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CAPÍTULO OITO

– Ok, tem mais lençol e toalha no armário do corredor, tem cobertor extra no baú, hum… O que mais? Ah, a janela do lado da cama emperra um pouco quando chove, mas nada de mais. Deixei anotações nos controles remotos sobre como usar tudo… Eu levei uma eternidade só pra aprender a ligar as coisas e… Vejamos. Ah! Vamos voltar pra cozinha… Tem um truque pra aumentar o fogo de uma das bocas do fogão…
Era tarde de domingo, e eu seguia Jillian para cima e para baixo pela casa de Sausalito, enquanto Yibo fazia o mesmo com Benjamin na garagem. Cuidar da casa alheia enquanto os donos viajam não é mais como antigamente: já não se trata simplesmente de guardar a correspondência e dar uma festa de arromba.
Enquanto fazíamos o tour, tomando nota de tudo o que precisaríamos saber durante a nossa estada, pensei no quanto aquilo era perfeito. Localizada nas colinas, logo acima da rua principal da cidade, a casa de dois andares tinha um formato quase triangular, de modo que praticamente todos os cômodos possuíam vista para a baía e, mais ao longe, para a cidade de San Francisco. Acoplada ao living externo, equipado com bancos e fogos de chão, ficava a banheira de hidromassagem embutida. Perfeitamente isolada, perfeitamente privada e com uma vista maravilhosa.
Foi perto da hidro que encontramos Yibo e Benjamin, debruçados sobre o painel de controle. Yibo se divertia mexendo no interruptor das luzes interiores, trocando do rosa para o verde, depois para o roxo.
– Xiao Zhan! Olha isso! Praticamente uma balada! – ele exclamou entusiasmado.
– Bem, acho que é isso – Jillian concluiu.
– As chaves do carro estão no pote na entrada, os códigos do alarme você já anotou, e você sabe mexer no elevador. O que eu estou esquecendo? – Jillian pegou o caderno e verificou freneticamente as suas anotações.
– Relaxa, a gente se vira. Curtam a viagem – falei.
– E a senhora está proibida de ligar por pelo menos uma semana. Faça muito sexo com seu marido.
– Sim, faça muito sexo com seu marido – repetiu Benjamin, fechando o caderno da esposa e a abraçando por trás.
– Obrigado, Xiao Zhan e Yibo. De verdade.
– Tem certeza de que não vai atrapalhar vocês? Não precisam passar todas as noites aqui… algumas noites por semana são suficientes… – pediu Jillian.
– Meu Deus, cala essa matraca. Vai ser muito difícil mesmo ficar aqui… que sacrifício! – provoquei, gesticulando para a casa.
– Ok, vamos liberar os dois. Yibo, obrigado por tudo. E não se esqueça de dar uma olhada naquela trilha de bike… Deixei os mapas e tudo o mais. – Enquanto Jillian abria o caderno mais uma vez, Benjamin acrescentou:
– Eu daria uma volta por lá se fosse você.
– Sai da frente, grandalhão, preciso dar um abraço nele – disse Jillian, me engolindo nos seus braços.
– Obrigada. Você não tem ideia do quanto eu preciso disso – sussurrou. Quando me soltou, notei que ela tinha lágrimas nos olhos.
– E lembre-se: estou a apenas uma ligação de distância.
Abracei os dois, e Yibo me conduziu até o Range Rover para a nossa viagem através da ponte. Nós dois permanecemos em silêncio conforme entrávamos na cidade, serpenteando as ruas a caminho de casa.  Ele estacionou, deu a volta até a porta do passageiro e a abriu para mim. Ao tomar a minha mão, admitiu:
– Sabe, pode ser que não seja tão chato assim, no fim das contas. Talvez seja divertido ter uma casa.
