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CAPÍTULO ONZE

O período entre o Dia de Ação de Graças e a nossa viagem à Filadélfia voou. Eu chegava ao escritório antes de todo mundo e quase sempre era a última a sair. Apaguei incêndios, treinei JiLi e até fiz a folha de pagamento outras vezes. Correria, loucura, adrenalina pura. Havia dias em que eu mal via a luz do sol, comia qualquer coisa preparada no micro-ondas, só me sentava quando ia ao banheiro – e mesmo lá lia e-mails. Ah, faça- me o favor. Como se você não levasse o celular pro banheiro, né?
E essa vida despirocada e freneticamente impossível estava me fazendo dar conta de tudo. Mais do que isso: eu estava adiantado. Era como se eu estivesse no controle do relógio, e não o contrário. Em vez de me arrastar, eu agora saltitava; corria de uma reunião para outra, de cliente para cliente, com uma motivação renovada. Eu estava cansado, mas estranhamente feliz. Tinha pegado o ritmo das coisas. Continuava estressado, mas de um jeito bom.
O projeto do hotel também estava adiantado, e até comecei uns projetos para o Natal – sim, porque, meu bem, quando você é muito rico, não faz a própria decoração de Natal, não mesmo! Você contrata alguém para isso. A princípio, eu tinha pensado que, com a ausência de Jillian, precisaria repassar trabalho para algumas empresas de decoração que eram nossas parceiras, porém não fui capaz de fazer isso. Eu tinha de garantir que tudo na Jillian Designs funcionasse exatamente como funcionaria se Jillian estivesse presente. Então, dormi menos. E decorei árvores movido a boas doses de Red Bull.
Yibo estava em casa. A viagem a Plymouth deveria tê-lo mantido ocupado até o encontro com os colegas do ensino médio, mas agora ele tinha um tempo livre. Algo que não costumava ter. E agora tinha. Certa noite, depois de chegar em casa e encontrar um presente de Clive dentro de um dos seus tênis, Yibo concordou que, em vez de passar uma noite ou outra em Sausalito, seria melhor ficar por lá de vez e levar o cagador de sapatos. Clive era agora um gato suburbano. E tinha um pai dono de casa.
Os dois se divertiam explorando a casa nova e observando a vista pela parede de vidro por horas e horas. Clive, que nunca tivera muito espaço, aproveitava para se esconder dentro de todos os closets e debaixo de todas as camas possíveis. Yibo passava as noites brincando com ele de Massacre do cabelo , coisa que, infelizmente, eu não tinha mais tempo de fazer.
Uma noite fria, depois de chegar tarde em casa, encontrei Yibo segurando Clive de frente para a janela, fazendo marquinhas de pata sobre o vapor e falando o quanto San Francisco ficava distante. Yibo sorriu ao me ver, mas não parou de conversar com Clive, dizendo o quanto a água estava fria e que, por isso, Clive não deveria se atrever a voltar para a cidade nadando.
Agora que tinha tanto tempo livre, Yibo andava de bicicleta quase todos os dias e me mandava mensagens e fotos de todo o condado de Marin. Ele tinha um restaurante favorito, uma cafeteria favorita onde tomava café todas as manhãs e uma delicatéssen favorita; o meu namorado tinha um novo lugar preferido para tudo.
Só para constar: a posição favorita dele continuava sendo qualquer uma, desde que dentro de mim. Mesmo exausto na maior parte das noites, eu arranjava tempo para uma sacanagenzinha com o meu Trepador de Paredes. Ai. Que dureza!
E, com todo esse tempo livre de Yibo, eu recebia visitas inesperadas. Ele aparecia de surpresa no escritório. Ligava várias vezes durante o dia. Yibo estava por perto o tempo todo e parecia não entender por que eu não estava. Claro, ele sabia que eu estava trabalhando mais do que nunca – e que eu estava feliz. O que não era um empecilho para tentar me impedir de levantar da cama todas as manhãs.
E, puta que pariu, como era difícil. Porque é praticamente impossível sair da cama quando se tem um Trepador de Paredes todo despenteado puxando o seu pijama. Porque, e eu repito isso com orgulho, a posição favorita dele continuava sendo qualquer uma, desde que dentro de mim.
Agora, falando sério, Yibo estava por perto o tempo todo. E constantemente me lembrava de que eu não estava. Hum.
Jillian e Benjamin estavam partindo da Itália rumo a Praga, com planos de passar alguns dias na cidade e depois explorar o interior tcheco. Fiquei encantado com as fotos que Jillian me mandou e com o seu relato da viagem maravilhosa. Ela estava relaxada como não se sentia havia anos – e fazia questão de me dizer o quanto era grata por ter um super substituto dando conta de tudo para que ela pudesse aproveitar esse tempo com o marido. Era estranho ouvi-la se referir a Benjamin como marido; desde que eu a conhecera, ele sempre fora o noivo dela.
