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K I N A — 09

O Um amarrou todos nós como se fossemos uma plateia esperando uma apresentação, e é exatamente isso que estamos fazendo, porque ele pintou seu rosto como de um palhaço e comprou várias coisas de circo.

Ele passa por nós com um monociclo e vai até um microfone que ele comprou. Observo a reação das pessoas e foco principalmente no Seis, que está sentado todo desajeitado. Deve estar morrendo de dor depois que foi castrado. Em outras ocasiões eu riria.

— Senhoras e senhores, obrigado pela paciência. Vou apresentar uma performance jamais vista na vida de vocês.

Ele vai até uma corda, a puxa e de repente começa a subir. Ele vai parar quase no teto, em cima de uma plataforma que está em frente a uma corda bem fina. A Cinco, com seu espírito de mãe, fica muito inquieta e assustada, mas eu evito de olhar pra ele, com medo que caia.

Com uma vareta bem grande na mão, ele sobe na corda e ela balança. Assim como os outros, fico boquiaberta e completamente assustada como que vai acontecer. O Um perdeu todo o seu dinheiro e enlouqueceu, disso nós sabemos, mas se ele morrer...a situação fica ainda pior.

Ele caminha pela corda e parece estar nervoso. Meus olhos passam por todo o local procurando uma única coisa: minha mãe. Ela sumiu. Acho que com o choque que estou tendo vendo o Um arriscando sua própria vida, minha mente voltou ao normal e apagou essa minha alucinação.

— Não, Um!

— Toma cuidado!

— Um, isso é perigoso! Para!

Ele pisa errado na corda e sua vareta cai. Abaixo a cabeça, completamente incapaz de ver seu corpo caindo para a morte, mas não escuto barulho algum.

— Ele 'tá vivo, porra. — a Dois fala.

Gritos pedindo que ele desça ecoam no ar, e minha voz está entre eles também. Nesse momento, se o Um quiser ficar com todo o meu dinheiro eu sou capaz de dar.

Ele volta a subir na corda e para do outro lado da plataforma. Seus olhos param no painel, e então eu olho: de 100 horas, o painel passou pra 320 horas.

— Ele quer conseguir mais tempo?! —o Três praticamente afirma.

— Ele quer conseguir mais dinheiro!— respondo.

— O que a gente faz? — a Cinco pergunta desesperada. Ele atravessa a corda, vira a corpo e para de frente pra gente.

Seu rosto está diferente, parece mais velho, desgastado e está assustador. Ele dá um sorriso tenebroso antes de começar a pular. Ele pula muito, muito alto, diversas vezes. Ele pula tão, mas tão alto que chega até o projetor que fica no teto, o agarra e não consegue mais desgrudar.

O Um vai cair. Ele vai morrer.

— Alguém ajuda ele! — a Cinco grita, mas é impossível, estamos todos presos, nunca chegaríamos até lá.

É muito difícil de enxergar o Um nessa distância, mas consigo ver seu corpo balançando, como se estivesse agonizando. O projetor começa a cair e sinto minas pernas tremerem. Olho para o lado e vejo o Sete boquiaberto, a Oito e o Seis rindo. Do outro, escuto gritos e vejo lágrimas nos rostos das pessoas.

O projetor cai e espalha fogo pelo chão. Automaticamente tiro os pés do chão e olho para cima. O Um está lá: tentando na corda.

— Se segura Um...

Na minha vida, já tive um contato com a morte: a minha mãe. Ela se foi, mas eu ainda aproveitei minha vida com ela, antes da sua morte. Em alguns casos a morte é assim, não dá aviso breve. Hoje, por exemplo, o Um estava preso, foi liberto, tentou mudar de quarto, perdeu seu dinheiro e agora está caindo para a morte.

O Um cai. Não sei porque, mas cai, diretamente pro fogo. Quando escuto o barulho dos ossos se quebrando, olho para o lado. Em um canto bem distante, o vejo com roupas brancas e sorrindo, é mais uma das minhas alucinações. Sua roupa está molhada, como se ele tivesse jogado em si mesmo para apagar o fogo.

Ele me dá um sorriso. Pisco algumas vezes, e então, ele some.

Os gritos de desespero me tiram da minha transe. O Três consegue se soltar e corre até ele. Na tentativa de se soltar também, a Dois acaba caindo no chão.

Nunca me considerei uma pessoa forte, mas agora me sinto uma. Faço toda a força que meu corpo aguenta e me solto. A cadeira cai no chão, junto com a corda. Tiro minha blusa e começo a apagar o fogo. De repente, o Sete e a Dois estão do meu lado. Não consigo mais escutar barulho nenhum.

O Três desamarra a Cinco, provavelmente por ser enfermeira.

— Ele precisa de um hospital! Ele não pode ficar aqui! — o Um geme de dor.

A Dois toca meu ombro e vai correndo pra porta. Vou atrás dela e nós tentamos abrir com chutes, socos e gritos, mas nada.

— Isso não vai acabar! — o Três grita. Ele corre até a mesa de armas e atira em uma das câmeras.

— Dois! — toco seu ombro e ela me olha assustada — As câmeras!

Corremos até a mesa de arma e eu pego um taco. Procuro todas as câmeras e quebro a maioria que eu posso. A Dois também faz o mesmo. Quebramos todas em segundos. Pelo menos achamos que quebramos.

O elevador se abre, revelando ter mais uma câmera lá dentro. Do oitavo andar, o Três aponta pro elevador, e sem pensar duas vezes eu entro nele. Bato o taco contra a câmera, mas ela não quebra, então tento chutar. Grito de dor quando percebo que meu pé torceu, provavelmente quebrou. É uma dor muito forte, mas não se compara a dor que o Um sente agora.

A Dois se aproxima com uma arma e a joga no chão fazendo ela deslizar até mim, procuro o Três e ele está descendo as escadas sem a arma, deve ter jogado ela de lá. Com dificuldade de chegar até ela, eu pego a arma e aponto pra câmera.

Quando cheguei até aqui e vi a quantidade de dinheiro que ganhava por minuto, achei que esse lugar era um paraíso. No começo, todos, menos o Seis, foram legais comigo, e eu acabei criando um carinho muito grande pelos andares de baixo. Desde sempre o Um foi muito atencioso comigo, e eu sabia que ele precisava muito mais desse dinheiro do que qualquer um de nós.

Assim como a vida no geral, esse jogo é completamente injusto e doloroso. Todos nós vivemos no extremo, vimos coisa que não queríamos ter visto e fizemos coisas que não queríamos fazer.

Estar aqui nesse momento, vendo o Um morrer, com o pé quebrado e com uma arma na mão, prestes a atirar, não é uma coisa que eu queria fazer.

Mas eu preciso, então faço.

Fecho meus olhos e aperto o gatilho.

THE 8 SHOW - número nove.Onde histórias criam vida. Descubra agora