Meu nome é Shoto Todoroki e este é meu último dia de vida.
É uma sensação estranha acordar com essa consciência. Lutei com o alarme a minha vida toda, apertando o botão de soneca repetidamente com pena de mim mesmo até que a vergonha finalmente fica grande o suficiente e me faz levantar. Apenas nas manhãs mais claras, aqueles raros dias de energia, propósito e razões claras para se viver que eu acordava com facilidade. É estranho que eu faça o mesmo hoje.
Izuku resmunga quando saio de seus braços arrepiados e me levanto da cama. Ele puxa a minha metade das cobertas para ele e se vira para a parede. Ainda vai dormir algumas horas, sonhando com paisagens intermináveis e estrelas coloridas, maravilhosas e assustadoras. Se eu ficasse, ele acordaria e descreveria tudo para mim. Todas as tramas com reviravoltas e imagens surrealistas, tão vívidas para ele quanto sem sentido para mim. Houve um tempo que eu adorava ouvi-lo, quando achava a comoção da alma dele agridoce e linda, mas não consigo mais aguentar. Me inclino para dar um beijo de tchau nele, mas meus lábios congelam e me afasto. Não posso. Não posso. Vou entrar em colapso. Saio sem tocar nele.
Hoje faz dois anos que meu pai foi esmagado pelo muro que estava construindo, e me tornei órfão. Tenho sentido a falta dele há setecentos e trinta dias e muito mais que isso da minha mãe, mas amanhã não sentirei mais. Penso nisso enquanto desço as escadas estreitas do meu lar adotivo, esta bagunça de pessoas descartadas, e saio para a cidade. Pai, mãe, meu avô, amigos... amanhã não sentirei falta de ninguém.
É cedo e o sol mal aparece sobre as montanhas, mas a cidade já está totalmente acordada. As ruas estão cheias de trabalhadores, reparadores, mães empurrando carrinhos e mães adotivas levando filas de crianças como se fossem gado. Em algum lugar distante, alguém toca um clarinete. Suas notas trêmulas voam pelo ar da manhã como o canto dos pássaros e, mesmo assim, não quero ouvir. Não quero ouvir música, não quero que o nascer do sol seja rosa. O mundo é uma mentira. Sua feiura é deprimente, e os fiapos de beleza só pioram as coisas.
Vou até o prédio administrativo que fica na Rua da Ilha e falo para a recepcionista que tenho uma reunião marcada às sete com o General Yagi. Ela me leva até o escritório e fecha a porta depois que entro. O general não levanta a cabeça dos papéis que está olhando. Ele levanta um dedo para mim. Fico em pé esperando e deixo meus olhos vagarem pela sala. Uma foto de Izuku. Uma foto da mãe de Izuku. Uma foto gasta dele e do Coronel Aizawa em uniformes do exército dos EUA, fumando em frente ao céu de Nova York repleto de aviões. Perto dele tem outra dos dois fumando, mas olhando para uma Londres bombardeada. Outra de Paris bombardeada. Uma de Roma fumegante.
Finalmente o general põe a papelada de lado, tira os óculos e olha para mim.
- Sr. Todoroki.
- Senhor.
- Sua primeira missão de resgate de coisas como líder da equipe.
- Sim, senhor.
- Acha que está pronto?
Minha língua estala enquanto imagens de cavalos, violoncelos e lábios vermelhos em uma taça de vinho passam pela minha cabeça, tentando me tirar do curso. Eu as queimo como filmes antigos.
- Sim, senhor.
- Ótimo. Aqui está seu passe de saída. Procure o Coronel Aizawa no centro comunitário para saber quem serão os membros de sua equipe.
- Obrigado, senhor - Pego os papéis e me viro para sair, mas paro bem na porta.
- Senhor? - Minha voz falha, mesmo tendo me prometido que não deixaria isso acontecer.
- Sim, Shoto?
- Permissão para falar sinceramente, senhor?
- Pode falar.
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Warm Bodies | •BakuDeku•
Fanfiction[Concluído ✓] ━─────•●•─────━ Kat é um jovem vivendo uma crise existencial. Ele é um zumbi. Perambula por um Japão destruído pela guerra, colapso social e a fome voraz de seus companheiros mortos-vivos, mas Kat busca mais do que sangue e cérebros. E...