Cap-24

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E eu não poderia beijá-lo docemente.
Eu precisava ficar longe.
Meu estômago revirou quando percebi que ele provavelmente não ia mais se importar comigo. Não depois de eu o ter ignorado – sem explicação, nada.
Ao sair para o ar fresco e frio, respirei profundamente. Isso fez eu me sentir melhor imediatamente, e coloquei o cabelo atrás das orelhas. Agora que ele estava cortado em um chanel curto, o que era sempre estranho. Eu sentia falta do meu cabelo comprido.
Enquanto caminhava para casa, sorri ao ver o céu azul e os pássaros precipitando-se ao redor do topo das árvores. A natureza me acalmava; sempre havia me acalmado.
Eu tinha andado apenas umas centenas de metros quando vi o carro de Judson cercado dos velhos amigos de Rune. Avery era a única garota na multidão de meninos. Baixei a cabeça e tentei passar rápido, mas ela chamou meu nome. Parei e me obriguei a virar em sua direção. Avery saiu de onde estava encostada no carro e veio para a frente. Deacon tentou puxá-la de volta, mas ela desviou do braço dele. Eu vi por sua expressão presunçosa que não seria bondosa.
— Você soube? — ela perguntou com um sorriso nos lábios cor-de-rosa. Avery era linda. Quando voltei para a cidade, não podia acreditar em como ela tinha se tornado linda. Sua maquiagem estava sempre perfeita, e seu longo cabelo loiro estava sempre cuidadosamente arrumado. Ela era tudo o que um garoto poderia querer em uma garota, e tudo o que a maioria das garotas queria ser.
Empurrei o cabelo para trás da orelha, um hábito que demonstrava nervosismo.
— Soube do quê? — perguntei, sabendo exatamente o que ela queria dizer.
— De Rune. Ele está voltando para Blossom Grove.
Eu via o brilho de felicidade nos olhos azuis dela. Olhei para o lado, determinada a manter a compostura, e balancei a cabeça.
— Não, Avery. Eu não sabia. Eu mesma voltei há pouco tempo.
Vi Ruby, que ainda namorava Deacon, andando em direção ao carro, Jorie ao seu lado. Quando elas viram Avery falando comigo, apressaram-se a juntar- se a nós. Eu amava as duas por isso. Só Jorie sabia onde eu havia estado nos últimos dois anos, por que eu tinha ido embora. Mas, desde o minuto em que eu tinha voltado, Ruby agira como se eu jamais tivesse ido embora. Elas eram

amigas de verdade, percebi.
— E o que está rolando aqui? — Ruby perguntou casualmente, mas percebi o tom protetor em sua voz.
— Eu estava perguntando a Poppy se ela sabia que Rune vai chegar hoje à noite a Blossom Grove — Avery respondeu, sarcástica.
Ruby me olhou com curiosidade.
— Eu não sabia — eu disse a ela. E Ruby me deu um sorriso triste.
Deacon alcançou sua namorada e colocou um braço em torno dos ombros dela. Ele fez um meneio com o queixo me cumprimentando.
— Ei, Pops.
— Ei — respondi.
Deacon se virou para Avery.
— Ave, Rune não fala com a Poppy há anos, eu te contei isso. Ela nem o conhece mais. Claro que ela não saberia que ele estava voltando, por que ele diria a ela?
Ao ouvir Deacon, soube que ele não estava sendo cruel comigo. Mas isso não queria dizer que suas palavras não tivessem atravessado meu coração feito uma lança. E agora eu sabia; eu sabia que Rune jamais falava de mim. Era óbvio que ele e Deacon tinham permanecido próximos. Era óbvio que eu não significava nada para ele agora. Que eu jamais era mencionada.
Avery encolheu os ombros.
— Eu só me perguntei, só isso. Ela e Rune eram inseparáveis até ele ir embora.
Tomando aquilo como minha deixa para ir embora, acenei.
— Tenho que ir.
Eu me virei rapidamente e tomei o caminho de casa. Tinha decidido pegar um atalho pelo parque que me levaria ao bosque florido. Ao caminhar pelo bosque vazio, vendo as cerejeiras sem suas folhas preciosas, uma tristeza tomou conta de mim.
Os galhos nus estavam tão vazios quanto eu me sentia... Ansiando por aquilo que os completaria, mas sabendo que, não importava o quanto o desejassem, não poderiam tê-lo de volta até a primavera.
O mundo simplesmente não funcionava daquela maneira.
Quando cheguei em casa, minha mãe estava na cozinha. Ida e Savannah estavam sentadas à mesa fazendo seus deveres de casa.

