XVIII. Vítimas

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Emily:

Há minutos atrás com William nos seus aposentos, eu me senti completa. Toda a insegurança havia desvanecido. E agora, adiante daquela estranha, a insegurança regressou áspera e dolorosamente. Percebi que não era uma "visita" como eu... ela vivia ali, com ele.

Estava atônita sob a mira de sua atenção rancorosa, sobrecarregada de um sofrimento antigo e silencioso. Ela se aproximou para a luz da vela, o solado dos pés descalços tocando leves no carvalho, como uma assombração; e eu senti calafrios com sua aparência doentia.

Havia algo de muito mórbido nessa menina, era magra, somente pele e osso. A camisola branca era longa e sobrava, esvoaçava no corpo frágil. Os cabelos loiros eram opacos e finos, carecia de saúde. As olheiras profundas complementavam o semblante fantasmagórico, em volta dos olhos ausentes de vida. A pele era tão branca que tornava possível ver o emaranhado de artérias, porém, o mais assustador estavam nos hematomas. Por toda as áreas visíveis especialmente no pescoço: muitos cortes, pequenos e grandes, novos e velhos, cicatrizes mais profundas que as minhas.

William se alimentava do sangue dela... Não dava pra acreditar. Eu juro que fui arrebatada por uma terrível vontade de chorar.

- Marília disse ao senhor Skarsgård que mataria Emily se Emily voltasse. - pronunciou, me encarando, o queixo quase tocando no tórax mas seu olhar penetrado em mim. Era mais alta que eu apesar de parecer mais nova. Recuei um passo.

- Quem é Marília?

- Eu.

- Você quer me matar, Marília? - ousei questionar, procurando soterrar o temor. Por que teria medo dela? Apesar da aparência, não deveria me intimidar. Ela falava em terceira pessoa, nunca deve ter saído da casa, me parecia uma prisioneira do William. - A gente acabou de se conhecer.

- Emily conheceu Marília agora. Mas Marília já sabe da Emily.

- O que você sabe da Emily? Digo, de mim.

- Sei que o senhor Skarsgård trouxe Emily para cá e quase matou. Eu queria que tivesse matado.

Eu achava meu relacionamento com William peculiar... E pelo jeito, o relacionamento dele com a Marília beirava o grotesco. Tentava, com dificuldade, ignorar as pontadas desagradáveis de ciúmes, porque não era sensato, não fazia sentido. Estava óbvio que ela era vítima dele.

- Você é o que do senhor Skarsgård?

- Marília é namorada do senhor Skarsgård. - afirmou, sem atenuar sua fisionomia de intensa fúria à minha pessoa.

- Ah, é? - provoquei, cruzando os braços. - Você namora com ele??

Na minha mente, era impossível William ter algo com aquela criatura. Porém, os cortes na pele me diziam o contrário... eu sabia como ele ficava ao ingerir sangue, excitado, ansioso, faminto. Era impossível não imaginar a sua boca no pescoço dela, os braços ao redor do seu corpo, a tomando como ele me tomava. E isso me enojava, me causa a algo cáustico no estômago.

- Marília e senhor Skarsgård são mais que namorados, são cúmplices e aliados, até a morte, parte um do outro!

O jeito que se expressou me irritou profundamente. Expirei o ar pelas narinas e arregalei os olhos, precisava me controlar.

- Se você fosse alguma coisa do William, ele teria me falado. Mas engraçado, que você deve ser tão insignificante na vida dele, que nem sequer lembrou de citar sua existência pra mim.

A expressão mortuária e colérica de Marília aumentou, as pálpebras abriram ainda mais, os lábios franziram e as veias do pescoço se tornaram nítidas, elevando sob a pele.

- Isso acontece porque Emily não é nada do senhor Skarsgård para ter intimidade e proximidade a ponto de ele revelar seus segredos! - gritou contra minha face, me fazendo dar outro passo pra trás.

- Você tá enganada. - rebati, no fundo me perguntando a razão de dar trela. Me sentia discutindo com uma criança de doze anos. - Acho que você não passa de um alimento, que ele pega e tira o sangue quando tem fome, e depois descarta!

Eu deveria saber que a discussão ridícula terminaria mal. Com certeza, a menina não possuía princípio nenhum, sua vida se baseava no William. Minha provocação causou uma reação. Em um único segundo, abriu a gaveta ao lado e arrancou uma faca enorme, pontuda e afiada. No segundo seguinte, ergueu-a acima da cabeça, de ponta para baixo, decidida a me apunhalar.

Eu prendi a respiração e paralisei, desacreditando que estava adiante de minha possível morte. Não! Não morreria nas mãos daquela maluca! Inesperadamente, mostrando os dentes feito uma fera, pulou pra cima de mim descendo o punho. Foi tão rápido que eu esquivei por instinto, sem pensar direito, caindo pra trás.

- NÃO!! - gritei, ao me ver no chão da cozinha, recuei empurrando-me com os pés. - WILLIAM!!

Chamei por ele na esperança de ser socorrida. Marília tentou mais um golpe, desferindo a faca na minha direção no assoalho, eu fechei os olhos e rolei para direita, saindo de seu alcance novamente. A faca acertou o carvalho, fincando.

- AAAAHHHH!!! - ela gritou alto, um berro espectral e bizarro que me deixou aterrorizada, ao fazer força para puxar a lâmina de volta.

Espantada, segurei numa cadeira qualquer para ter apoio para me levantar, quando a vi correndo para a terceira punhalada. Como eu não havia me levantado o suficiente, trombei para trás e Marília se jogou contra meu corpo, enfim me acertando! Por incrível que pareça, eu não senti nada. A adrenalina era tamanha que apenas a empurrei, seu corpo frágil caiu pra trás.

- Desgraçada... - rosnei, com uma estranha fraqueza me tonteando e uma névoa escura surgindo adiante da visão.

Cambaleante, sentei-me sobre Marília, que estava largada ao chão. Montei nela, peguei um punhado de seus cabelos com as duas mãos, ergui sua cabeça e forcei-a  para o piso, fazendo seu crânio chocar-se brutalmente.

E então eu vi o sangue. Enchiam minhas mãos, não eram dela. Eram meus! Esbugalhei os olhos, larguei seus cabelos, trêmula. Abaixei a atenção para mim mesma e vi a faca enfiada poucos centímetros abaixo de meu ombro, atravessando o tecido do roupão. No desespero, peguei o cabo e puxei. Engasguei, fraca e debilitada, a névoa sombria se expandiu.

Também fraca pela pancada na cabeça, porém não desiste, Marília aproveitou e agarrou meu pescoço prontamente, deu impulso e mudou a posição, indo para cima de mim.

Eu me entreguei... iria morrer, estava sangrando, estava perdendo minha consciência. Vi o seu rosto bravio, que apesar de tudo, chorava de revolta enquanto me esganava.

Eu tossi, a traquéia se fechava e o ar findava. Agora era ela que montava em mim, e sob seu corpo leve eu a vislumbrei enlouquecida, furiosa, me apagando para sempre em nome de sua obsessão por William.

Obsessão de Sangue || Bill Skarsgård ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora