Criatividade, quando se trata de artes visuais e decoração em geral, é algo que eu descobri que não tenho.
Estou há uns vinte minutos rodando a loja a procura de algo que poderia ser útil, mas só encontro o básico.
Decido não inovar e levar apenas o que me pediram. Eu só preciso de nota mesmo...
— No dinheiro — Afirmei para o caixa
Saí com apenas uma sacola em passos rápidos por medo de me atrasar. Fazendo isso, acabo esbarrando em alguém que eu não devia.
— Desculpa — Falei sem ver de imediato quem era, mas ao ver, parei e me virei para a pessoa, a induzindo fazer o mesmo. Péssima escolha.
Ao processar que era eu, Jake me olhou de cima a baixo com um olhar nada agradável.
— "Desculpa" por esbarrar em mim ou acabar com o meu relacionamento?
Involuntariamente, meus olhos reviraram. Não acho que vale a pena alimentar discussões, mas naquele momento, a minha raiva falou mais alto.
— Jake, quem terminou foi a Adora, não eu — Disse em um único suspiro. Aquele garoto me dá preguiça.
— Sabe muito bem que se você não tivesse feito ceninha na frente de todo mundo, a Adora ainda estaria feliz comigo! — Aumentou o tom de voz de forma com que atraiu olhares curiosos em nossa volta. Uma pontada de constrangimento me atingiu, atingindo mais pelo medo de pensarem que é uma briga de casal do que por pensarem que estou em uma discussão com ele.
— Estaria feliz? — Fiz o questionamento.
O poder que as palavras podem causar na mente humana é surreal. Uma única e singela palavra, "feliz", pode ser mais que o suficiente para despertar um certo nível de ira em alguém. No caso dele, foi inevitável.
Ele me olhou indignado, procurando uma resposta no ar desesperadamente. Talvez de longe ele pronunciou alguma coisa, não sei, senti que render conversa com ele é tão desnecessário que virei as costas e fui embora antes que ele se desse conta.
[...]
Agradeci aos céus quando percebi que havia marcações naquele bolo de chaves. Me poupou umas boas horas procurando a certa.
A escola quando está vazia transmite uma energia completamente diferente. Sem nenhum aluno ou funcionário, com exceção de uma ou outra tia da limpeza nos corredores, ganho uns olhos de algo até mesmo esteticamente bonito e por pouco confortável.
Fui até o salão e de cara já achei o palco.
Olhar aquela coisa toda feita de madeira e sem nenhuma decoração me fez entender o motivo de ter vagas para decorar o palco. Percebo também que vou precisar fazer um ótimo trabalho se quiser uma boa nota.
Vou até a parte de trás e me deparo com uma surpresa. Não sei distinguir se é boa ou ruim, mas foi inesperado.
Ela não me notou de imediato, mas fiz questão que notasse.
— Oi, Adora... — Foi o máximo que a minha coragem permitiu dizer ao vê-la sentada ali.
Sento em uma distância longe o suficiente para não criar um silêncio tão desconfortável, mas por fim percebo que é inevitável. Mesmo com a distância, consigo ler seu crachá escrito "voluntária" e "decoração do palco embaixo. Maravilha! Esse teatro de vergonha e constrangimento vai durar bastante.
Ela não me cumprimentou de volta, apenas me olhou rápido e voltou a se concentrar em uma parte da decoração.
Observo que ainda há muitas estrelas para serem cortadas e me voluntario para ajudar sem ao menos perguntar. Sentei-me em sua frente e peguei um molde.
— Então... Tem mais alguém nessa parte da decoração?
Ela negou com a cabeça sem fazer contato visual.
Ao invés de manter o seu topete sempre com litros de spray e um rabo de cavalo que não deixa soltar nem mesmo um mísero fio, ela optou por um penteado mais desleixado, quase deixando o elástico cair. Sua roupa estava um pouco suja de tinta e sua maquiagem resumida em uma máscara de cílios.
Se ninguém mais se voluntariou, significa que somos só nós duas.
A olhando assim, quieta e com cara fechada bem na minha frente, ignorando completamente a minha existência, me pergunto se em algum momento do dia ela sente falta de mim.
— Por que se voluntariou? Suas notas são ótimas — Mais uma vez me coloquei em mais uma situação de tentativa de puxar assunto, mas a loira não pareceu aprovar.
— Parece que nem todas são — Cortou.
Ao menos dessa vez eu ouvi a sua voz.
[...]
Não tive outra oportunidade de falar com ela, a não ser para pedir uma tesoura emprestada.
Acabamos a primeira parte e saímos pela mesma porta. Já me preparei para mais uma jornada de silêncio desconfortável até chegar em casa, mas não desisti de quebrar.
— Quer uma carona para casa? — Perguntei apontando para a minha bicicleta
— Não, minha irmã vai vir me buscar
Olhei para ela e vi uma oportunidade. Era estranho para mim vê-la agir dessa forma, mais estranho do que triste.
O céu, que antes estava tomado pelo frio e nuvens cinzentas e sem chuva que cobriam o sol, agora ameaça mostrar uma pequena brecha de claridade. Talvez, em algum momento da semana, o dia perfeito da Adora chegue.
Soltei a minha bicicleta devagar, como se algo estivesse faltando para que então, e só então, eu voltasse para casa em paz, sem aquela sensação horrível de terminar o dia sem ter cumprido todos os meus objetivos e obrigações do dia.
Olhei para a Adora e novamente vi uma oportunidade. Meu peito se encheu de coragem e eu soltei a bicicleta no chão, indo até ela de forma com que fosse inevitável que ela desviasse o olhar.
— Adora — Comecei — Eu sei que você tá me odiando agora, mas eu não quero continuar assim, não com você.
Respirei fundo em uma pausa e fechei os olhos por quase dois segundos tentando acumular coragem, palavras e fôlego capaz de suportar o que eu ansiava expressar. Ao me recuperar, olhei mais fundo em seus olhos e por muito pouco não peguei em sua mão.
— Vou até me esforçar para entender caso nunca mais queira olhar na minha cara, mas não sem antes te falar... Você é a minha pessoa favorita nesse mundo, sou tola e muitas vezes tomo atitudes e ações sem pensar. As vezes as emoções tomam conta de mim de forma com que eu perca o controle, acabo me machucando e pior, machucando você
Seus olhos deixaram de me encarar de forma vazia, e me encararam com surpresa.
— Você é o que mais importa para mim, não importa de que forma
Ela ficou imóvel e eu me atrevi a depositar um beijo rápido em sua bochecha.
Peguei minha bicicleta rápido e subi, já pronta para sair correndo e tentar não morrer de vergonha durante o caminho.
Eu estava de costas, mas tive a impressão que as suas bochechas subiram em um sorriso.
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Entre Medos e Incertezas - Catradora
FanfictionDesde cedo, aprendemos que o primeiro amor é o sentimento mais intenso e puro que somos capazes de sentir por alguém. Para Catra, o seu primeiro amor veio de uma forma natural e inesperada quando desperta sentimentos pela sua melhor amiga de infânc...