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Depois de alguns quarteirões, o cheiro dos Vivos é quase irresistível. É como se o Estádio fosse uma grande Bobina de Tesla soltando raios com aroma de vida cor de rosa. Todos olham espantados para ele. Alguns babam. Se não tivessem acabado de comer, nossa estratégia, que já é fraca, teria ruído em um instante.

Antes de ficarmos à frente dos portões, pegamos uma rua lateral e paramos em um cruzamento, nos escondendo atrás de um caminhão da UPS. Vou um pouco para o lado e dou uma olhada à frente. A menos de dois quarteirões, quatro guardas estão nos portões principais da entrada do Estádio, com escopetas penduradas em seus ombros e batendo papo. Suas frases ásperas e militares possuem menos sílabas do que a nossa. Olho Para Kiri.

- Obrigado por... fazer isso.

- Imagina - ele responde.

- Não ... morra.

- Vou... tentar. Está... pronto?

Faço que sim com a cabeça.

- Pareça... vivo... por lá.

Sorrio. Penteio o cabelo outra vez, respiro fundo e então começo a correr.

- Socorro! - Grito, agitando meus braços. - Socorro, eles estão... atrás de mim!

Corro em direção à porta com o melhor equilíbrio e balanço que consigo. Kiri e os outros Mortos se arrastam atrás de mim, grunhindo de forma teatral. Os guardas reagem por instinto, levantando as armas e atirando nos zumbis. Um braço voa longe. Uma perna cai. Um dos nove anônimos perde a cabeça e cai. Mas nenhuma das armas aponta para mim. Projeto o rosto de Izuku à minha frente e corro com um foco olímpico. Minhas passadas são boas, posso sentir. Pareço normal, vivo, e por isso me encaixo na categoria deles: "humano". Mais dois guardas aparecem com armas na mão, mas quase nem olham para mim. Eles olham, miram em seus alvos e gritam:

- Vamos, entre logo, garoto!

Mais dois zumbis sucumbem atrás de mim. Quando passo pelas portas, vejo Kiri e os Mortos que sobraram dar meia volta e fugir. E, ao fazerem isso, o passo deles muda. Eles perdem seu cambalear e correm como coisas vivas. Não tão rápido quanto eu, sem a mesma graça, com propósito. Os guardas hesitam e param de atirar.

- Mas que porra é essa? - Um deles murmura.

Depois da entrada tem um homem com uma prancheta e um caderno de anotações. Um oficial de imigração, pronto para anotar meu nome e me fazer preencher vários formulários antes de me deixar entrar. Os Mortos dependem há anos deste homem, que providencia os vagabundos indefesos que comemos nas ruínas lá fora. Ele vem na minha direção virando as páginas do caderno e sem olhar para mim.

- Foi por pouco, hein amigo? Vou precisar que você...

- Dabi! Vem ver uma merda estranha!

Dabi levanta a cabeça, olha pelos portões abertos e vê seus colegas soldados parados e emudecidos. Então olha para mim.

- Espere bem aqui!

Dabi dá uma corridinha e para ao lado dos guardas, observando zumbis assustadoramente articulados desaparecerem ao longe correndo como pessoas de verdade. Imagino a cara dos homens, com seus estômagos borbulhando com a sensação desagradável de que a terra está se movendo embaixo de seus pés.

Esquecido por um momento, me viro e corro. Corro pelo corredor escuro em direção a luz no final dele, imaginando se aquilo é o canal do nascimento ou um túnel para o Paraíso. Estou vindo ou indo? De qualquer forma, é tarde demais para desistir. Escondido na escuridão e sob o céu avermelhado do fim de tarde, entro no mundo dos Vivos.

Warm Bodies | •BakuDeku•Onde histórias criam vida. Descubra agora