uma local agora. A sensação de começar a pertencer a uma comunidade tão familiar quanto Sausalito era muito boa. Eu adorava essa cidade praiana e me via morando ali por muitos anos.
Ri com os meus amigos, tomei mais do que uma taça de champanhe e já estava prestes a considerar a noite um sucesso. Até que, enquanto eu conversava com o prefeito sobre o quanto o hotel tinha ficado bonito e sobre as altas expectativas que o novo negócio geraria, avistei um certo comentarista esportivo entrar no saguão, vasculhá-lo em busca de ruivas de pernas longas e cravar os olhos na mais gostosa violoncelista da Costa Oeste. Continuando o papo ao mesmo tempo que tentava me comunicar com Mimi telepaticamente (podia funcionar, ué), vi que Sophia e Neil se encontraram no meio do saguão. E começaram a discutir. Alto.
Pedi licença ao prefeito e me dirigi rapidamente ao saguão lotado, onde um barraco estava acontecendo.
– Não estou acreditando. Parece que estou falando com uma parede!
– Eu não estou acreditando que você ainda não entendeu que nunca mais vai encostar nesta parede!
– Parece que estou discutindo com uma criança.
– A mesma criança que te ligou e foi obrigada a ouvir uma sirigaita atender a ligação?
– Minha mãe não é sirigaita!
– Ah, fala sério, você está querendo que eu acredite que era a sua mãe no telefone?
– Por que você acha que eu tentei te ligar de volta?
– Não me interessa. Eu te odeio!
– Chega! – eu chiei e agarrei os dois pelo cotovelo. Levei Traída e Traidor para trás da mesa de petit fours, coloquei um de frente para o outro e desembuchei: – Já chega. Estou cansado de vocês dois brigando. É simplesmente ridículo. Não quero saber de briga aqui, não quero saber de briga agora, não quero saber de briga nunca mais! Nós somos amigos e vamos continuar sendo amigos, e já deu dos dois idiotas aqui pentelhando a vida de todo mundo! Já deu, entenderam? Os dois!
Quando me virei para me afastar, escutei Neil dizendo:
– Afe, ele não precisava gritar com a gente…
O que foi acompanhado da seguinte observação por parte de Sophia:
– Né?!
Vi Mimi abrindo caminho até a mesa de petit fours e falei para ela não se meter – chega de intromissão! Ela resmungou um pouco, mas esqueceu o assunto assim que Ryan a convidou para dançar.
Todos estavam dançando. Tínhamos contratado uma big band para tocar no evento – músicas antigas e atuais. E, enquanto bebericava o meu champanhe no meio do hotel maravilhoso cujo design eu concebera, senti uma mão no meu ombro. Era ele. A minha pele não mente.
– Glenn Miller? – perguntei, me virando para trás.
– Pode ser que tenha sido um pedido meu. – Ele sorriu. “Moonlight Serenade” preencheu a pista de dança, e eu me deixei ser arrebatado pelo meu Trepador de Paredes. Ele me puxou para perto, e, quando a luz da lua adentrou o salão através das janelas abertas, eu suspirei nos braços dele. Feliz.
Até que JiLi cutucou o meu ombro e disse que tínhamos um problema.
Pedindo licença a Yibo, acompanhei o meu estagiário até os fundos da recepção. O rosto de JiLi era um pimentão cheio de constrangimento conforme ele balbuciava e gaguejava e tentava me contar o que estava acontecendo. A única coisa que eu entendi foi “closet onde estão os casacos dos convidados”.
– O quê? Está cheio? A gente pode usar um dos quartos de hóspedes do térreo. Pede pro pessoal do serviço de limpeza trazer… Oh!
Eu tinha aberto a porta do closet e visto algo que nunca mais seria capaz de esquecer. Gravada na minha retina, estava a imagem de Neil e Sophia sobre uma pilha de casacos de pele. Fazendo… bem, você sabe.
– Isso! Isso! Isso! – Sophia gritava.
Também pudera: Neil estava… Hum, como eu posso explicar?
Você já viu um cavalo Clydesdale? Como eu disse, impossível esquecer.
Quis o destino que eles “terminassem” enquanto eu estava imóvel ali, o meu queixo no chão, ao lado do paletó dele e das roupas íntimas dela. Dei um passo para trás, bati a porta e, enquanto eles curtiam os benefícios do sexo para a pele, instruí JiLi a manter os convidados longe por pelo menos cinco minutos. E  a  enviar  qualquer  eventual  despesa  com  limpeza diretamente aos cuidados de Neil, na NBC.
