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O pavimento da rua todo quebrado faz barulho sob os pneus de nosso caminhão, além de abusar da suspensão do velho Ford, que solta um ronco silencioso que parece de raiva sufocada. Olho para o meu pai. Ele parece mais velho do que me lembro. E mais fraco. Ele segura o volante com força. Os nós de seus dedos estão brancos.

— Pai? — falo.

— Que foi, Shoto?

— Onde estamos indo?

— Para um lugar seguro. — Olho para ele com cautela.

— Ainda existem lugares seguros? — Ele hesita um pouco demais.

— Um lugar mais seguro.

Atrás de nós, o vale onde costumávamos nadar, colher morangos, comer Pizza, ir ao cinema, o vale onde nasci, cresci e descobri tudo que está dentro de mim, está agora cheio de colunas de fumaça. O posto de gasolina onde eu comprava raspadinha de Coca-Cola está pegando fogo. As janelas da minha escola estão todas quebradas. As crianças na piscina pública não estão nadando.

— Pai? — falo de novo.

— Quê?

— A mamãe vai voltar? — Finalmente ele olha para mim, mas não diz nada. — Como um deles, quero dizer. — Ele olha de novo para a estrada.

— Não.

— Achei que ela voltaria. Que todos voltassem como eles agora.

— Shoto — ele começa e as palavras mal saem de sua garganta. — Dei um jeito nisso. Ela não vai voltar.

A dureza em seu rosto me fascinava e repelia ao mesmo tempo. Minha voz saiu chorosa.

— Por que não?

— Porque ela se foi. Ninguém volta da morte. Não de verdade. Consegue entender isso?

Os morros áridos e escovados à frente começaram a embaçar a minha vista. Tentei focar a visão no parabrisa, os insetos esmagados e as rachaduras. Mas isso ficou embaçado também.

— Lembre-se dela — meu pai disse — o máximo que puder e pelo maior tempo que conseguir. É dessa forma que ela continuará viva. Nós fazemos com que ela continue viva. Não um feitiço mágico ridículo.

Olho para ele tentando ler a verdade em seus olhos semicerrados. Nunca o tinha ouvido falar assim.

— Os corpos são só carne — ele continuou. — A parte dela que mais importa... nós levaremos conosco.

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— Izuku?

— Quê?

— Venha aqui ver isso.

O vento faz um barulho cortante ao passar pela porta de vidro quebrada do hospital que estamos vasculhando. Izuku vai até mim, na janela, e olha para baixo.

— O que está fazendo?

— Não sei.

Na rua coberta com um pouco de neve abaixo, um zumbi solitário anda em um círculo errático. Ele bate em um carro, cambaleia, anda devagar de costas até a parede, gira, anda em outra direção. Não emite nenhum som e não parece procurar por nada em particular. Izuku e eu assistimos aquilo durante alguns minutos.

— Não gosto disso — ele fala.

— Eu sei.

— É tão... triste.

— Eu sei.

— O que tem de errado com ele?

— Não sei.

Ele para no meio da rua, cambaleando um pouco. Seu rosto não tem absolutamente nenhuma expressão. Apenas a pele esticada sobre o crânio.

— Fico imaginando o que ele sente.

— Como assim?

— O que ele sente sendo um zumbi.

Fico observando o zumbi. Ele começa a cambalear mais forte e então cai. E continua ali caído, de lado, olhando o chão congelado e não fazendo nenhum movimento.

— E se... — Izuku começa a dizer, mas para. Ele olha para mim com os olhos arregalados e depois novamente para o corpo inerte. — Por acaso ele morreu?

Esperamos e assistimos em silêncio. O cadáver não se mexe. Sinto algo se contorcer dentro de mim, pequenas coisinhas rastejando pela minha coluna.

— Vamos — Izuku diz, se vira e sai andando. Vou atrás dele. Não conseguimos pensar em nada para dizer durante o caminho de volta para casa.

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Pare.

Inspire e expire o ar inútil. Solte o pedaço de vida que está segurando na altura dos lábios. Onde você está? Há quanto tempo está aqui? Pare agora. Você tem que parar. Feche os olhos que estão ardendo e dê outra mordida.

Warm Bodies | •BakuDeku•Onde histórias criam vida. Descubra agora