A cena de Izuku e eu saindo do aeroporto é uma mistura de marcha nupcial e fila de bufê. Os Mortos estão enfileirados nos saguões e corredores para nos ver passar. Todos eles estão ali e parecem inquietos, agitados e claramente adorariam devorar Izuku, mas não se mexem ou emitem nenhum som. Mesmo com os protestos de Izuku, peço a Kiri para nos escoltar até lá fora. Ele nos segue alguns passos atrás, grande e vigilante, vigiando a multidão como se fosse um agente do Serviço Secreto.
O silêncio anormal de um lugar cheio de pessoas que não respiram é surreal. Quase posso ouvir o coração de Izuku batendo. Ele está tentando andar ereto e parecer descolado, mas o esforço em seus olhos o está traindo.
— Tem certeza disso? — ele sussurra.
— Tenho.
— Tem tipo, sei lá... centenas deles.
— Manter você seguro.
— Sim, sim, seguro, como eu fui esquecer. — A voz dele vai ficando mais fraca. — Falando sério, Kacchan, vi você detonando alguns deles, mas se alguém resolver tocar a campainha do jantar agora, vou virar sushi.
— Não farão nada — respondo com uma surpreendente dose de confiança. — Somos... novidade. Nunca... viram antes. Olhe para eles.
Ele presta atenção aos rostos que nos cercam e vê o que falei. Uma estranha ordem é a reação que eles tem em relação a anomalia que representamos. Sei que vão nos deixar passar, mas Izuku não parece convencido. Um chiado estranho surge em sua respiração. Ele fuça em sua bolsa e pega uma bombinha, inala aquilo uma vez pela boca e continua com o inalador em posição, enquanto seus olhos continuam examinando tudo.
— Vão... ficar bem. — Kiri acrescenta em sua voz baixa e rouca.
Ele solta o ar e vira a cabeça para olhar para ele.
— Ninguém perguntou merda nenhuma para você, seu saco de carne podre! Devia ter cortado você ao meio ontem.
Kiri ri e levanta uma das sobrancelhas.
— Pegou... um bem vivo... Kat.
Continuamos sem sobressaltos até o portão de desembarque. Quando saímos ao ar livre, sinto um zunido nervoso no estômago. Primeiro penso que é o medo sempre presente do céu aberto, espalhado sobre nós agora com sombras cinzas e púrpuras, com nuvens altas carregadas de trovões. Mas não é o céu. Eu ouço o som.
Aquele tom baixo, quase um gorjeio, como um barítono louco cantando canções de ninar. Não sei se é porque estou mais ligado nele ou se porque está realmente muito alto, mas ouço antes mesmo dos Ossudos aparecerem.
— Ah, merda, fudeu! — Izuku sussurra para si mesmo.
Eles marcham para os dois cantos da saída e formam linhas na nossa frente. É o maior número que já vi em um só lugar. Nem tinha ideia de que havia tantos deles assim, pelo menos não ali no aeroporto.
— Problema — Kiri diz. — Parecem... putos.
Ele tem razão. Tem algo diferente no comportamento deles. A linguagem corporal parece mais dura, se é que isso é possível. Ontem eles eram juízes interferindo para rever um caso. Hoje são o júri que vai anunciar a sentença. Ou talvez sejam os executores que vão executar a sentença.
— Partindo! — grito para eles. — Levando de volta! Senão eles... virão aqui!
Os esqueletos não se mexem nem respondem. Seus ossos se harmonizam em um estranho tipo de chave.
— O que... vocês querem? — pergunto.
A primeira fileira inteira levanta os braços ao mesmo tempo e apontam para Izuku. Penso no quão errado é aquilo, como aquelas criaturas são fundamentalmente diferentes do resto de nós. Os Mortos estão a deriva em um enevoado mar de tédio. Eles não fazem coisas em uníssono.
— Levando ele de volta! — grito mais alto, falhando na minha tentativa de um diálogo razoável. — Se... matar ele... eles virão aqui. Matar... a gente!
Não há hesitação ou tempo para pensar em nada do que eu disse. A resposta deles é pré-determinada e imediata. Outra vez em sincronia, como monges demoníacos cantando versos satânicos, eles emitem aquele barulho da cavidade em seus peitos. Um canto de galo orgulhoso e de convicção inabalável, e apesar de não haver uma letra, entendo perfeitamente o que quer dizer:
Não precisa falar.
