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Por volta de uma da manhã os garotos começam a bocejar. Havia colchonetes na despensa, mas ninguém estava com vontade de se aventurar para fora do quarto de Izuku.

Este cubo pintado artisticamente é como um pequeno abrigo quente e acolhedor em meio ao vazio gelado da Antártida. Denki fica com a cama e Izuku e eu no chão. O loiro faz sua lição de casa por mais ou menos uma hora, então apaga a luz e logo começa a roncar como uma "delicada e pequena" serra elétrica.

Izuku e eu estamos deitados de costas sobre um fino cobertor, com pilhas de roupa dele embaixo, como colchão, por cima do chão duro como pedra. É uma sensação estranha estar completamente rodeado por ele. A essência vital dele está em tudo. Ele está em mim, abaixo de mim e ao meu lado. É como se o quarto inteiro fosse feito com ele.

- Kacchan - ele sussurra, olhando para o teto. - Tem desenhos e frases ali pintados com tinta que brilha no escuro.

- Sim.

- Odeio isso aqui.

- Eu sei.

- Me leve para algum outro lugar.

Faço uma pausa, ainda olhando para o teto. Queria conseguir ler o que ele escreveu lá. Como não consigo, finjo que as letras são estrelas e as palavras são constelações, assim como as sardas que enfeitam seu rosto.

- Aonde você... quer ir?

- Não sei. Algum lugar bem longe. Algum país distante onde nada disso está acontecendo. Onde as pessoas apenas vivem em paz.

Fico em silêncio.

- Um dos amigos mais antigos de Shoto era piloto... Poderíamos pegar seu avião-casa e ir a qualquer lugar, seria como voar em um trailer! - Ele vira de lado e sorri para mim. - O que acha, Kacchan? Poderíamos ir até o outro lado do mundo.

A excitação em sua voz me faz estremecer. Espero que ele não possa ver a sombra nos meus olhos. Não posso afirmar, mas tem algo no ar, um silêncio mortal quando passei pela cidade e suas cercanias que me diz que os dias de fugir dos problemas acabaram. A praga cobriu o mundo.

- Você disse... - começo, me esforçando para expressar um pensamento complexo. - Você disse... que...

- Força agora - ele me encoraja. - Use suas palavras.

- Você disse que... o avião não é... um mundo fechado.

O sorriso dele desaparece.

- Como assim?

- Não dá... para flutuar... acima da confusão.

Ele faz uma careta.

- Eu disse isso?

- Seu pai... caixas de concreto... paredes e armas... fugir não é melhor... que se esconder. Talvez seja pior.

Ele pensa por um momento.

- Eu sei - ele diz, e me sinto culpado por destruir a breve fantasia dele. - Sei bem disso. É o que venho dizendo a mim mesmo há anos, que ainda existe esperança, que podemos mudar as coisas de algum jeito e blá, blá, blá. Só que... está ficando muito difícil acreditar nisso nos últimos tempos.

- Sei - falo, tentando esconder as falhas na minha sinceridade. - Mas não pode... desistir.

A voz dele fica meio sombria e ele paga para ver o meu blefe.

- Por que ficou tão cheio de esperança de repente? O que está pensando de verdade?

Não respondo nada, mas ele lê o meu rosto como a manchete principal de um jornal, daquelas que anunciam a bomba atômica e as mortes de presidentes em letras maiores que vão ficando menores.

- Não tem para onde fugir, não é?

Quase imperceptivelmente, faço que não com a cabeça.

- O mundo inteiro... você acha que está todo morto? Todo dominado?

- Acho.

- Como pode saber isso?

- Não sei. Mas... sinto isso.

Ele respira e solta longamente o ar, olhando para os aviões de brinquedo pendurados acima da gente.

-O que devemos fazer então?

- Temos que... consertar.

- Consertar o quê?

- Não sei. Tudo... acho.

Ele se apoia em um dos cotovelos.

- O que você está dizendo? - A voz dele fica mais alta. Denki se vira e para de roncar.

- Consertar tudo? - Os olhos de Izuku faíscam no escuro. - E como vamos fazer isso? Se você teve uma grande ideia é hora de contar, por favor, pois eu penso nisso o tempo inteiro, literalmente. Isso queima os meus neurônios todas as manhãs e noites desde que minha mãe partiu. Como consertamos tudo? Está tudo tão quebrado, todos estão morrendo de novo e de novo, de maneiras mais sombrias e profundas. E o que podemos fazer? Sabe o que está causando isso, qual é essa praga?

Hesito.

- Não.

- Então como pode fazer algo a respeito? Quero saber, Kacchan. Como vamos conseguir "consertar" tudo?

Continuo encarando o teto. Olho para as constelações verbais que brilham verdes no espaço distante. Ali, deitado, enquanto minha mente voa até esses paraísos imaginários, duas estrelas começam a mudar. Elas viram, entram em foco e seus formatos ficam claros. Elas se tornam... letras.

T
E

- Te - sussurro.

- Quê?

- Ten... - repito, tentando pronunciar. É um som. É uma palavra. A constelação borrada está virando uma palavra. - O que... é? - pergunto, apontando para o teto.

- O quê? As frases?

Levanto-me e aponto o lugar que estou olhando.

- Esta.

- É uma frase de Imagine, a música do John Lennon.

- Qual frase?

- É fácil se você tentar.

Fico ali parado por um minuto, olhando para cima como se fosse um intrépido explorador do cosmos. Então me deito, coloco as mãos atrás da cabeça e abro bem os olhos. Não tenho respostas para as perguntas dele, mas posso sentir que elas existem. Pequenos pontos de luz na escuridão distante.

Warm Bodies | •BakuDeku•Onde histórias criam vida. Descubra agora