Duas semanas depois, Yibo estava de volta à estrada. Camboja. Para uma série sobre cidades secretas e templos escondidos, enterrados por séculos de reivindicação selvagem da floresta pela terra. As fotos que ele me enviava eram assustadoras, instigantes e lindas.
Eu continuava atolado. Depois da abertura do Claremont, terminei os últimos projetos em andamento, trabalhei com Jillian em algumas das novas rotinas do escritório e depois decidi tirar uns dias para descansar e relaxar. Na realidade, para dar uns retoques na casa. Eu queria fazer uma surpresa para Yibo e deixar tudo pronto para quando ele voltasse. Jillian passou em casa para me ajudar.
A princípio, eu estava relutante em comprar tanta mobília nova, mas Yibo tinha insistido:
– Deixa tudo do jeito que você quer, que eu vou amar. É só dinheiro, Xiao Zhan.
Alguém que diz uma coisa dessas só pode ter uma bolada. Eu tinha visto alguns números nos extratos bancários quando Yibo comprou a casa e, mãe de Deus, era uma bolada grande.
Bolada Grande: que excelente nome para uma banda. Assim, segui a orientação de Yibo. Me preocupei em casar o meu estilo com o dele, sem deixar de valorizar a beleza original da casa. Inspirado pela paisagem natural dos arredores, escolhi uma paleta de cores baseada na montanha, especialmente para a sala de estar. Manteiga, bronze brunido, tons de verde esmaecido e detalhes de solidago tornavam a casa aconchegante. Mais aconchegante ainda graças à alta lareira de pedra, onde o fogo crepitava alegremente, que era emoldurada por estantes embutidas e com portas de vidro chumbado, recheadas com as nossas coleções de livros. Perto da janela que dava para a baía, ficava o telescópio pelo qual eu conseguia ver San Francisco.
Garoto descabelado no penhasco com uma tangerina enfeitava a cornija de madeira original, que reluzia em dourado após ter sido bastante esfregada com óleo. Yibo adorava essa fotografia, em que eu estava visivelmente envergonhado por ser clicado, os lábios e o queixo babados de suco de tangerina, descabelado pelo vento espanhol. Essa era a sua foto preferida, e ele tinha insistido para que ficasse em algum lugar no andar de baixo.
Em uma parede, tinha uma prateleira longa e fina, recheada com as garrafas de areia que Yibo colecionava e, abaixo dela, uma prateleira menor com garrafas das nossas viagens juntos. Tahoe, Nerja, Baía de Halong, elas se agrupavam para contar o início da nossa história, com muito espaço para os próximos capítulos.
Na cozinha, onde o mármore brilhava e os balcões foram posicionados numa altura muito específica, vasos de alecrim, salsa e tomilho se assentavam alegremente no peitoril da janela, recebendo a luz do amanhecer. O meu forno duplo se destacava majestosamente, pronto para assar biscoitos e tortas e pães de abobrinha até que Yibo pedisse penico. Ou seja… para sempre.
Em um lugar de honra, sobre uma pedra de mármore feita exclusivamente para ela, estava a minha KitchenAid. Aço inoxidável. Fria ao toque e construída à perfeição. Se havia uma luminária instalada exatamente acima dela para transformá-la em um farol de esperança e bondade a se espalhar pela nação? Pode apostar o seu popô delícia que sim!
E, numa prateleira solitária instalada bem no centro da parede, alinhava-se uma coleção dos livros de receitas da Condessa Descalça – em ordem cronológica, claro. E, por um golpe de sorte, na folha de rosto de cada um estava escrito: “Para Xiao Zhan. Com carinho, Ina”.
Paul, chefe de Ashley, amiga de Zanjin, esposo de Haiukan, amigo de Yibo, conseguiu o autógrafo para mim no Food Network. E ninguém tinha permissão para tocar naqueles livros senão eu.
Jillian e eu caminhamos pela casa, ajustando coisinhas aqui e ali. Afofando uma almofada. Ajeitando um vaso. Na sala de estar, eu me detive para exibir a peça final. Joguei a manta afegã de Yibo (sob a qual eu e ele tínhamos passado uma noite monumental tentando nos proteger do horror de O exorcista) por cima do luxuoso sofá cor de chocolate. Jillian fitou a peça com curiosidade, com certeza se perguntando por que uma manta retrô laranja e verde-ervilha seria o ponto focal em um cômodo como este. Olhei para a paleta de cores ao redor, criada por mim, a manta harmonizando-a, e disse:
– Era da mãe dele.
