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Dez minutos depois a tempestade já cai p'ra valer e estamos ficando ensopados. Um conversível não foi uma boa escolha para um dia como aquele. Nenhum de nós consegue descobrir como fechar a capota, por isso dirigimos em silêncio enquanto ondas pesadas de chuva batem em nossas cabeças. Mas não reclamamos. Tentamos manter o otimismo.

— Sabe onde está indo? — Izuku pergunta depois de uns vinte minutos. Sua franja está toda empapada no rosto.

— Sei — respondo, olhando para a estrada e para o horizonte cinza escuro.

— Tem certeza? É que tive uma ideia.

— Tenho... certeza.

Prefiro não explicar como conheço tão bem o caminho entre o aeroporto e a cidade. É a nossa rota da caçada. 'Tá, claro que ele sabe o que sou e o que fazemos, mas não preciso ficar lembrando, ? Não podemos simplesmente dar um passeio de carro divertido e esquecer de certas coisas por enquanto? Nos recantos ensolarados da minha imaginação, não somos um adolescente e um morto-vivo andando de carro sob a chuva. Somos Nick e Charlie, cruzando as estradas arborizadas da Inglaterra enquanto uma orquestra em um vinil arranhado toca nossa trilha sonora.

— Talvez seja melhor a gente parar e pedir informação.

Olho para ele. Depois olho em volta para os bairros desintegrados que nos cercam, quase totalmente escuros ao anoitecer.

— Brincadeirinha! — ele diz, com os olhos aparecendo por entre os cabelos molhados em seu rosto. Ele deita no banco e cruza as mãos atrás da cabeça. — Me avise quando quiser trocar. Você dirige como uma velhinha.

A chuva que cai vai ficando empossada em nossos pés e percebo que Izuku está tremendo um pouco. É uma noite quente de primavera, mas ele está ensopado e a cabine do velho conversível é um túnel de vento. Pego a saída seguinte da estrada e entramos em um silencioso cemitério de casas de subúrbio. Izuku me olha com dúvida. Posso ouvir seus dentes batendo.

Dirijo devagar pelas casas, procurando um bom lugar para passarmos a noite. Acabo parando em uma pequena rua sem saída, ao lado de um Plymouth Voyager enferrujado. Pego Izuku pela mão e o levo até a casa mais próxima. A porta está trancada, mas sua madeira podre cede facilmente com um chute. Entramos no aconchegante e relativamente aquecido lar de uma família morta faz tempo. Há velhas lanternas Coleman espalhadas pela casa e, quando Izuku as liga, passamos a ter uma iluminação frágil, típica de um acampamento, mas que é estranhamente reconfortante. Ele anda pela cozinha e a sala, examinando brinquedos, pratos e pilhas de revistas. Ele pega um urso coala de pelúcia e olha nos olhos dele.

— Lar, doce lar — ele murmura.

Depois, pega sua mochila, tira uma Polaroide de lá, aponta para mim e bate uma foto. O flash incomoda um pouco em um ambiente tão escuro. Ele ri da minha expressão de surpresa e levanta a câmera para me mostrar.

— Parece familiar? Roubei da sala dos esqueletos ontem de manhã. — Ele me entrega a foto que acabou de sair da máquina. — É importante preservar as memórias, sabia? Especialmente agora que o mundo está caminhando para o fim. — Ele põe o olho no visor e vai girando devagar, olhando a sala toda. — Tudo que você vê, pode estar vendo pela última vez.

Chacoalho a foto em minha mão e uma imagem meio fantasmagórica começa a aparecer. Sou eu, Kacchan, o cadáver que pensa que está vivo, olhando para mim com seus olhos vermelho rubi arregalados. Izuku me dá a câmera.

— Você precisa tirar fotos o tempo todo. Se não tiver uma câmera, use sua cabeça. Memórias que você captura de propósito são sempre mais vivas do que as que se capturam por acidente. — Ele faz uma pose e diz: — Xísss!

Warm Bodies | •BakuDeku•Onde histórias criam vida. Descubra agora