V

68 11 5
                                    

Rodolffo chegou ao hotel um pouco frustrado.  Não era a noite que tinha planeado, mas nunca foi de desistir e foi com essa certeza que se deitou e logo dormiu.

Juliette entrou no quarto, tirou a roupa, tomou um duche e vestiu o pijama.

Nasceu numa família muito católica onde as relações entre homens e mulheres sempre foram tabu.  Nunca ela vira a mãe e o pai em momentos carinhosos. Nem um beijo sequer.

Toda a sua vida foi pautada com único objectivo.  Estudar para poder conquistar tudo aquilo a que não tinha acesso.

Os pais sempre lhe proporcionaram o essencial, mas não era o suficiente para ela.

Nunca teve tempo nem paciência para grandes amizades.  No colégio achava as colegas muito safadas e nunca se conseguiu enturmar.   Já na faculdade os seus amigos eram os livros.  Vivia enfornada na biblioteca e não era à toa que era uma das melhores alunas da classe.

Este contacto com Rodolffo era tudo novidade para ela.  Ficou apaixonada pela conversa que tiveram na primeira noite, já hoje...

A proposta dele de passar a noite no hotel caiu como um balde de àgua fria.  Ninguém faz uma proposta dessas num primeiro encontro, pensou.  Ou fazem e eu é que não sei?

O beijo dele era bom e ela sentia o corpo reagir a cada toque.  Casar não fazia parte dos seus planos para já, mas queria viver.  Ter experiências que ouvia as colegas descrever como uma coisa fantástica.

Podia ser com ele.  Porque não?  Gostei dele no primeiro instante e apesar de hoje ter ficado com uma certa dúvida do seu carácter, ia deixar acontecer.  Vou jogar para as estrelas e o que for será.
Com este pensamento adormeceu.

Acordou cedo e saiu com dona Mariazinha.   Almoçaram numa lanchonete e voltaram para casa.  Juliette ligou para Rodolffo e disse-lhe que ia ficar com ele no dia seguinte.  Arrumou as suas coisas e nessa noite conversou com a sua anfitriã até de madrugada.

- Tenho a impressão de estar a fazer uma grande asneira dona Mariazinha!

- Sabes qual é o meu maior arrependimento?

- Diga.

- Aturei o meu marido até ele morrer mesmo sem o amar.  Casei achando que ele era o tal, mas a desilusão veio pouco tempo depois.  Acho que me acomodei.
Quando reencontrei um amigo de infância, aí foi que bateu forte, mas fui covarde.  Por medo de julgamento, não quis acabar com o casamento.  A sociedade é muito maxista e eu não tive coragem. 
Perdi a oportunidade de ser feliz.  Ele casou com outra e nunca mais o vi, mas lamento até hoje ter sido banana.

Por isso, minha filha, vai.  Vive hoje que o amanhã é sempre incerto.  Desilusões hás-de ter várias na tua vida, mas não deixes de viver por isso.  Arrepende-te só por teres feito porque não há nada pior que o arrependimento de não fazer.

- A senhora não é deste tempo.  Como é tão cabeça aberta?

- As pauladas da vida, filha.  Levei muita paulada.

A dúvidaOnde histórias criam vida. Descubra agora