Jillian assentiu, e, por um instante, nós apenas ficamos ali, absorvendo o cenário. Estava pronto e estava meio que perfeito.
– Está ótimo, Zhan! Muito lindo.
– Obrigado. – Eu suspirei, me permitindo realmente sentir a casa e tudo o que ela passara a significar.
– Quando o Yibo volta? – ela perguntou conforme voltávamos para a cozinha.
– Na sexta à noite. Estou feliz por ter conseguido terminar antes. Café?
Ela fez que sim com a cabeça e pegou o creme na geladeira enquanto eu servia a bebida.
– Vocês dois querem jantar lá em casa no domingo?
– Que engraçado, eu ia perguntar se vocês não queriam jantar aqui! Ser nossos primeiros convidados?
– Combinado. – Ela abriu um sorriso.
Nós nos sentamos de frente um para o outro na ilha, e, quando Jillian adoçou a sua xícara, eu a observei cuidadosamente. Precisava conversar com ela – e estava torcendo para que o jantar continuasse de pé depois que eu dissesse o que tinha para dizer.
– Jillian, preciso conversar com você sobre uma coisa.
–  Hum?
– Sobre a nossa sociedade. Ela sorriu um sorriso triste.
– Você não vai topar, né?
– Como você sabia? – perguntei, atônita.
– Palpite. Me fala por quê.
– Não estou recusando, mas tenho uma proposta.
– Estou ouvindo.
E ela ouviu. Botei para fora tudo o que eu vinha sentindo em relação ao meu cargo, ao meu desempenho e ao meu papel dentro da empresa. Na essência, eu era puramente um designer. Tinha curtido cuidar das tarefas administrativas na ausência de Jillian, mas, para mim, bastava saber que eu era capaz de fazer essas coisas e fazê-las bem.
Eu não queria ter de fazê-las de fato. E, embora soubesse estar recusando a oportunidade da minha vida, eu precisava ser forte o bastante para dizer não. E aqui vem a parte importante. Recusar o trabalho era, honestamente, a única coisa que eu podia fazer. Eu gostava da minha vida e, principalmente, eu gostava da minha qualidade de vida.
Não era como se eu tivesse um homem exigindo que eu servisse o jantar às seis da tarde, cinco dias por semana. Eu simplesmente queria preparar o jantar para Yibo às vezes, sem ter de trabalhar doze horas no dia anterior para poder fazer isso. Tampouco havia alguém me dizendo que eu não podia ter tudo ao mesmo tempo. Era eu mesmo quem estava dizendo que não, meu Deus, eu não podia ter tudo – e por que eu desejaria ter tudo?
Eu tinha a vida que queria. E não tinha medo de dizer não a algo além.
Mas, ainda assim, eu queria uma fatia maior daquele bolo. Foi então que tive a coragem de dizer a Jillian “eis a minha proposta”, que era incrivelmente simples. Eu assumiria um cargo de supervisão dentro da empresa, especialmente quando Jillian estivesse viajando. Continuaria responsável por JiLi, por contratar novos estagiários e seria o ponto focal em todos os novos negócios. Manteria os meus clientes atuais, cuidaria de alguns clientes de Jillian e seria responsável por captar novos clientes. E, se Jillian consentisse, nós contrataríamos um gerente para executar as tarefas do dia a dia. Claro, haveria longos dias de corrida contra o prazo, mas nada de trabalhar aos domingos! Nada de ir embora do escritório depois das nove da noite.
Caso eu mudasse de ideia, haveria tempo de sobra para que eu assumisse o meu próprio show futuramente. Por ora, isso era exatamente o que eu queria fazer.
– Nossa, você pensou em tudo, hein? – Jillian comentou, virando a página da minha proposta, a qual tinha preparado com gráficos e planilhas e guardado numa pasta escondida atrás do pote de biscoitos até que eu estivesse pronto para encarar aquilo.
– Tem certeza?
– Sim. É o que eu quero, desde que você concorde. – Prendi a respiração.
Jillian fez uma pausa tão longa que eu precisei soltar o ar e prendê-lo de novo. Essas estrelinhas sempre existiram na cozinha?