Certa vez, eu perguntei a Jillian o que os tinha feito finalmente tomar a decisão de casar. Estávamos na sala de reunião, degustando os bolos que o bufê tinha trazido, tentando escolher um para o casamento. Em certo momento, notei que ela estava observando a aliança, sorrindo consigo, e foi nesse instante que fiz a pergunta.
–  Não sei. Um dia, eu simplesmente olhei pra ele e soube que estava preparada para me tornar sua esposa. Eu tinha construído meu negócio, atingido todas as metas dos meus vinte e poucos anos e outras tantas dos meus trinta, então simplesmente parecia o momento certo – ela contou com um sorriso, experimentando o bolo de chocolate com recheio de framboesa de novo. Pressenti que esse seria o escolhido. E foi.
– Além disso, já viu aquela bunda? Ah, fala sério! Olha pra quem estou perguntando! O presidente do fã-clube do Benjamin!
– Permita-me informar que venci a eleição de forma justa e limpa. Não tenho culpa se Mimi e Sophia não sabiam que a votação seria naquele dia. Foi justo e foi limpo.
Por falar nas minhas amigas, as coisas entre Sophia e Neil se aquietaram; os dois não se viam desde a noite do Pictionary. Mimi estava cogitando uma nova tentativa antes do Natal – e eu estava tentando convencê-la a desistir da ideia. No entanto, quando ela os convidou para comemorar o Natal na sua casa, Sophia e Neil aceitaram. Os dois até pareciam ansiosos. Sabe-se lá quem eles levariam dessa vez… Os dois continuavam saindo com outras pessoas, e bastante, mas raramente a coisa passava do primeiro encontro.
Nossa, que surpresa.
Para passar um fim de semana inteiro na Filadélfia em meio a um dos períodos mais agitados da minha vida, trabalhei praticamente de sol a sol, inclusive aos sábados, a fim de resolver todas as pendências e poder ficar com Yibo sem preocupações. Não havia a menor possibilidade de eu não ir; eu não o deixaria fazer essa viagem sozinho em nenhuma hipótese.
Ele estava tão ansioso…
Na noite anterior à viagem, ele teve um pesadelo. No avião, mal abriu a boca; quando falou, foi curto e grosso. Quando o avião aterrissou, Yibo se virou para mim e disse:
– Desculpa antecipadamente se por acaso eu agir como um babaca esta semana. Não é a minha intenção, mas, se acontecer, desculpa.
Dei um tapinha na mão dele e um beijo no nariz.
– Desculpas aceitas. Agora me mostra a sua cidade natal! Mal posso esperar para ver o Sino da Liberdade.
Yibo abriu um sorriso discreto e segurou minha mão enquanto de sem-barcávamos.
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Filadélfia era uma cidade nova para mim, e eu desejei que tivesse mais tempo para explorá-la. Mas este fim de semana não era sobre reconstituir a famosa cena em que Rocky Balboa sobe correndo os degraus do Museu de Arte, e sim sobre estar ao lado de Yibo, onde e para o que ele precisasse. Além do mais, ao que parecia, moveram a estátua do Rocky do topo da escadaria. Afe.
Alugamos um carro, jogamos a bagagem no porta- malas e seguimos para o hotel. Como tínhamos atravessado o país de ponta a ponta, já estava escuro quando chegamos à parte da cidade onde Yibo nasceu. Ele começou a me mostrar animado os lugares que reconhecia. E os que não reconhecia.
– Quando será que aquela bicicletaria fechou? Ah, cara, foi aqui que comprei minha primeira bicicleta sem rodinhas. Por que abriram uma galeria aqui? Quando será que isso aconteceu?
– Quando foi a última vez que você esteve aqui, Yibo?
– Hum, algumas semanas depois da formatura, acho – ele respondeu de um jeito meio distraído, os olhos se movendo de um lado para o outro, observando a rua.
– Você não vem para cá desde os dezoito anos?
– Por que eu viria? – Ele fez uma curva e nos conduziu para o meio da praça principal.
Yibo dizia que tinha crescido na Filadélfia, porém isso não era tecnicamente verdade. Ele cresceu em uma das muitas comunidades próximas ou distritos que compunham o entorno da cidade. Eu sabia que ele vinha de uma família rica, mas não imaginava que vinha da verdadeira nata americana.
A cidadezinha natal de Yibo era uma gracinha. E encantadora, tal qual todas as cidades do nordeste americano aos olhos de alguém que cresceu na Califórnia. O fato de que a cidade tinha quase trezentos anos a mais do que aquela onde eu nasci era digno de nota. A maior parte das casas pelas quais passávamos eram verdadeiras chácaras.

Amor entre as paredes ( livro II)Onde histórias criam vida. Descubra agora