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Estamos amontoados em uma rampa de acesso à rodovia. Atrás de nós está a cidade. À frente, colinas angulares de árvores e paisagens intermediárias que nos levavam de volta ao aeroporto. Izuku se mantém ao meu lado, bem perto, parecendo muito menos confiante de sua postura revolucionária e impetuosa do que representou para o Coronel Aizawa. Coloco uma mão em seu ombro e falo para a multidão:

- Izuku!

A massa treme, e ouço um ou dois pares de dentes fazerem barulho de mordida. Falo mais alto ainda:

- Izuku! Nós mantemos Izuku seguro.

Alguns deles parecem tentados, mas o que vejo nos olhos da maior parte deles não é fome. É a mesma fascinação que vi no aeroporto, mas intensificada. Mais focada. Eles não estão só olhando, estão estudando, estão cativados por ele.

Espasmos estranhos atravessam seus corpos a curtos intervalos de tempo. Percebo Kiri encarando Izuku de um jeito diferente e estalo os dedos perto de seu rosto.

- Ah, tenha dó - ele diz, como se eu não estivesse sendo razoável.

Sento-me no acostamento, esforçando-me para pensar. O som dos veículos de Aizawa ainda vão diminuindo a distância. Todos estão olhando para mim. Olhares impacientes de todas as direções, que parecem dizer: Bom, e agora?, que me dão vontade de gritar: E agora o quê? Não sou um general, coronel ou construtor de cidades, sou apenas um defunto que não quer ser um defunto.

Izuku senta perto de mim e põe uma das mãos em meu joelho. Só então percebo os arranhões e machucados que ele ganhou em nosso mergulho sem paraquedas. Um deles é na bochecha, um corte raso que o faz tremer um pouco quando sorri. Odeio isso.

- Você se machucou - falo.

- Só de leve.

Odeio o fato de Izuku ter se machucado. Odeio o fato de ele ter sido machucado por mim e por outros durante a vida. Mal lembro o que é sentir dor, mas quando vejo esse sentimento nele, sinto como se fosse em mim, e em uma medida desproporcional. Sinto nos olhos, que começam a queimar.

- Por que você... veio? - pergunto a ele.

- Para ajudar, lembra? E para manter você a salvo.

- Mas por quê?

Ele me lança um sorriso doce e o corte na bochecha brilha com o sangue fresco.

- Porque gosto de você Sr. Zumbi. - Ele limpa o sangue com a mão, olha para ele e então passa em meu pescoço. - Pronto. Agora estamos quites.

Olhando para ele sentado ao meu lado, um anjo de cabelos esverdeados e olhos esmeraldas cercado de Mortos babando, um garoto frágil sorrindo com lábios cor de sangue em relação a um futuro incerto, sinto algo ondular dentro de mim. Minha visão fica embaçada e algo molhado desce pelo meu rosto. Meus olhos não estão mais ardendo.

Izuku toca minha bochecha e olha para o dedo. Ele olha para mim com tanta fascinação que não consigo retornar seu olhar. Em vez disso, me levanto e grito:

- Vamos voltar ao aeroporto.

Os Mortos olham para mim, e depois para Kiri.

- Por quê? - Kiri pergunta.

- Porque é onde... nós vivemos. Onde... começaremos.

- Começaremos... o quê? Guerra? Contra os Ossudos?

- Guerra não. Não... desse tipo.

- O quê então?

Enquanto tento responder, destilo o redemoinho de imagens que passam pela minha cabeça. A música nos corredores escuros do aeroporto, meus pais saindo de seus esconderijos e limpando a poeira de seus corpos, um movimento, uma mudança - enquanto estou ali, sonhando, o ar silencioso da cidade treme com um grito, desesperado e gorgolejante, como o de uma vaca correndo já meio cortada.

Warm Bodies | •BakuDeku•Onde histórias criam vida. Descubra agora