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Izuku e eu ficamos acordados o resto da noite. Ainda com nossas roupas molhadas pela chuva, sentamos no chão da fria sala de estar e não trocamos nenhuma palavra. Meus olhos se fecham eventualmente e eu desligo. E nessa estranha calmaria, no que podem ser minhas últimas horas de vida na terra, minha mente cria um sonho para mim. Claro, nítido e em cores, se abrindo na escuridão brilhante como uma rosa fora de seu tempo.

No meu sonho, estou flutuando rio abaixo na cauda cortada da minha casa/avião. Estou deitado de costas sob um céu da meia-noite, assistindo às estrelas passarem lá em cima. O rio é desconhecido, mesmo nesta época de mapas e satélites, e não faço a menor ideia para onde ele corre. O ar está parado e é uma noite quente. Só trouxe duas coisas comigo. Uma caixinha de Katsudon e o livro de Shoto. Grosso, antigo e encadernado em couro.

Eu o abro bem no meio e vejo uma frase não terminada em uma língua que nunca vi, e mais nada além disso. Um tom épico de páginas vazias, brancas, apenas esperando. Fecho o livro e deito a cabeça no aço frio. O cheiro do Katsudon pinica meu nariz, adocicado, apimentado e forte. Sinto o rio se alargando e ganhando força. Ouço uma queda d'água.

- Kacchan.

Meus olhos se abrem e eu me sento. Izuku está perto de mim, de pernas cruzadas, observando-me com cara de divertimento.

- Estava sonhando, é?

- Não... sei. - murmuro, esfregando os olhos.

- Por acaso não sonhou com uma solução para o nosso pequeno problema?

Faço que não com a cabeça.

- É, nem eu. - Ele olha para o relógio na parede e aperta os lábios pesarosamente. - Tenho que estar no centro comunitário em algumas horas para contar histórias. Kota, Katsuma e Mahoto vão chorar se eu não aparecer.

Kota, Katsuma e Mahoto. Repito os nomes em minha cabeça, saboreando seus contornos. Deixaria Ryo comer minha perna inteira só para poder ver aquelas crianças de novo. Para ouvir mais umas palavras desajeitadas saindo de suas bocas antes de eu morrer.

- O que... está lendo para eles?

Ele olha para a cidade através da janela, cada rachadura e falha suavizadas pela luz branca cegante.

- Estou tentando levá-los ao mundo da série de livros Redwall. Imaginei que as músicas, banquetes e ratos guerreiros corajosos seriam uma boa para que se esquecessem um pouco do pesadelo no qual estão vivendo. Mahoto sempre me pergunta de livros sobre zumbis e eu insisto que não posso ler livros de não ficção na hora das histórias, mas... - Ele percebe o olhar que estou fazendo e para. - Você está bem?

Faço que sim com a cabeça.

- Está bem? Responda direito, porra.

- Estou bem.

Ele sorri.

- DOIS. OITO. VINTE E QUATRO.

Pulamos para longe um do outro quando a caixa de som do teto solta uma série de números e um som de alarme agudo em seguida.

- Aqui é o Coronel Aizawa e tenho um comunicado a todos. A falha na segurança foi contida. O guarda infectado foi neutralizado e não tivemos notícias de mais nenhuma ocorrência.

Respiro fundo, aliviado.

- Entretanto...

- Droga - Izuku fala.

- ... a causa do alerta continua foragido aqui dentro. Patrulhas começarão a fazer uma busca de porta em porta em todos os imóveis do estádio. Como não sabemos onde a coisa está se escondendo, todos devem sair de suas casas e se reunir em uma área comum. Não fiquem em lugares pequenos e apertados. - Aizawa faz uma pausa para tossir. - Desculpe por isso, gente. Vamos resolver tudo... Aguentem firme.

Warm Bodies | •BakuDeku•Onde histórias criam vida. Descubra agora