SALÉM É AQUI

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A luz da lua cheia iluminava a Gruta da Bruxa, onde Anna e Diego estavam sentados, buscando respostas sobre a história que assombrava suas vidas. Decidiram olhar mais uma vez os escritos na parede, acreditando que poderiam encontrar respostas sobre Mima e sua conexão com Felipe.

Diego acendeu uma lanterna, lançando uma luz suave nas paredes da caverna. De repente, ambos foram tomados por uma espécie de transe. A figura de Mima apareceu diante deles, sua presença etérea e carregada de mistério. Era a primeira vez que ela aparecera dessa forma.

— Eu olho para dentro de mim e não consigo entender como chegaram tão longe em suas crueldades comigo, — começou Mima, sua voz triste ecoando suavemente pela caverna. — Eu preciso contar a vocês minha história, faze-los entender tudo o que aconteceu, pois sei que estão se sentindo perdidos e precisam de repostas! Precisam saber o que há tanto tempo me atormenta. Nem mesmo na morte pude ter meu descanso. E como toda história de injustiça, essa começa com o egoísmo. Sim, o egoísmo, a raiz de todo o mal da humanidade. Quando alguém se interessa tanto por seus próprios interesses que nada mais importa. Mas prosseguirei com a história da minha vida.

Anna e Diego estavam imóveis, absorvendo cada palavra de Mima.

— Eu não nasci no Brasil, vim de um pequeno vilarejo francês. Recém-casada, quis tentar oportunidades melhores fora do meu país. Que engano terrível o meu, em acreditar que mudando de país,  talvez as coisas melhorariam para mim.  Século XVII. Eu e René decidimos deixar a França para tentar a vida na longínqua colônia portuguesa no Novo Mundo, aqui no Brasil. Chegamos à Vila de São Paulo, onde logo nos destacamos na comunidade. Eu, em particular, atraía atenção por minha aparência diferente da maioria das damas do vilarejo, a começar que eu era ruiva, sardenta, olhos claros, muito diferente da maioria das moças. Minha tragédia teve início com a prematura morte de meu amado marido René, que foi assassinado, um homem chamado Felipe que se sentia atraído por mim e tentava destruir meu casamento de diversas formas para ficar comigo, o matou, sim é exatamente o mesmo que nos atormenta hoje. Era noite e Renê estava voltando de uma viagem de negócios, tinhamos uma pequena plantação de ervas de vários tipos que serviam para fins medicinais, Renê cuidava do transporte, eu do cultivo. Naquele dia, ele estava voltando de uma entrega, quando foi surpreendido no caminho por alguns homens, ele conseguiu escapar. Preocupado comigo, correu direto para casa, quando flagrou Felipe tentando abusar de mim dentro do celeiro. René e Felipe entraram numa luta, ambos eram jovens e muito fortes, mas Felipe se aproveitou que Renê não estava armado e cravou uma adaga em seu coração. Meu amado morreu tentando me salvar. E eu tive que correr e deixar o corpo dele ali, pra conseguir me salvar. Eles queimaram o celeiro, junto com o corpo de meu amado. Com a morte de René, fiquei totalmente desamparada e enfrentei muitas dificuldades. Perdi minha casa, até as coisas mais básicas como roupas, sapatos, comida para me alimentar, eu não tinha. Naquela época era tudo muito diferente de hoje. Sem meios para me sustentar, mesmo tentando buscar ofícios dignos, que costumavam ser escassos para mulheres. Nós, mulhere erramos totalmente direcionadas aos cuidados com a casa e os filhos, algumas de nós trabalhavamos com cultivo, costura ou lavagem de roupas. Mas eu precisava ao menos do mínimo para ter oficios assim e Felipe garantiu, junto com seus capangas, que eu não tivesse mais nada. Tive que acabar, mesmo que valorizando extremamente meu nome e meu corpo, por me prostituir, o que aumentou ainda mais os julgamentos e fofocas sobre mim.

Diego suspirou, sentindo a injustiça na história.

— Eles a julgaram por tentar sobreviver. Que crueldade.

Mima olhou para ele com tristeza, continuando.

— Senti nojo de mim mesma, mas era a única forma de sobreviver. Em mej coração eu só queria juntar dinheiro suficiente para ir para outra cidade, recomeçar minha vida de forma digna e em segurança, longe do controle de Felipe. Ele tentava ser um cliente, mas eu fugia dele o maximo que eu podia. Cansado de suas tentativas não terminarem em nada, ele decidiu colocar a minha cabeça a prêmio. Espalhou boatos de que eu era adepta de bruxaria, boatos esses que começaram a circular de forma descontrolada, especialmente após uma briga fatal entre dois de meus clientes. As esposas dos envolvidos me acusaram de feitiçaria, alegando que eu usava magia para atrair os homens.

Anna balançou a cabeça, incrédula.