— Oi, querida — disse minha mãe. Fui até ela e a abracei, apertando sua cintura só um pouco mais que o normal.
Ela levantou a cabeça, e havia preocupação em seus olhos cansados. — Algum problema?
— Só estou cansada, mamãe. Vou me deitar.
Minha mãe não me soltou.
— Tem certeza? — ela perguntou, pousando a palma da mão em minha testa para medir a temperatura.
— Tenho — prometi, tirando sua mão e beijando seu rosto.
Fui para o meu quarto. Da janela olhei para a casa dos Kristiansen. Permanecia inalterada. Não estava diferente do dia em que eles tinham ido embora para Oslo.
Eles não haviam vendido a casa. A sra. Kristiansen tinha dito à minha mãe que eles sabiam que iam voltar em algum momento, então preferiram mantê- la. Eles amavam a vizinhança e a casa. Uma faxineira tinha limpado e feito a manutenção a cada quinze dias durante dois anos para assegurar que estaria pronta para a volta deles.
Todas as cortinas estavam puxadas para trás e as janelas estavam abertas para permitir a entrada de ar fresco. A faxineira estava preparando a casa para a chegada iminente deles. O regresso que eu temia.
Depois de fechar as cortinas que meu pai havia instalado para mim quando retornamos, umas semanas antes, eu me deitei na cama e fechei os olhos. Eu odiava me sentir fatigada o tempo todo. Por natureza, eu era uma pessoa ativa, via o sono como uma perda de tempo quando era possível gastá-lo pelo mundo, explorando e criando memórias.
Mas agora eu não tinha escolha.
Vislumbrei Rune na minha mente, e seu rosto ficou comigo enquanto começava a sonhar. Era o sonho que eu sonhava na maioria das noites – Rune me segurando nos braços, beijando meus lábios e dizendo que me amava.
Não sei por quanto tempo dormi, mas quando acordei foi por causa do barulho de caminhões chegando. Batidas altas e vozes familiares vieram do outro lado do jardim.
Eu me sentei na cama e limpei os olhos. Então me dei conta.
Ele estava aqui.
Meu coração disparou. Batia tão rápido que me segurei de medo de que fosse pular do meu peito.

Ele estava aqui.
Ele estava aqui.
Saí da cama e me posicionei de frente para as cortinas fechadas. Eu me aproximei, assim podia escutar o que estava acontecendo. Distingui as vozes da minha mãe e do meu pai e os sons familiares do sr. e da sra. Kristiansen.
Sorrindo, eu me curvei para afastar uma das cortinas. Parei. Eu não queria que eles me vissem. Corri para o andar de cima, para o escritório do meu pai. Era a única outra janela que dava para a casa deles, de onde eu podia me esconder em plena vista graças à coloração suave que a protegia do sol forte.
Eu me posicionei do lado esquerdo da janela, só para o caso de alguém olhar para cima. Sorri novamente quando meus olhos encontraram os pais de Rune. Eles não pareciam muito diferentes. A sra. Kristiansen ainda estava linda como sempre. O cabelo estava mais curto, mas, fora isso, estava exatamente igual. O sr. Kristiansen tinha ganhado uns cabelos brancos e parecia ter perdido peso, mas a diferença era pouca.
Um menininho correu para fora da casa. Pus a mão na boca quando vi que era o pequeno Alton. Ele devia ter quatro anos agora. Tinha crescido tanto. E seu cabelo estava igual ao do irmão, longo e liso. Meu coração se apertou. Ele parecia um jovem Rune.
Observei os carregadores recolocarem os móveis na casa com uma velocidade incrível. Mas não havia sinal de Rune.
Meus pais por fim entraram em casa, mas mantive a vigília pela janela, esperando pacientemente pelo garoto que tinha sido meu mundo por tanto tempo que eu não sabia onde ele começava e eu terminava.
Mais de uma hora se passou. A noite caiu e eu já perdia as esperanças de vê-lo. Quando eu estava para sair do escritório, percebi um movimento atrás da casa dos Kristiansen.
Cada um dos meus músculos se retesou quando percebi uma pequena chama brilhando na escuridão. Uma nuvem branca de fumaça explodiu pelo ar sobre o trecho de grama entre as nossas casas. No começo eu não sabia o que estava vendo, até que uma figura alta, toda de preto, emergiu das sombras.
Meus pulmões pararam de funcionar quando a figura apareceu sob o brilho da lâmpada de rua e ficou imóvel. Jaqueta de motociclista de couro, camisa preta, jeans justo preto, botas de camurça pretas... e cabelo longo, bem loiro.
Eu olhei bem, com um nó bloqueando minha garganta, quando o garoto com ombros largos e uma altura impressionante levantou a mão e passou os dedos nos longos cabelos.
Meu coração parou por um segundo. Porque eu conhecia aquele

movimento. Conhecia aquele queixo forte. Eu o conhecia. Eu o conhecia tão bem quanto conhecia a mim mesma.
Rune.
Era o meu Rune.
Uma nuvem de fumaça saiu de sua boca novamente, e levei alguns momentos para perceber o que realmente via.
Fumando.
Rune estava fumando. Rune não fumava; ele jamais teria tocado em cigarros. Minha avó tinha fumado a vida toda e morreu jovem demais de câncer no pulmão. Nós sempre prometemos um ao outro que nunca iríamos nem experimentar.
Estava claro que Rune tinha quebrado aquela promessa.
Enquanto eu o observava dar outra tragada e puxar o cabelo para trás pela terceira vez em poucos minutos, meu estômago ficou pesado. O rosto de Rune se virou para a luz do poste enquanto ele exalava um fio de fumaça na brisa fria da noite.
Então ali estava ele. O Rune Kristiansen de dezessete anos, e ele era mais bonito do que eu jamais poderia ter imaginado. Seus olhos azuis eram tão brilhantes quanto sempre tinham sido. Seu rosto, antes de menino, estava agora forte e de tirar o fôlego. Eu costumava brincar que ele era bonito como um deus nórdico. Enquanto estudava cada parte de seu rosto, eu tinha certeza de que a beleza dele superaria mesmo a dos deuses.
Eu não conseguia desviar os olhos dele.
Rune então terminou o cigarro e o jogou no chão, a luz da bituca gradualmente se apagando na grama aparada. Esperei, com a respiração suspensa, para ver o que ele ia fazer. Então seu pappa apareceu na beira da varanda e lhe disse algo.
Observei Rune retesar os ombros e virar a cabeça para a direção de seu pappa. Eu não conseguia entender o que estavam dizendo, mas as vozes estavam altas, Rune respondia agressivamente em seu norueguês nativo. Seu pappa baixou a cabeça, derrotado, e caminhou de volta para casa, claramente ferido por algo que Rune dissera. Enquanto o sr. Kristiansen ia embora, Rune mostrou o dedo do meio para suas costas em retirada, baixando apenas quando a porta da casa se fechou.
Eu observava, rígida de choque. Eu observava aquele garoto – um garoto que um dia eu havia conhecido totalmente – transformar-se em um estranho diante de meus olhos. Tristeza e desapontamento me cobriram quando Rune começou a andar pelo jardim entre as nossas casas. Seus ombros estavam duros.

Mil beijos de garoto Onde histórias criam vida. Descubra agora