– Ok, Xiao Zhan… Acho que pode dar certo. Preciso mostrar isso pro contador, mas não vejo motivo para não dar certo – ela afirmou por fim.
Finalmente soltei a respiração. As estrelinhas sumiram.
Sexta-feira à noite, oito e cinquenta e sete. Estava preparando as coisas na cozinha. Yibo tinha me mandado uma mensagem quando o seu avião aterrissou; ele estava voltando do Aeroporto de San Francisco. Tinha voado por horas, e eu sabia que estaria exausto. Mas queria que a sua chegada fosse especial.
Enquanto fazia uma última inspeção no andar de baixo para me certificar de que tudo estava no lugar e brilhando de tão limpo, me detive na sala de jantar. Mais especificamente, na janela hermeticamente fechada. Eu estremecia toda vez que olhava para ela e para o largo peitoril que Clive mal teve a chance de curtir.
O barulho da chave na porta da frente me tirou do transe, e eu corri para a cozinha.
– Amor? Cheguei! Ei, quando você… Uau – ouvi ele dizer quando reparou no ambiente.
Quando Yibo partira, dez dias atrás, o caos ainda imperava. Agora já era possível ver o fim da reforma. A casa não estava totalmente pronta, mas estava completa. E tranquila. E tomado pelo aroma de sopa. Ouvi os seus passos em direção à cozinha e, diante do fogão, me virei para encontrar o seu olhar. Vestido com o avental preferido dele – sobre roupas desta vez, que fique claro –, sorri para o meu doce Yibo. Mesmo exausto e amarrotado da viagem, ele era o homem mais lindo que eu já tinha visto. Os olhos castanhos penetrantes brilhavam para mim; Yibo adorava me ver de avental.
– Tudo está… nem sei dizer, está tão… – Encolhendo os ombros, ele riu. – Não tenho palavras. Está perfeito, amor!
– É porque você ainda não viu a fatura. Está com fome? – eu perguntei, servindo uma tigela com sopa de galinha feita com caldo encorpado, macarrão e legumes.
Yibo farejou o ar, e eu sufoquei uma risada ao vê-lo caminhar até a copa, onde uma mesa posta para dois nos aguardava. Ele se sentou e, assim que coloquei a tigela à sua frente, me puxou para o seu colo.
– Parece que você andou ocupado – murmurou.
Senti a sua mandíbula  na lateral do meu pescoço, e a minha pele reagiu imediatamente.
–  Eu queria deixar tudo especial pra você. – Me aproximei da sua orelha. – Bem-vindo ao lar, senhor Wang.
Ele me abraçou com força; tomou a sopa e bebeu o suco com uma mão só, sem querer me soltar. Nós conversamos confortavelmente sobre tudo e sobre nada. Depois, ele tomou banho enquanto eu limpava as coisas.
Após explorar todos os cômodos nos quais eu tinha dado os meus toques finais, fomos para o nosso quarto. Falamos sobre os planos para o fim de semana enquanto ele secava o cabelo com a toalha, e eu o admirei enquanto ele caminhava pelo quarto vestido apenas com a calça do pijama. A melhor coisa de todas.
– A Jillian e o Benjamin vão vir jantar no domingo, tudo bem? – eu comentei.
Ele puxou a colcha do seu lado da cama.
– Claro. O resto do pessoal vem também?
– A Mimi e o Ryan estão na casa dos pais dela, em Mendocino, e Sophia e Neil ainda não se desagarraram. – Eu sorri enquanto afofávamos o edredom ao pé da cama.
Sophia e Neil tinham voltado com tudo. Os dois mal tinham saído da cama desde então.
Yibo e eu ajeitamos os travesseiros e as cobertas, e eu suspirei diante dos lençóis. Algodão egípcio, milhões de fios, reluzentes de tão brancos!
– Por falar em Mendocino, você não vai acreditar em quem me ligou. Lembra da Meng Ziyi?
– Meia arrastão e tatuagens? Aquela do reencontro?
– Ela mesma! Talvez ela se mude pra cá, pra Mendocino.
– Sério? Que ótimo. Achei que ela estava bem estabelecida na sua… empresa de segurança da internet? – perguntei, gesticulando para que ele me jogasse os travesseiros. Eu tinha um jeito especial de empilhá-los na poltrona.
–  Software de segurança, amor. Ela desenvolve software de segurança para empresas. Não sei o que ela vai fazer, ela ainda está decidindo. Uma tia-avó dela morreu, e parece que a Ziyi herdou uma casa na praia. Não sei os detalhes… Mas talvez ela se mude pra essa casa.