Não precisa ouvir.
Os fatos já são conhecidos.
Ele não vai partir.
Nós vamos matá-lo.
Pois é como as coisas são.
Sempre foram.
Sempre serão.Olho para Izuku e ele está tremendo. Aperto a mão dele e olho para Kiri, que assente com a cabeça. Com o fluxo sanguíneo quente do esverdeado invadindo meus dedos gelados, começo a correr.
Viramos para a direita tentando escapar pelo canto do pelotão de Ossudos. Então eles se movem ruidosamente para a frente, tentando bloquear meu caminho, Kiri passa por mim e corre com sua enorme massa de músculos para cima do grupo que estava mais perto, derrubando-os em uma pilha de ossos misturados e enganchados. Uma explosão violenta daquele som de cometa deles corta o ar.
— O que está fazendo? — Izuku me pergunta enquanto o arrasto comigo. Incrivelmente estou correndo mais do que ele.
— Manter você se...
— Nem pense em falar “manter você seguro”! — ele guincha para mim. — Isso é o mais longe de estar seguro que eu já...
Ele grita quando uma mão sem pele encosta em seu ombro e o segura. A criatura abre a boca e está pronta para cravar seus dentes afiados no pescoço dele, mas pego a criatura pela espinha, arranco-a de Izuku e jogo com toda a força no chão de concreto, mas não há impacto nem ossos quebrados. A coisa parece quase flutuar, desafiando a gravidade. Suas costelas mal tocam o chão antes que se levante de novo e avance contra o meu rosto, como se fosse um terrível inseto imortal.
— Kiri — grito roucamente enquanto a coisa segura minha garganta. — Ajude-me!
Kiri está ocupado tentando arrancar esqueletos de seus braços, pernas e costas, mas parece estar se saindo bem devido ao seu tamanho avantajado. Enquanto luto para manter os dedos do esqueleto longe dos meus olhos, Kiri se arrasta até onde estou, arranca-o de mim e depois joga o esqueleto em cima de outros três que estavam tentando pegá-lo pelas costas.
— Vá — ele grita e me empurra para a frente. Depois para, vira e fica frente a frente com nossos perseguidores.
Pego Izuku pela mão e arranco com ele em direção ao nosso objetivo. E finalmente ele o vê. O Mercedes.
— Aah! — ele ofega. — Muito bem!
Pulamos para dentro do carro e viro a chave na ignição o mais rápido que consigo.
— Ah, Mercedes... — ele fala e acaricia o painel do carro como se fosse um animal de estimação querido. — Estou tão feliz em ver você.
Engato a marcha, piso no acelerador e o carro anda. Não sei como, mas tudo parecia muito fácil naquele momento. Kiri desistiu de lutar e agora corre para se salvar com uma multidão de esqueletos em sua cola. Centenas de zumbis assistem àquela cena do lado de fora da área de desembarque, todos em silêncio. O que estão pensando? Será que estão pensando? Será que existe uma chance de estarem formulando uma reação ao evento que se desenrola a sua frente? Esta explosão de anarquia no estado pré-aprovado que programa suas vidas?
Kiri corre pela rua e atravessa bem em frente à nossa rota de fuga, então piso fundo no acelerador. Kiri passa por nós, Ossudos começam a passar pela gente, e então 250 quilos de engenharia alemã explodem em seus corpos ossudos e frágeis. Eles se despedaçam, com membros voando para todos os lados. Dois ossos de perna, três mãos e meio crânio caem dentro do carro, vibrando e se revirando nos bancos, soltando suspiros secos e zumbidos como os de insetos. Izuku os joga para fora do carro e limpa as mãos freneticamente na blusa, tremendo de nojo e choramingando:
— Ai, meu Deus! Ai, meu Deus.
Mas estamos salvos. Izuku está seguro. Nosso motor ronca enquanto passamos pelos portões em direção às estradas e para o mundo lá fora. Nuvens negras de chuva vão nos cobrindo. Olho para Izuku e ele olha para mim. Nós dois sorrimos quando os primeiros pingos de chuva começam a cair.
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Warm Bodies | •BakuDeku•
Fanfiction[Concluído ✓] ━─────•●•─────━ Kat é um jovem vivendo uma crise existencial. Ele é um zumbi. Perambula por um Japão destruído pela guerra, colapso social e a fome voraz de seus companheiros mortos-vivos, mas Kat busca mais do que sangue e cérebros. E...