Mais tarde, naquela mesma noite, Clive e eu estávamos brincando de Massacre do cabelo – uma brincadeira que tínhamos inventado uns anos antes, quando eu cometera o erro de me deitar perto de Clive enquanto ele estava dormindo e balançar o meu cabelo. Na época, Clive acordou completamente aloprado com o chumaço de cabelo. Aparentemente, o objetivo da brincadeira é mastigar, bater e se pendurar no meu cabelo. Tenho que lavar o cabelo depois da brincadeira? Tenho, mas o brilho naqueles olhinhos quando Clive começa a se esfregar no chão porque sabe que é hora de brincar compensa o trabalho. Estávamos debaixo da mesa de café quando Yibo entrou.
– Massacre do cabelo? – ele perguntou quando minha cabeça despontou para fora da mesa.
– Sim – respondi, me retraindo porque Clive tinha se aproveitado do momento de distração para agarrar o meu cabelo com força e puxá-lo.
– E quem está ganhando?
– Quem você acha? Ai!
Eu me virei sob a mesa para ir atrás de Clive, mas caí na gargalhada quando ele deitou de barriga para cima, se contorcendo e ronronando tão alto que as janelas sacolejaram.
– Trégua? – Cocei a barriga dele e baguncei o seu pelo.
Os olhos semicerrados e o sorriso invertido de gato responderam à minha pergunta. Eu me arrastei para sair de debaixo da mesa de café e alisei a roupa para me juntar a Yibo na cozinha.
Depois da nossa viagem através da baía, eu tinha trabalhado por algumas horas, e Yibo, dormido para espantar o jet lag. Enquanto eu fazia um intervalo e brincava com Clive, Yibo saiu para comprar a janta. Agora, o cheiro de comida vietnamita invadia as minhas narinas, e eu corri até a cozinha. Uma tigela de pho com pimenta numa noite fria é a melhor coisa do mundo. Peguei as tigelas, enquanto Yibo desembrulhava as embalagens. Separei os hashis, ele serviu o vinho. Nos sentamos à mesa, e, entre um gole e outro, Yibo verificou a correspondência – que se acumulava toda vez que ele viajava e, por isso, era um verdadeiro pé no saco quando retornava. Yibo e eu conversamos sobre o dia, falamos um pouco sobre como seria morar parcialmente em Sausalito, e então percebi que ele parou de comer.
– O que foi? – perguntei.
Ele observava fixamente uma das cartas abertas.
– Oi? Ah, é uma carta da Associação de Alunos.
– Stanford?
– Não, do meu colégio. Um convite pro reencontro de dez anos de formatura. Permaneci quieto, observando-o enquanto ele lia o resto da carta. Quando Yibo pegou os hashis de novo e voltou a comer, perguntei:
– E aí? Você vai?
– Não sei. Nunca achei que ia querer ir… Mas agora que o convite está aqui… Talvez?
Yibo mudou de assunto, porém notei que ele voltou a olhar para a carta mais de uma vez. E, enquanto eu lavava a louça depois do jantar, começou a lê-la de novo.
– Você devia ir – sugeri algumas horas depois. Estávamos na cama, assistindo ao noticiário, com Clive entre nós. Yibo imediatamente soube do que eu estava falando.
– Não sei se consigo. É entre o Dia de Ação de Graças e o Natal… Provavelmente vou estar viajando. Devo ter perdido algum comunicado anterior – disse, os olhos grudados na TV. Ele estava tenso.
–  Você teria visto se tivesse Facebook. Aposto que seus colegas te procuraram por lá.
– Duvido que a maioria deles lembre de mim.
Eu me segurei para não comentar. Embora não o tenha conhecido naquela época, sei bem que todo colégio tem um Wang Yibo . Somando-se a isso o fato de que os seus pais faleceram de modo tão inesperado, com certeza todos se lembravam dele.
Com um suspiro, Yibo se virou para mim, os braços esticados sobre os travesseiros. Eu também me ajeitei na cama e enrosquei os dedos nos dele. Yibo flexionou o braço e apoiou a cabeça. No reflexo da televisão, ele parecia jovem. E um pouco triste.
– Nunca planejei voltar. Quer dizer, nunca tive um motivo de verdade pra voltar.
Apertei a mão dele.
– Não sei… Será que devo ir? Talvez seja legal rever o pessoal, né?
Eu sorri e não disse nada.
– Vou olhar minha agenda amanhã. Talvez eu consiga uma brecha.
