Notas musicais e chamas de fogueira

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Rune
Há dois anos
Aos quinze anos de idade
O silêncio caiu enquanto ela se posicionava no palco. Bem, nem tudo estava em silêncio – o estrondo do sangue correndo nas minhas veias soava em meus ouvidos enquanto Poppy sentava-se cuidadosamente. Ela estava linda de vestido preto sem mangas, o cabelo castanho longo preso em um coque e um laço branco no alto da cabeça.
Levantei a câmera que estava sempre pendurada em meu pescoço e levei as lentes ao olho assim que ela colocou o arco contra a corda do violoncelo. Sempre amei capturá-la nesse momento. O momento em que ela fechava os grandes olhos verdes. O momento em que a expressão mais perfeita tomava seu rosto – sua aparência um pouco antes do início da música. A aparência de pura paixão pelos sons que estavam prestes a começar.
Tirei a foto no momento perfeito, e então a melodia começou. Baixei a câmera e passei a me concentrar apenas nela. Eu não podia fotografar enquanto ela tocava. Eu não podia perder nenhum detalhe de como ela brilhava naquele palco.
Meus lábios se curvaram em um pequeno sorriso quando o corpo de Poppy começou a balançar ao ritmo da música. Ela amava aquela canção, tocava-a desde que eu podia me lembrar. Ela nem precisava de partitura; "Greensleeves" fluía de sua alma pelo arco.
Eu não conseguia tirar os olhos de Poppy. Meu coração batia feito um

maldito tambor enquanto seus lábios se contraíam. As covinhas apareciam quando ela se concentrava nas passagens difíceis. Os olhos permaneciam fechados, mas era possível saber de que partes da música ela mais gostava. Sua cabeça pendia para o lado, e um grande sorriso tomava seu rosto.
As pessoas não entendiam que depois de todo esse tempo ela ainda fosse minha. Tínhamos apenas quinze anos, mas desde o dia em que a beijara no bosque florido, aos oito anos, ela tinha sido a única. Eu não tinha olhos para nenhuma outra garota. Eu só via Poppy. No meu mundo, só ela existia.
E ela era diferente de todas as garotas da nossa sala. Poppy era excêntrica, não legal. Ela não se preocupava com o que as pessoas pensavam dela – nunca tinha se preocupado. Ela tocava violoncelo porque amava. Ela lia livros, estudava para se divertir, acordava ao amanhecer só para ver o sol se levantar.
Era por isso que ela era tudo para mim. Minha para sempre e sempre. Porque ela era única. Única em uma cidade repleta de cópias de peruas burras. Ela não queria ser animadora de torcidas, nem falar mal dos outros, nem caçar garotos. Ela sabia que me tinha, tanto quanto eu a tinha.
Éramos tudo de que precisávamos.
Eu me mexi no assento enquanto o som do violoncelo ficava mais suave e Poppy conduzia a música ao seu final. Levantei novamente a câmera e tirei uma última foto no momento em que Poppy tirou o arco da corda e uma expressão de contentamento adornou seu belo rosto.
O som dos aplausos me fez baixar a câmera. Poppy afastou o instrumento do peito e se levantou. Ela fez uma pequena reverência e então olhou para todo o auditório. Seus olhos encontraram os meus. Ela sorriu.
Achei que meu coração fosse saltar do peito.
Dei um sorrisinho de volta, afastando meu cabelo loiro do rosto com os dedos. Um rubor cobriu as bochechas de Poppy, e então ela saiu do palco pela esquerda, enquanto as luzes inundavam de claridade o auditório. Poppy foi a última a se apresentar. Ela sempre fechava o concerto. Ela era a melhor musicista do distrito na nossa faixa etária. Mas, na minha opinião, ela ofuscava qualquer um nas três faixas etárias acima da nossa.
Uma vez perguntei a ela como conseguia tocar como tocava. Ela simplesmente me disse que as melodias brotavam de seu arco com a mesma facilidade com que respirava. Eu não podia imaginar o que era ter um talento daqueles. Mas aquela era Poppy, a garota mais incrível do mundo.
Quando os aplausos terminaram, as pessoas começaram a deixar o auditório. Senti alguém apertar meu braço. Era a sra. Litchfield, que enxugava uma lágrima. Ela sempre chorava quando Poppy se apresentava.

Mil beijos de garoto Onde histórias criam vida. Descubra agora