– Isso seria demais! – A bela morena era uma figura, porra-louca e fofa ao mesmo tempo; ela tinha mantido Yibo na linha, um bom motivo para eu gostar dela.
– Falei pra ela avisar a gente quando decidisse. Ela não conhece ninguém por aqui, a gente pode dar uma força – Yibo comentou, jogando para mim o último travesseiro.
– Ops, não joga este! – Eu coloquei o travesseiro delicadamente sobre os demais. – Claro! Me avisa quando ela decidir.
– É só um travesseiro, relaxa.
– Se você soubesse quanto eu paguei neste travesseiro, pensaria duas vezes antes de jogá-lo!
– Acho que eu também não quero saber o quanto esta aqui me custou, certo? – Ele apontou a cabeça na direção da cama.
Uma cama só nossa, sem antecedentes alheios. A California King era larga o bastante para acomodar tanto o ronco de Yibo quanto a minha inquietação noturna. Era simples e elegante, com uma enorme cabeceira acolchoada.
– Eu acho que você tem que me deixar fazer as coisas do meu jeito e parar de fazer perguntas – brinquei, engatinhando na cama, o baby-doll cor-de-rosa roçando a minha pele do jeito certo.
– Eu gosto quando você faz as coisas do seu jeito, principalmente quando me deixa assistir – Yibo sussurrou, erguendo uma sobrancelha quando eu me virei e o babado ficou à mostra. Ele pressionou o corpo contra o meu, a pele quente por conta do banho me esquentando tanto quanto as suas palavras.
– Hoje, eu prefiro que você me toque. Com as mãos. E com a boca – instruí, me posicionando em cima dele. Eu tinha posicionado a cama de modo que, quando estivéssemos aninhados, víssemos as luzes cintilando sobre a baía.
– Olhe essa vista.
–  Que vista – Yibo sussurrou, espiando por baixo do baby-doll.
Quando me dei por conta, ele já tinha tirado a minha cueca.
E, com a cueca fora do caminho e o baby-doll cor-de- rosa levantado sobre a minha pele, Yibo não deixou dúvidas quanto à sua intenção.
E pergunta se ele não encontrou um jeito de bater esta cabeceira…
Tum.
– Cuidado… Ai, meu Deus… A pintura nova… Ai, Deus…
Tum.
– Você quer que eu tome… Nossa, Xiao Zhan… Cuidado? Tum, tum.
– Talvez… Só um… pouquinho… Ai, meu Deus… Yibo!
– Esse é o meu Garoto do Baby-Doll Cor-de-Rosa.
Tum, tum, tum.
– Yibo?
– Hum?
– Está acordado?
– Huh-uh.
– Só queria dizer que te amo.
– Hum.
– Xiao Zhan?
– Hum?
– Eu também te amo.
– Hummm.
– Xiao Zhan?
– Hum?
– Quer brincar um pouquinho?
– Se eu disser não, o que vai acontecer?
– Eu vou ficar deitado do seu lado pensando sacanagem.
– Sacanagem comigo?
–  Sempre!
– Sério?
– Você é literalmente o ômega das minhas fantasias.
– Ok, a coisa está começando a esquentar aqui…
– E, por falar em esquentar…
– Ah, me beija, seu Trepador de Paredes!

Eu me sentei na cama, o corpo tenso e vigilante. Por que eu acordei de repente? Às… duas e trinta e sete da madrugada?
Yibo estava encolhido no seu lado da cama e roncando.
O cabelo na minha nuca se arrepiou, assim como a minha pele. Tinha alguma coisa acontecendo, mas eu não sabia o quê… Espera, o que foi isso?
Corri até a janela e espiei a escuridão. Nada. Nada fora do comum. Me arrastei de volta para a cama, sem me livrar da sensação de que… Ah, meu Deus!
– Yibo! – Saí correndo do quarto e atravessei o corredor. Um fio de esperança se acendeu num recôndito do meu coração conforme descia a escada, escutando a voz de Yibo me chamando e então os seus passos. Voei pelos degraus e pela sala de estar até chegar à sala de jantar. Colei o rosto no vidro da janela, procurando, relutando para não ser tomado por esse sentimento, pois eu não suportaria se não fosse…
Miau.
Não pode ser! Ele não sabe onde…
Miau.
