Capítulo 2

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               Oito meses depois em 1976 eu estava me casando com o Pedro. Eu tinha apenas 18 anos, eu devia ter escutado minha mãe que durante os oito meses, todos os dias ela falava sem parar que era muito cedo para me casar e que eu era inteligente e devia estudar, ela fazendo os bolos e doces para as festas e meu pai com o trabalho de mecânico fariam de tudo para que eu tivesse uma boa formação, meu sonho era ser advogada, uma coisa quase impossível para minha classe social naqueles tempos.

Então como eu havia dizendo, oito meses depois estava casada e ali naquela casinha apertada, um quarto, cozinha e um banheiro improvisado nos fundos da casa da família de Pedro.

Vivi o inferno na terra.

               Por várias vezes quando o botijão de gás da mãe dele acabava, um dos irmãos dele entrava sem permissão em minha casa e pegava o meu botijão e levava, quando eu reclamava, dona Alice a mãe dele vinha com toda autoridade e dizia que eu morava lá de favor, o "empréstimo" do botijão era como se eu e Pedro pagássemos o aluguel a eles.

Pedro quando chegou do trabalho, não encontrou o jantar e nós fomos para casa de meus pais para comer, no dia seguinte ele pegou dinheiro emprestado com um amigo dele e chegou com um novo botijão.

A irmã dele me ignorava, eu não tinha um laço de amizade com ela, nem conseguia me aproximar e conversar, ela gostava era da antiga namorada de Pedro, tinha raiva por ele ter terminado com ela por minha causa. A irmã de Pedro chamava a ex dele para sair, para jantar lá, passear aos domingos...

Um tormento também era o irmão do Pedro, o Jorge, ele andava com uma turma esquisita, eu me lembro uma vez que eu coloquei meus lindos lençóis bordados do meu enxoval que minha avó havia me dado com muito esforço, lavei-os e coloquei no varal e fui até a padaria, quando voltei olhei na direção do varal e não havia mais nada lá, meus olhos se encheram de lágrimas.

Depois fiquei sabendo que Jorge que foi o ladrão e trocou meus lençóis por uma vitrola.

Sempre a mãe de Pedro, dona Alice, uma viúva autoritária, vinha até minha casa me pedir carne, arroz ou feijão "emprestado", pediu coisas que ela jamais me devolveu e aí de mim se não tivesse dado, ouviria desaforos e mais desaforos.

                          Um dia cansei daquilo tudo, coloquei umas roupas numa sacola, deixei um bilhete para o Pedro e fui para a casa dos meus pais, decidida a nunca mais voltar para aquela casinha feia nos fundos da sogra.

Pedro ia todos os dias na casa dos meus pais e nós discutíamos muito, minha mãe interferia dizendo que eu estava de cabeça quente e era para ele me dar um tempo, que eu era imatura e ela iria me convencer a voltar (para o inferno).

Infelizmente tive que voltar para lá mesmo.

Minha mãe fez um caldo de mandiocas e eu ao ver meu prato cheio corri para fora de casa com o estômago embrulhado, muito enjoo, senti minhas pernas bambas, como havia acontecido em outros dias.

Eu descobri que estava grávida e tive que voltar para minha casa.

Chorava todos os dias, inconformada com meu destino.

Mas na verdade eu sabia que não haveria outro jeito, eu uma mulher negra, sem estudos naquela época e ainda por cima as mulheres separadas eram tratadas com desprezo, a separação do marido era algo inaceitável, "coisa de outro mundo".

Eu amava Pedro e muito, ele era tudo para mim, mas eu não queria viver ali naquela casinha feia e apertada nos fundos da minha sogra.

Pedro me abraçava bem apertado todas as noites e dizia que a nossa vida iria melhorar, era só uma questão de tempo, era para eu ter calma, paciência com os parentes dele, principalmente com a mãe dele.

Quando eu ficava nervosa ele me abraçava e sempre dizia que ia arrumar dois empregos, o outro seria à noite, de vigia, porteiro em algum prédio, ou alguma fábrica, mas isso nunca acontecia. Eu não o via procurando nada.

Eu tinha vergonha quando parentes iam me visitar, a Branca e Letícia sempre que me viam marcavam de ir até minha casa e eu sempre inventava uma desculpa para elas nunca irem.

A Branca e a Letícia elas sim foram espertas.

Branca, dois anos depois de mim se casou com um sargento bonitão, ela sim conseguiu um sargento, os dois foram para o Rio de Janeiro, ela sempre me escrevia e contava sua vida de princesa nas cartas e eu mentia falando sobre mim, sempre mentia.

Já a Letícia custou a se casar, mas estudou, trabalhou em casa de família fazendo serviço de doméstica, fez um curso e conseguiu ser uma enfermeira da Santa Casa.

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