– Quer que eu veja a minha?
– Acha que consegue ir? Quer dizer, sei o quanto você está atolado.
– Acho que consigo um fim de semana. Além disso, nunca fui pra Filadélfia! A gente vai comer cheesesteak?
Ele soltou um gemido.
– Meu Deus! Sabe quanto tempo faz que eu não como um cheesesteak? Ok, me convenceu.
Escorreguei pela cama e montei em Yibo, colocando as suas mãos nos meus quadris. Inclinei o corpo à frente, escovei seu cabelo para trás com os dedos e beijei a sua boca.
– Qual é o seu restaurante favorito de cheesesteak?
Yibo me envolveu com os braços e me deitou sobre ele. Pelos vinte e sete minutos seguintes, permaneci deitado em cima de Yibo, que me contou sobre um restaurante pequeno e familiar. E da importância da pimenta doce e da picante. Em meio ao papo, ele me contou – depois de quase um ano de namoro – sobre a sua família, sobre o lugar onde crescera. Foi então que me dei conta de que eu nunca tinha visto uma foto dos pais dele, de que não fazia a menor ideia de como eram. Eu perguntaria isso a Yibo outro dia. Não hoje, mas em breve. Hoje, eu só queria falar de cheesesteak e tudo o que isso envolvia – e não estou falando apenas de pimentas doces e picantes.

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– Xiao Zhan, alguém do Centro de Design ligou. Eles querem saber se a Jillian ministraria o curso dela no mês que vem. Você assume?
– Xiao Zhan, a senhora Crabtree, aquela cliente da Jillian, ligou de novo. Quer saber o tom exato que a Jillian usou na sala de estar dela há dez anos e se fornecemos algum tipo de garantia, porque a tinta está amarelando. Ela também mencionou que fuma dois maços de cigarro por dia e que nunca abre a janela… Você cuida disso?
– Xiao Zhan, tem um cara da empresa de climatização no saguão, disse que o pagamento da manutenção está atrasado. A Jillian comentou algo sobre isso com você?
– Xiao Zhan, acho que deletei sem querer as últimas faturas dos Peterson, mas sei que a Jillian sempre guarda cópias… Você faz ideia de onde ela guarda?
– Xiao Zhan, você pode…
– Xiao Zhan, eu preciso…
– Xiao Zhan, coloquei cola demais na maçaneta…
Observei a vista da janela da minha nova sala, me dando conta de que com a sala maior vinham não apenas responsabilidades maiores, mas também dores de cabeça maiores. E a que eu sentia nesse momento era do capeta. Fazia uma semana que eu oficialmente administrava o escritório – e já estava prestes a me atirar na cova dos leões. Como diabos Jillian dava conta de tudo? Ela tinha os próprios clientes, ela precisava cuidar da equipe, ela era a pessoa que respondia por tudo, que apagava os incêndios – e fazia isso com a sua calma característica.
Eu estava exausto, surtado e fodido.
Eu poderia ter ligado para Jillian, claro. Mas ela estava em lua de mel. Eu não queria interromper os dois no meio do… bem, eu não queria atrapalhá-los. Além disso, não queria admitir que havia muitas coisas na administração da empresa das quais eu não tinha conhecimento. Estava determinado a cuidar de tudo sozinho, a dar a cara a tapa; assim, quando Jillian chegasse, eu juraria de pés juntos que tudo tinha corrido muito bem.
Depois do escritório, cuidar da casa de Jillian era café-pequeno.
Naquela semana, passamos duas noites na casa de Sausalito e duas nos nossos apartamentos. Eu trabalhando sem parar, e Yibo aproveitando a folga antes da próxima viagem. Ele tinha passado os dias seguintes às nossas noites em Sausalito fazendo trilhas pela cidade, pedalando e, na véspera do fim de semana, já estava me perguntando quando voltaríamos para lá.
