PRÓLOGO

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Jardim de infância,

Lembra como era fácil se aproximar das pessoas? Não precisavamos de muito e pouco tempo depois lá estávamos nós, brincando todos juntos. Não existiam hierarquias idiotas, regras de etiqueta e relações de poder. Você não se preocupava com aparência, com a cor da pele ou quanto a pessoa ganhava no fim do mês. A única coisa chata naquela época, era a Maria querendo escolher todas as brincadeiras. Mas, ainda assim, era tudo tão natural. Fluía como as águas do rio do leste.

Eu não sabia o quanto essas pequenas coisas eram preciosas. Até perde-las. Meu Deus, como eu queria poder voltar no tempo e viver tudo aquilo de novo! Eu não teria mudado absolutamente nada. Foram os melhores anos da minha vida!E também foi ali, bem ali, na Emeb Faustino Luis, que eu conheci você!
Seus cabelos castanho claros, que na luz ficavam loirinhos, te faziam parecer um anjo, era lindo. Seus olhos eram os mais bonitos e brilhantes que eu já vi, pareciam os olhos pintados por pintores realistas, cheios de brilho e profundidade, exemplares raros.

Tinha se mudado a pouco tempo pra cidade, seus pais tinham acabado de se divorciar. Sua mãe precisava de ajuda pra recomeçar a vida e decidiu morar perto dos pais dela. Você saiu da escola particular para nossa escola simples, numa cidade simples, sua mãe não teve escolha. Dava para ver em seus olhos como você estava sofrendo, como estava deslocado, parecendo um gatinho com medo da chuva, parecia perdido, com cara de choro, sem entender porque seus pais não estavam mais juntos ou porque teve que passar por tantas mudanças em tão pouco tempo.

Eu de alguma forma entendi você, senti sua dor. Foi o que me fez se aproximar. Percebi você ali, deslocado, sem graça de espantar o Antônio, ele estava te torrando a paciência, pegando suas canetinhas e afundando as ponta delas, e você não reagia, não fez nada além de observar ele destruindo tudo. Eu fui lá e te puxei pela mão. Depois daquele dia, viramos melhores, inseparáveis.

Lembra de todas as aventuras que vivemos? As tardes inteiras explorando a floresta atrás da escola, o sinal batia e invés de irmos para casa, ficavamos brincando, inventando histórias de caçadores de tesouros e monstros escondidos. Ríamos juntos, como se o mundo fosse um lugar tão simples e feliz, como se só existisse você e eu. Você era meu parceiro em todas as travessuras, meu confidente, meu irmão de coração. A gente compartilhava tudo, desde segredos bobos até nossos sonhos mais profundos.

Exceto agora.

Agora você me odeia. Eu vejo o desprezo nos seus olhos, sempre que nossos caminhos se cruzam. A dor de perder você é pior do que qualquer outra coisa que já senti. O que aconteceu com a gente? Como chegamos a esse ponto? Não consigo entender por que tudo mudou tão drasticamente. Sinto falta do meu melhor amigo, do garoto que me fazia rir até a barriga doer. Sinto falta de nós.

Silvialane, nossa cidadezinha, é cheia de lembranças de nós dois. Cada esquina, cada árvore, cada banco de praça parece contar uma história nossa. Mas agora essas memórias são só sombras de um tempo que não volta mais. Aquele dia, o dia em que tudo desmoronou, ainda está gravado na minha mente como um pesadelo do qual não consigo acordar. Queria poder apagar essa parte da nossa história, mas não posso.

Ainda me lembro de cada detalhe, de cada palavra não dita, de cada olhar evitado. E é essa lembrança que me consome, que me faz desejar com todas as forças voltar ao jardim de infância, quando tudo era mais simples, quando éramos só eu e você contra o mundo.

E eu nunca te odiei, nem por um segundo, essa é minha única certeza. E se algo acontecer,

te amo.

TURMALINA NEGRA - Laços SombriosOnde histórias criam vida. Descubra agora