— Esse cara é um monstro! Merecia morrer!

— Exatamente, — concordou Mima. — Felipe se aproveitou do fanatismo religioso da época, e só parou quando conseguiu o que queria. Mais uma vez usaram a religião para justificar seus propósitos malignos. E em 1692, o mesmo ano da morte das famosas Bruxas de Salém, fui acusada de bruxaria e queimada em praça pública, em um espetáculo de horror e intolerância. Eu podia vê-los rindo e cuspindo em minha direção, jogavam pedras e mais pedras, que acertavam hora ou outro minhas pernas e abriam feridas, enquanto minha pele derretia lentamente, revelando minhas entranhas. O cheiro era horrível, a dor é incapaz de ser descrevida em palavras. Eles assistiram até que eu fosse reduzida a nada, acredito que para ter a garantia de que haviam de fato me eliminado, alguns até esperavam ver alguma magia de minha parte ali, para escapar.

Anna estava com lágrimas nos olhos, sentindo a conexão profunda com a história de Mima.

— A crueldade humana não tem limites, — disse Anna.

— Sinto muito por terem feito você passar por tudo isso e sozinha, — disse Diego.

— Você não merecia isso, — murmurou Anna. — Era apenas uma mulher tentando sobreviver em um mundo cruel.

Anna, com lágrimas nos olhos, sentiu uma conexão profunda com a história de Mima.

— Nós precisamos acabar com isso, Diego. Precisamos libertar Mima e parar Felipe de uma vez por todas. Ela merece descansar em paz.

Diego segurou a mão de Anna, determinado.

— E vamos, — disse ele. — Vamos encontrar uma maneira de derrotar Felipe.

— E como veio parar nesta caverna? E a Joia em formato de coração

— Antes de ser pega e assassinada, eu consegui fugir por um tempo. Após a morte de Renê, Felipe me perseguiu, decidido a me possuir, as pessoas me tratavam como se eu tivesse lepra de tantas coisas que Felipe dizia de mim. Desesperada fui buscando refugio em minas gerais, mas a cidade era pequena e Felipe mais uma vez conseguiu me achar e veio atras de mim, espalhou mais boatos, tive medo e corri para a floresta, lá encontrei uma gruta e busquei em suas profundezas meu refugio. Mas mesmo com todo meu cuidado em não ficar em evidencia, ele me achou, como um cão de caça acha sua presa! Ele tentou mais uma vez me possuir, entramos em luta corporal, ele me bateu muito e me ameaçou com a mesma adaga que matou meu marido, com muito ódio e desejo de justiça, consegui pegar da mão dele quando ele pensou estar em vantagem e consegui golpea-lo, exatamente no mesmo local em que atingiu meu marido, no coração. Eu corri, e mesmo ele estando morto eu sentia uma presença densa sobre mim, me perseguindo. Desesperada e sem rumo, acabei encontrando uma cabana na floresta, onde pedi abrigo. A cabana era de uma senhora, uma curandeira que morava as margens de um lago proximo dali. Ela me ensinou sobre feitiços de selamento para minha proteção. Os escritos nas paredes eram exatamente símbolos de selamento de espíritos malignos, no caso a alma de Felipe. Infelizmente, recentemente, o feitiço de selamento foi desfeito por alguém que retirou o cadaver de Felipe da parede, e ao tocar nele essa pessoa foi influenciada por ele. apagou parte dos símbolos, libertando Felipe e sendo possuído por ele.

— Lucas! - Disse Diego. — E como podemos sela-lo novamente?

—Agora ele esta mais forte e quanto mais ele mata, mais ele se alimenta do desespero e medo. Pois espiritos ruins se alimentam dessas coisas.

—Então provavelmente ele fará novas vitimas?

—Sim, por isso precisamos dete-lo. — disse Mima. — Não podemos permitir que ele continue espalhando seu rastro de dor e sofrimento por ai.

—Você sabe como podemos dete-lo?

—Ao contrario das acusações que me fizeram, sou uma simples agricultora de ervas medicinais. Pouco entendo sobre feitiços além daqueles que fiz para tentar me proteger. Vocês irão precisar localizar uma bruxa de verdade e pedir um novo feitiço de selamento, mais forte que o anterior.

—Mas não sabemos fazer essas coisas..

—Fiquem calmos, sei que com a ajuda de Deus vamos conseguir!— disse Mima, sua figura começando a se desvanecer.

— Vamos dete-lo, eu prometo! - disse Anna, vendo mima desaparecer por completo.

Enquanto saíam da caverna, Anna e Diego estavam determinados a fazer justiça por Mima e proteger aqueles que amavam. Sabiam que a batalha seria difícil, mas estavam prontos para enfrentá-la com mais vontade de fazer justiça do que nunca!

TURMALINA NEGRA - Laços SombriosOnde histórias criam vida. Descubra agora