Trabalhei até tarde na sexta-feira, enquanto Yibo saiu com os amigos. No sábado de manhã, fizemos as malas e fomos. Euan e Antonio, nossos vizinhos, concordaram em cuidar de Clive; não nos pareceu justo tirá-lo de casa por alguns poucos dias. Se decidíssemos realmente ficar em Sausalito, eu pensaria em levá-lo. Por enquanto, eu só queria desfrutar das vantagens de ser Jillian, ou seja, andar de Mercedes conversível pelas ruas sinuosas e subir as colinas com Yibo no banco do passageiro.
–  Tenho certeza de que a Jillian pretendia que eu dirigisse o carro dela – Yibo insistiu, fazendo caretas conforme eu acelerava numa curva.
– Nada disso, ela queria que eu me divertisse. Pode esquecer! – brinquei, metendo o pé no acelerador.
Resolvemos algumas coisinhas, fomos ao supermercado e voltamos para casa para acender a churrasqueira antes que Mimi e Ryan chegassem. Tínhamos decidido comemorar o nosso primeiro fim de semana com um jantar modesto e, como eu e Yibo não conseguimos chegar a um consenso sobre convidar Sophia ou Neil, ou os dois, optamos unicamente pelo casal que não passaria o jantar num duelo de cadeiras.
No terraço, Mimi e eu ruminávamos umas cenouras enquanto os meninos comandavam a grelha. Uma névoa se aproximava da baía, encobrindo toda a cidade com nuvens cinzentas. Bateu um friozinho, e eu sentei mais perto de uma das luminárias de cerâmica.
– Nossos meninos são lindos, não são? – Mimi sussurrou, mastigando uma cenoura.
Olhei para os dois e também suspirei.
– São mesmo.
– Por falar em menino lindo, Sophia encontrou o Barry Derry depois do casamento?
– Não, o cara sacou tudo. Melhor assim… Aquele cara era um tédio – retrucou Mimi, recostando na cadeira e tombando a cabeça como se tivesse caído no sono.
– Estamos te deixando entediada, querida? – perguntou Ryan, passando manteiga no pão.
– Não, só estamos pensando no Barry Derry e nos seguros dele.
Yibo olhou para mim e balbuciou:
– Barry Derry?
– O cara que a Sophia levou no casamento – expliquei, tirando Mimi da cadeira e arrastando-a para dentro da casa. Os meninos nos seguiram com a carne.
–  Ah, aquele cara? Ele tentou me vender um seguro de viagem. Ficou me falando sobre várias estatísticas de viagem de avião e que eu definitivamente precisava de um seguro – contou Yibo, dando risada e ajeitando os hambúrgueres grelhados. Servi mais vinho para todos, e cada um pegou um banco e um pão.
– Ela nunca quis conversar com o Neil? – Ryan perguntou. Mimi e eu olhamos um para o outro. Dar risada de Barry Derry era uma coisa, falar sobre Neil e Sophia era outra completamente diferente. Uma conversa que, aparentemente, jamais terminava bem.
– Não, acho que não – respondi, passando os picles.
– Caramba, que frieza! – disse Ryan, colocando um hambúrguer em cada prato.
– E, não me levem a mal, mas meio ridículo também.
– Claro que eu levo a mal. Com quem está o ketchup? – perguntei.
– Por que ela deveria conversar com ele? Ela não fez nada de errado.
Yibo me passou o ketchup e me olhou de soslaio.
– Concordo com o Xiao Zhan – disse Mimi.
– É o Neil que tem que correr atrás nessa história, não ela. Por que ela deveria dar o braço a torcer? Quem quer cebola?
– Eu quero. Acho que vocês dois estão sendo tão ridículos quanto a amiga de vocês. Como ele vai correr atrás se ela nem retorna as ligações dele? – Yibo questionou, derrubando cebola no chão.
– Merda. Amor, me passa o guardanapo, por favor?
– Toma. E, antes que me peça, aqui estão a mostarda, a alface e o tomate. – Coloquei os pratos na mesa com um pouco mais de violência do que o necessário.
– E, para o seu conhecimento, foi o seu amigo que traiu, não a nossa amiga. Por conseguinte, ela não tem que retornar nada.
– Por conseguinte? Quando foi que você virou advogado? E obrigado, é tudo o que eu sempre quis no meu hambúrguer – disse Yibo, montando o hambúrguer com gestos afetados.
