- 02

63 14 0
                                    

K I N A — 9

O elevador desce com baldes, sacos plásticos, garrafas, absorventes, rolos de papel higiênico, cigarros e algumas cartelas de remédio pra diabetes, dor e pra antidepressivos.

— Esse é nosso banheiro? — o Três pergunta, agoniado, assim que vê as coisas descendo. Ele pega tudo muito rápido.

— Sim. — o número Sete responde, então o Três sai correndo. Muitos vão pegar os baldes e as coisas que precisam e vão até seus quartos usá-las. Estão desesperados.

— Licencinha! — a número Oito empurra meu corpo de uma maneira delicada, pega um maço de cigarro e um isqueiro— É o necessário. — ela sorri para o Seis de maneira maliciosa, que a acompanha até um banco mais afastado.

— Babacas. — a Dois fala — Dou dois dias pra ele comer ela. — ela vai até o elevador, pega um absorvente, um balde, um rolo de papel higiênico, alguns sacos plásticos e vai em direção ao seu quarto sem olhar pra ninguém.

— Eu dou um dia. — vejo alguém aparecendo no meu campo de visão. É o número Sete.

Seu cabelo tá pra trás e ele ajeita seu óculos. Ele é alto, tem um físico em dia e sua boca é carnuda. Aparenta ser o mais inteligente do grupo, ao julgar por todas as decisões que ele já tomou desde que nos encontramos.

— Acho que ela da pra ele hoje.— sorrio. Ele vai até o elevador, pega um cigarro, um isqueiro e acende. Agora não estamos do lado um do outro, ele está na minha frente — Ela é esperta de ficar com ele. Se não pode contra eles, junte-se a eles. — ele sorri.

— Tem razão. — ele puxa e depois assopra a fumaça, tomando cuidado para não acertar meu rosto — Você não vai pegar nada? — ele analisa o elevador por cima do ombro. Permaneço calada, apenas olhando para o elevador.

A questão é que eu pedi alguns antidepressivos, mas gostaria de pegar sozinha, sem ninguém vendo.

—Me sinto sem noção. — assumo— Todos estão gastando tempo preocupados com necessidades reais e urgentes, enquanto eu estou preocupada em não ficar triste. — sorrio fraco.

— Cigarro não é uma necessidade, a gente até vive sem ele.— ele joga o cigarro que estava em sua boca no chão pisa nele — Sem esses remédios não.— ele pega as embalagens e me entrega, de maneira gentil.

— Obrigada. — agradeço com um sorriso. Nós dois vamos até o elevador, pegamos o resto das coisas que precisamos e subimos pro quarto ao mesmo tempo.

— As escadas podiam ser menores. — brinco assim que passamos pelo quinto andar. Dessa vez ele não ri, então finjo que não acabei de passar essa vergonha.

Acho que ultrapassei o limite do nosso coleguismo.

— Não pode ser tão ruim assim. — ele ajeita os óculos de novo e eu me sinto aliviada pela resposta— Acredito que as pessoas dos andares de cima tenham algum benefício. — ele comenta — Não tem porque eles colocarem a gente aqui, ganhando dinheiro assim, sem nada pra atrapalhar.

— Você diz atrapalhar a nossa convivência? — chegamos no andar sete, então paramos.

— Sim. — ele responde. Fico alguns segundos pensando, até que ele volta a falar — Agora, eu vou...

— Ah...— sorrio — Tudo bem. Obrigada. — agradeço de novo. Ele fecha a porta depois de um sorriso e eu volto a subir sozinha.

Que constrangedor saber que todos devem estar fazendo suas necessidades agora. Dentro do próprio quarto. Eca.

Quando chego no meu quarto, volto a pensar no que o Sete disse. Ele tem razão. Não faz sentido pessoas nos darem dinheiro atoa, sem que briguemos ou sem condições absurdas.

Deixo minhas coisas em um canto do quarto e pego apenas um comprimido. Bebo ele sem água e volto a observar o painel. É muito dinheiro, dinheiro que eu jamais ganharia com qualquer trabalho.

Plim.

Me assusto com um barulho. O elevador se abre e mostra 13 marmitas e 9 garrafas de água. Pego uma marmita e uma garrafa, pensando que todos devem comer também. Tento fazer com que o elevador desça, mas não acho nenhum jeito.

— Isso desce? — me viro de costas, perguntando pra câmera, e quando viro para o elevador, ele já está descendo — Tudo certo então.

Devoro a marmita como se não comesse a dias, o que é verdade, porque mal tinha dinheiro para comprar comida. Ela está morna, tem arroz, carne, salada...tudo que um ser humano precisa. É uma das comidas mais gostosas que já comi.

Quando termino, um barulho me chama atenção.

Sempre tem um barulho. Acho que nunca vou ficar em paz aqui.

— Se você pegou doze marmitas, devia dividir! — o número Três grita com a Oito quando abro a porta. Desço rapidamente, porque isso pode ter sido um erro meu.

Tenho certeza que aquele elevador desce com as marmitas, porque ela não mandou pra baixo também?!

Todos estão lá embaixo. E estão irritados.

Eu não ligo pra comida. Eu como uma vez por dia. — a Oito fala quando eu chego.

— Gente, eu mandei doze marmitas e oito garrafas de água pro andar debaixo. — comento, quase desesperada enquanto recupero o fôlego. O Sete olha pra mim, meio decepcionado com toda a situação — Vocês não receberam?

— Não. Houve um mal entendido e a Oito ficou com todas achando que o resto também recebeu. — a Cinco fala sorrindo. Ela sempre é tão alegre que me deixa desconfiada — Oito, você pode dar o que sobrou pra gente?

— É claro...— ela responde de um jeito duvidoso — Vamos pro meu quarto.

[...]

Todos se assustam quando entram no quarto dela. Ficam boquiabertos, maravilhados, mas eu não.

— Tem alguma coisa de errado. — falo — Esse quarto é menor que o meu.

Então o clima do quarto pesa mais ainda. Agora eu sou o centro das atenções.

— O quê?

THE 8 SHOW - número nove.Onde histórias criam vida. Descubra agora