Os dias finalmente tem se passado mais devagar. Nunca achei que comemoraria isso antes das férias.
Glimmer e Scorpia me ajudaram muito esses últimos tempos, juntamente com as sessões de terapia que comecei a fazer. Todo esse acolhimento (que antes parecia tão irreal para mim) se tornou a chave para que, aos poucos, eu vou adquirindo a autoaceitação. Já não me sinto mal ao confessar para mim mesma que gosto de garotas, mas ainda sinto um receio das pessoas saberem. Scorpia disse que isso é normal e só o tempo resolve, que vai de cada pessoa.
É claro que isso não significa que eu esqueci a Adora completamente, na verdade, eu não esqueci nem mesmo um pouquinho. Não é possível esquecer o seu primeiro amor e melhor amiga de infância tão facilmente. Mas isso seria bem mais difícil sem o apoio que eu recebi.
[...]
Chego na escola respeitando o meu ritual de sempre, cravado as sete da manhã.
Entro na sala e já estão todos lá, com exceção do professor. Sinto uma dor no peito ao ter que desviar o caminho quando, por costume, me direciono até uma carteira vazia ao lado de Adora.
Fingi costume e fui até o meu atual lugar. Confesso que isso ainda é muito estranho para mim.
A sala continua quieta, não completamente, mas bem mais quieta e vazia do que costumava ser até mês passado.
— Eai, Catra? Como você tá?— Glimmer perguntou baixinho
[...]
A primeira aula sempre é a mais rápida. Em uma piscada, já estamos no final.
— Ah, pessoal, antes que eu me esqueça! — Começou o professor — O baile de fim de semestre está marcado para o final do mês que vem, os cargos de voluntários estão abertos, mas lembrando que a prioridade das vagas é para quem está precisando de nota!
Ser "voluntário" de festas como essa nunca são tarefas que os alunos se oferecem para fazer, por isso, a escola decidiu que isso irá valer uma parcela da nota de recuperação.
— Catra, pode vir aqui por favor? — O professor perguntou e eu me levantei devagar, um tanto tomada por contrangimento por ter recebido a atenção de todos da sala. O professor, notando a situação, tratou de falar baixo de forma com que só eu escutasse.
— Catra, suas notas abaixaram muito — Comentou — Você vai ter que se voluntariar a alguma coisa.
Suspirei e assenti, logo pegando um crachá qualquer da mesa, apenas verificando para confirmar que eu não peguei o de "limpeza", eu odiaria ter que fazer isso.
Acabei pegando o da organização do palco. Não parece tão ruim.
— Deu sorte — Glimmer falou — Essa é a vaga mais legal, mas só tem duas delas e é a mais disputada
Dei um sorriso, mas não era como se isso fosse um enorme prazer. Qualquer um dos cargos é chato, eu só preciso de nota mesmo.
(...)
Senti um alívio ao ouvir o sinal que indica a hora da saída, uma das melhores sensações do dia.
A última a chegar e a primeira a ir embora. Um ótimo exemplo, Catra.
Logo de cara, já fui pega de surpresa ao ver Scorpia e Perfuma dando ao máximo em suas demonstrações de carinho sem parecerem muito chamativas.
Mas, infelizmente, vivemos em uma realidade que até andar de mãos dadas com alguém do mesmo sexo é considerado um escândalo.
— Hey, Scorpia — Uma voz masculina desconhecida apareceu a chamando — O que você acha do corte do cabelo do meu amigão — Apontou para o seu órgão genital — Se quiser eu te passo umas dicas de estilo para você ter um igual.
Ele estava acompanhado de um grupo consideravelmente grande. É incrível como esses tipos de pessoas nunca tem coragem de agir sozinhos, é sempre necessário um bando para encorajá-lo com risadas e zombarias.
O que só prova que, no fim, o real covarde é o que insulta.
— Que tal eu te passar umas dicas básicas de como agir como um ser humano normal? Será que é muito difícil parar de pensar com a cabeça de baixo? — Scorpia retrucou colocando a mão na frente da Perfuma por instinto.
A mais baixa, por sua vez, parecia atordoada.
— S... Sai fora, eu não sou viado! — Exclamou ofendido.
— Mas eu não disse nada disso! Parece que temos um menininho inseguro aqui... — Continuou
Acho que aquilo foi o gatilho para os meninos vazarem dali e estampar uma inédita expressão de constrangimento e fúria nos olhos do garoto que as insultou. É impagável a cara que ele fez.
Tratei de ir cumprimentar a maior após presenciar tal evento.
— Scorpia! Você mandou muito bem, sério...
Ela não pareceu tão feliz, mas sorriu tímida em agradecimento. Perfuma parecia preocupada, mas esforçou uma cara feliz.
— Valeu, Catra
(...)
Nem sempre é fácil.
Uma das milhares de partes ruins de me afastar da Adora, é que ela é a minha vizinha, então traçamos o mesmo caminho todas as vezes para voltar para casa.
Fui obrigada a observar o seu caminhar rápido proporcional com o seu rabo de cavalo alto balançando conforme seus passos durante todo o percurso.
Há tempos que eu não vejo um singelo sol no céu, apenas um frio coberto por imensas camadas de nuvem que formam esse dia cinza, mas sem chuva. É como se faltasse algo para completar "o dia perfeito", ou melhor, o dia perfeito para Adora.
Ao chegar em frente às nossas casas, inevitavelmente os nossos olhos se encontraram.
Ela tentou manter um olhar de naturalidade, mas que deixava nítido o seu esforço. Por trás daquela máscara, havia uma garotinha que tentava desesperadamente ter um momento de trégua com o seu próprio coração, sem nenhuma coragem ou atrevimento de tomar uma atitude, a não ser é claro, se esconder. É incrível como os anos que eu conheço a Adora me permitem ler o que ela sente só de trocar o olhar por míseros segundos.
Não me esforcei em disfarçar nada. Talvez pela distância, ela não percebeu tudo, mas com certeza notou o meu olhar cansado e farto de tantas mentiras, não direcionadas a mim, mas a ela mesma.
Me pergunto se a dor que eu sinto em mim também dói nela, porque só de pensar que uma vez eu já quebrei seu coração, pela menor forma que seja, eu sinto meu peito doer.
Aquele curto período de tempo em que nossos olhos se cruzaram pareceram durar mais do que realmente durou, talvez pela emoção ou talvez pelos meus pensamentos. Não sei, talvez um pouco dos dois.
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Entre Medos e Incertezas - Catradora
FanficDesde cedo, aprendemos que o primeiro amor é o sentimento mais intenso e puro que somos capazes de sentir por alguém. Para Catra, o seu primeiro amor veio de uma forma natural e inesperada quando desperta sentimentos pela sua melhor amiga de infânc...