–  Ela devia pelo menos ouvir o que ele tem pra dizer… É pedir muito?
– Você pelo menos sabe por que ela está tão magoada? Por que não consegue superar a traição? – Mimi indagou, apertando o frasco de ketchup com tanta força que o molho se esparramou pelo prato todo.
– Ok, podemos parar de falar em traição? Ele não traiu, ele deu um beijo numa ex-namorada, só isso – Ryan interveio, dando uma mordida no seu hambúrguer. – Ifo não é traifão.
– Claro que é traição! – Mimi e eu gritamos em uníssono.
– Já chega! Silêncio por um minuto. Todo mundo mordendo o sanduíche! – ordenou Yibo, com uma expressão bem séria e um sanduíche de quase vinte centímetros de altura.
Todos mordemos nossos sanduíches. Depois mastigamos. Como não poderia deixar de ser, Yibo foi o que demorou mais.
– Agora podemos conversar como adultos? – ele sugeriu.
– Tem mostarda na sua boca, Yibo – eu disse, contendo uma risada. Ele enrubesceu, depois lambeu os lábios.
– Posso conversar como adulto se vocês dois admitirem que o que ele fez foi errado – acrescentei, apontando uma fatia de picles para os alfas.
– Se Yibo me permite, posso dizer que nem ele nem eu nunca dissemos que o que o Neil fez não foi errado. Só não achamos que ele precisa ser apedrejado, crucificado e defenestrado da cidade. – Ryan apontou.
– Ele beijou uma pessoa… Vocês prefeririam que ele tivesse transado com ela?
– Mas é esse o ponto: ele não beijou uma pessoa simplesmente, ele beijou uma ex-namorada. A ex-namorada, pelo que você me contou – Mimi comentou.
– O que você quer dizer com a ex-namorada? Você não me contou que era a ex-namorada! – exclamei, me virando para Yibo.
– Contei, sim.
–  Não contou, não.
– Contei!
– Adultos. A-hã. – Ryan deu mais uma mordida no sanduíche.
– Você disse que era uma ex-namorada. Não disse que era a ex-namorada – retruquei.
– Qual é a diferença? – Yibo questionou, e Mimi se prontificou a responder:
– Uma ex-namorada significa, tipo, qualquer ex-namorada. Nenhuma em especial. A ex-namorada significa muuuuito mais.
Percebi que Yibo continuava sem entender.
– Você está falando com uma pessoa que não tem nenhuma ex-namorada, muito menos a ex-namorada – falei para Mimi, gesticulando como quem diz “deixa essa comigo”. – Yibo, uma ex-namorada é uma pessoa que você fica feliz de ver vez ou outra, para quem você deseja o melhor, nada além disso. Com a ex-namorada, é diferente: existe um laço com essa pessoa, uma história partilhada. Pode ser até que tenha sido ela quem terminou o relacionamento. Se fosse uma ex-namorada, nós não teríamos ficado tão putos. Mas foi a ex-namorada.
– Espera aí. Você está dizendo que se eu beijasse um ex-namorado você não ficaria chateado? – Yibo perguntou, a boca suja de mostarda de novo.
Fechei os olhos.
– Não, não! É óbvio que um alfa não entenderia isso… Escuta, qualquer ômega ficaria chateado se o namorado beijasse um ex, mas um ex não significa tanto quanto O ex. Uma ex, a ex… tem uma diferença enorme!
– Então, vocês estão chateados porque ele beijou uma garota com quem tinha um vínculo, ou com quem vocês acham que ele tinha um vínculo? – Yibo inquiriu. Ainda com a boca suja de mostarda. Desta vez, eu não iria avisar. A boca era dele, ele que se virasse.
–  Ryan, você me contou que foi com essa mulher que ele quase casou, certo? – perguntou Mimi.
– Sim.
– Pronto. Caso encerrado! – ela exclamou, esfregando as mãos para limpar os farelos.
– Deus do céu! Não vamos chegar a lugar nenhum desse jeito. Ok. Então, me digam o seguinte. O que seria pior? Beijar essa ex em particular ou transar com uma mulher qualquer por aí, que ele não veria nunca mais? – Ryan indagou.