– Yibo! – berrei, e ele apareceu na sala segurando um bastão.
– Tem alguém na casa? – Yibo perscrutou o ambiente. Saí para o jardim com Yibo atrás de mim, a esperança à flor da pele, já fora de controle.
No gramado, logo abaixo da janela da sala de jantar, estava Clive. Lambendo as patas na maior tranquilidade.
– Não acredito – Yibo sussurrou, e eu mergulhei no chão e escancarei os braços.
Clive esfregou as orelhinhas como se tivesse todo o tempo do mundo, depois trotou até mim com o maior sorriso de gato que eu já vi. Ele tentou bancar o indiferente, mas eu conseguia escutar o rom-rom a distância. Fui tomado por lágrimas e soluços despudorados quando abracei o meu gato. Que ronronava sem parar. Ele estava magro, ele estava sujo, ele estava com frio, ele estava de volta.
Yibo se agachou ao meu lado, acariciando as costas de Clive, que eu apertava com força.
– Bom garoto – Yibo falava repetidamente e coçava a cabeça de Clive. Quando os olhos de Yibo encontraram os meus, percebi que estavam cheios de lágrimas.
Eu finalmente me levantei, ainda agarrado a Clive. Acariciei o meu gatinho e balbuciei que nunca mais fizesse aquilo ou acabaria com a raça dele e que ele poderia comer filé-mignon o dia inteiro, todos os dias. Yibo apenas sorriu quando Clive lhe deu uma cabeçadinha pedindo mais carinho.
Quando eu me virei para levá-lo para dentro de casa, Clive de repente saltou dos meus braços e correu para os arbustos nos quais tinha desaparecido semanas atrás.
– Não! Clive! Não! – eu gritei.
No entanto, antes que eu desse dois passos, a cabecinha dele surgiu, e Clive saiu do mato. Estou certo de que ele encolheu o ombro esquerdo. Então, materializando-se do nada, outro gato apareceu. Pequenininho, malhado, rechonchudinho, com a carinha mais fofa que eu já vi! Ele se esfregou em Clive, depois se sentou ao seu lado.
– Quem é o seu amiguinho, Clive? – perguntei, me ajoelhando de novo, com medo de assustá-los.
Yibo se agachou ao meu lado e sussurrou no meu ouvido:
– Parece que o nosso garotão arranjou uma namorada. Clive assentiu para Yibo, e eu me segurei para não rir.
– Sempre achei que seria legal ter outro gato. Acha que ela tem dono? – Yibo indagou.
– Como você sabe que é menina?
–  Ah, é menina, pode apostar – Yibo respondeu, e Clive assentiu mais uma vez.
Se os dois estivessem mais perto um do outro, teria rolado um high five interespécie.
Então, Clive pareceu encolher o ombro direito, e um terceiro gato apareceu. Encapada com um lindo pelo cinza-escuro, tinha os olhos verdes e traços delicados. Ela se esfregou em Clive, agora ladeado por gatinhas.
– Não acredito nisso – eu sussurrei, e Yibo riu.
– Acho que ter três gatos não é muito diferente de ter dois, certo?
– Yibo, fala sério! A gente não pode ter três gatos. Quer dizer, será que…
Clive pigarreou como que dizendo hu-hum.
Eis que, abrindo caminho entre a gatinha rechonchuda e um sorridente Clive, uma terceira recém-chegada se apresentou ao casal em choque. Brincalhona, ela trombou nas outras gatas e se jogou na grama em frente a Clive, rolando e emitindo os sons mais curiosos. Eu poderia jurar que ela estava dando risadinhas.
– Cacete, ele arranjou um harém – eu falei, e Yibo não conseguiu mais conter uma gargalhada.
Eu balancei a cabeça, e Clive se voltou para as suas donzelas. Agrupando-as no gramado, ele as conduziu para dentro de casa, uma a uma. Ao cruzar o batente da porta, Clive nos fitou com todo o amor que um gato pode demonstrar. E é muito amor. Quando os miados começaram lá dentro, ele deu uma piscadinha.
– Ai, meu Pai amado – disse, com um sorriso de orelha a orelha.
Ainda gargalhando, Yibo estendeu a mão para mim.
Eu entrelacei os meus dedos nos dele, e nós atravessamos o gramado para entrar na nossa casa, onde Clive e todo o seu harém nos aguardavam.
(.....)

Amor entre as paredes ( livro II)Onde histórias criam vida. Descubra agora