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— Precisa virar mais rápido. Você quase sai da pista quando vira à direita.

Aperto a pequena direção de couro e piso fundo no acelerador. O Mercedes dá um salto para a frente, jogando nossas cabeças para trás.

— Meu Deus, você é um pé de chumbo. Não pode pisar mais leve nesse acelerador?

Paro bruscamente, me esqueço de pisar na embreagem e o motor morre. Izuku gira os olhos em desaprovação e se esforça para transparecer paciência em sua voz.

— Certo, observe. — Ele liga novamente o carro, vem para o meu lado e coloca as pernas entrelaçadas com as minhas, com os pés ficando sob os meus. Com a pressão dele, solto a embreagem aos poucos, ao mesmo tempo em que pressiono o acelerador, fazendo o carro deslizar suavemente para a frente.

— Desse jeito — ele fala e volta ao assento do passageiro. Solto um chiado de satisfação.

Estamos rodando pelas pistas, de lá para cá e daqui para lá, sob o sol do meio da tarde. Nossos cabelos se agitam ao vento. Aqui, neste momento, dentro dessa caranga 64 vermelha brilhante com um belo garoto ao meu lado, não consigo deixar de me transportar para uma vida diferente. Uma vida mais cinema clássico. Minha mente voa e perco o pouco foco que em geral consigo manter. Saio da pista e acerto o para-choque de um caminhão-escada, desalinhando o círculo da igreja dos Ossudos. O impacto joga nossas cabeças para o lado e ouço os pescoços dos meus pais estalarem no banco de trás. Eles grunhem em protesto e eu faço “Ssshhhhh!” para eles. Já estou bastante envergonhado e não preciso que eles joguem isso na minha cara. Izuku examina a frente do carro e sacode a cabeça em desaprovação.

— Que droga, Kacchan. Era um belo carro.

Minha mãe se inclina para a frente em outra tentativa desajeitada de morder o ombro de Izuku, mas eu estico a mão e dou um tapa nela. Ela encosta de novo em seu assento com os braços cruzados e faz beicinho.

— Nada de morder! — Izuku repreende, ainda inspecionando os danos do carro.

Não sei porque decidi trazer meus pais para a aula de direção de hoje. Izuku já está tentando me ensinar faz alguns dias, e hoje senti uma necessidade obscura de ser família. De transmitir conhecimento. Sei que não é algo muito seguro. Mas meus pais não são muito jovens para conseguir reconhecer os padrões de fala dos Vivos, e muito menos sentir o aroma deles como eu faço. Além disso, refiz várias vezes a repulsiva camuflagem de Izuku, mas tão perto assim, a verdadeira natureza dele ainda escapa no ar. De vez em quando meus pais conseguem sentir seus instintos lentos e já muito atrofiados tomando conta. Tento discipliná-los “amorosamente”.

Quando fizemos a volta e seguimos em direção ao nosso terminal, Percebo a congregação emergindo do portão de um terminal de carga. Como uma procissão de funeral invertida, os Mortos marchavam solenemente em fila, com passos lentos e pesados, em direção à igreja. Um grupo de Ossudos liderava a romaria, se movendo para a frente com muito mais propósito do que qualquer um dos que ainda tinham carne. Eles eram os poucos dentre nós que pareciam sempre saber exatamente onde estavam indo e o que iriam fazer. Eles não hesitam, não fazem pausas ou mudam de direção, e seus corpos não evoluem nem apodrecem mais. Eles são totalmente estáticos. Um deles olha diretamente para mim e me lembro de uma gravura da Idade Média que vi uma vez de um cadáver apodrecido zombando de uma jovem virgem gordinha.

Quod tu es, ego fui, quod ego sum, tu eris
O que você é, eu já fui um dia.
O que sou, você se tornará.

Desvio os olhos do olhar vazio do esqueleto. Enquanto passamos devagar ao lado da fila deles, alguns dos Carnudos nos lançam olhares desinteressados, e então vejo minha irmã entre eles. Ela está andando ao lado de um jovem que parece mais novo que eu e eles estão de mãos dadas. Meus pais a veem na multidão e ficam em pé no banco traseiro, acenando e grunhindo alto. Izuku olha para o mesmo lado e vê minha irmã acenando para eles, e então se vira para mim.

Warm Bodies | •BakuDeku•Onde histórias criam vida. Descubra agora