– Depende – respondi.
– A desconhecida. Não, a ex… Não, a desconhecida! Não, depende – disse Mimi, balançando a cabeça.
– Desisto – comentou Yibo.
– Tem sal de fruta aí? – Ryan perguntou a Mimi.
– Vou pegar mais vinho – eu disse.
– Sua boca está suja de mostarda, Yibo – Mimi avisou.
Os dois foram embora. Yibo e eu lavamos a louça em silêncio. Ele voltou para o terraço. Eu fiquei dentro de casa.
Mimi me escreveu:
M: Acha q a Sophia devia falar com o Neil?
Z: Sim, provavelmente.
M: Vai falar com ela?
Z: Acho q devo.
M: Vamos juntas?
Z: No jantar, amanhã?
M: Combinado. Agradece ao Yibo pelo jantar. Foi mt legal.
Z: Vou falar p ele. Agradece ao Ryan por ter vindo.
M: Eles ñ entenderam nada, né?
Z: Ñ. Alfas.
M: Eles são legais.
Z: Vdd. Vou lá dar um beijo no meu. Até amanhã.
M: Bjs
Fui até o terraço com uma caneca de café para mim, outra para ele.
– Tem alguém sentado aqui?
Yibo fez que não com a cabeça e levantou um pedaço do cobertor sob o qual estava aninhado. Eu me sentei e entreguei a caneca a ele, que bebericou o café e fez cara de surpresa.
– Achei que a gente precisava de um café irlandês hoje – falei.
– Boa!
Ficamos em silêncio por um momento.
– Não podemos continuar discutindo isso. Não é um problema nosso.
– Sei que não é. Só que é difícil ficar assistindo de fora. – Suspirei e observei a baía. A noite estava tranquila; a névoa abrandava os demais ruídos.
– Eu entendo, mas você tem que deixar os dois resolverem.
– Eu sei.
– E eles não podem resolver se não conversarem.
– Eu sei.
Nós dois voltamos a ficar em silêncio debaixo do cobertor.
– Você falou uma coisa hoje que eu não gostei.
Surpreso, eu me virei para ele.
– Falei?
– O fato de não ter os tais ex-namorados de que vocês tanto ficaram falando não significa que eu não tenha criado vínculos com as pessoas com quem fiquei. Não tenho ex porque não me relacionei  do jeito tradicional… mas isso não quer dizer que eu não entenda a diferença.
Concordei com a cabeça.
– Você está certo.
–  Você não pode simplesmente negar o meu passado só porque ele não é igual ao seu.
– Você tem toda a razão. – Eu me virei para encará-lo.
– Tudo bem?
– Tudo bem – afirmei. Yibo estava diferente em relação a mim, de um jeito que eu nunca tinha visto.
– Está tudo bem com a gente?
– Claro que está. Não é assim que as pessoas resolvem os conflitos? Você me falou uma coisa que eu não gostei, então eu te disse que não gostei.
– Caramba, doutor Phil, estou impressionado! – Tilintei a minha caneca na dele.
– E aí, o que a gente faz agora? Você sabe, como um casal que acabou de resolver um conflito…
– Sexo oral. Estou bastante certo disso – ele disse, a expressão séria.
– Hummm… Me parece justo. – Percorri a perna dele com os dedos e o agarrei com precisão. – E você quer aqui ou…
– Deus do céu, não. Está um frio desgraçado. Vamos entrar pra desconflitizar! – Ele se levantou de repente e me arrastou para dentro.
– Essa palavra definitivamente não existe.
– Mas sexo oral existe! – Ele trancou a porta do terraço e sorriu para mim, um sorriso que conheço bem.
– Estou quase certo de que são duas palavras…
– Ei, foi justamente o fato de ser linguarudo que te colocou nessa situação – Yibo retrucou, apontando em direção ao quarto.
– Pra lá, já.

Eu desconflitizei Yibo duas vezes naquela noite.

(....)

Amor entre as paredes ( livro II)Onde histórias criam vida. Descubra agora