Dezoito

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Kerim

Sentei-me na grande cadeira de couro no centro da sala de reuniões, rodeado por colegas e colaboradores. Yusuf estava falando sobre o progresso do último projeto, mas minha mente, indisciplinada, começou a vagar. Lembrei-me de como deixei Camila ainda dormindo naquela manhã. Seu semblante sereno e os cachos macios espalhados pelo travesseiro formavam uma visão tranquilizadora que me fez sorrir.

— Kerim, você está bem? — A voz de Yusuf cortou meus pensamentos como uma faca afiada, trazendo-me de volta à realidade da reunião. Seus olhos perscrutadores me analisavam enquanto ele esperava minha resposta.

— Sim, tudo bem — respondi rapidamente, tentando disfarçar meu devaneio. — Podemos encerrar por hoje. Obrigado a todos. — Os demais se levantaram, recolhendo seus papéis e laptops, e começaram a sair da sala.

Yusuf, no entanto, permaneceu. Ele fechou a porta atrás dos últimos que saíram e se aproximou da mesa, a preocupação evidente em seu olhar.

— Kerim, você está mesmo bem? Notei que parecia aéreo hoje.

Dei um leve sorriso, balançando a cabeça.

—Está tudo bem, Yusuf. Só alguns pensamentos fora de lugar.

Ele ainda parecia preocupado, mas decidiu não insistir. Em vez disso, mudou de assunto, o que me permitiu voltar ao meu foco profissional.

— Você tem alguma notícia sobre aquelas coisas que pedi para investigar?

Yusuf assentiu e se endireitou, pronto para relatar suas descobertas. -

— Sim, tenho algumas atualizações. Vou pegar os relatórios.

Enquanto ele se afastava, tomei um momento para me recompor completamente. A imagem de Camila ainda pairava na minha mente, mas agora, precisava me concentrar nas questões urgentes que demandam minha atenção.

一 Seu tio, o senhor Aksoy está a caminho de Istambul, creio que terá problemas quanto a isso.

一 Problemas?

一 Tudo indica que ele irá cobrar a promessa feita pelo senhor Yaman, quanto ao seu casamento...

Apertei os olhos sentindo uma onda de estresse me dominar. Não bastasse ter sido perseguido toda minha juventude com aquela maldita promessa eu ainda tinha de suportar tal desatino sendo já um homem feito.

一 Promessa que não cabe a mim levar a diante.

一 Você mais do que ninguém sabe que as duas famílias respeitam muito as tradições Kerim, acha mesmo que a senhora Yaman irá sossegar enquanto Camila estiver aqui?

Por mais que eu quisesse discordar, eu sabia que Yusuf estava certo. E por muitas horas naquela semana havia me pego pensando se trazer Camila até ali e força-la a enfrentar aquela situação havia sido a coisa certa.

Talvez eu devesse apenas acatar meu destino e cumprir os desígnios que eram impostos por meu nome, algo que parecia um absurdo para aqueles que viam a situação de fora. Mas apenas eu sabia o quanto o peso do meu próprio nome era deveras difícil de carregar. Eu havia sido criado para herdar o império dos Yaman, minha avó havia me ensinado tudo o'que precisava saber com maestria.

Desde menino eu sabia que um dia ocuparia o lugar que fora do meu avô e por curto período, do meu pai , e era meu dever honrar essa posição. 

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Abri a porta de casa com cuidado, tentando não fazer barulho. Era tarde, e o silêncio reinava na casa. Tirei os sapatos e caminhei em silêncio pelo corredor em direção ao quarto. Quando empurrei a porta entreaberta, vi Camila dormindo.

A luz suave do abajur ao lado da cama delineava seus contornos. Ela estava deitada de lado, os cabelos espalhados pelo travesseiro, caindo em cachos soltos ao redor do rosto. Me aproximei da cama, sentindo uma mistura de cansaço e um estranho alívio.

Parei ao lado da cama, observando-a por um momento. O perfume suave dos cabelos dela invadiu meus sentidos, despertando uma onda de pensamentos que eu sabia serem inadequados. Quase sem perceber, minha mão começou a se mover na direção dos ombros expostos dela, desejando sentir a maciez de sua pele.

Eu parei, respirando fundo. Esses pensamentos eram intrusivos, e eu sabia disso. Recolhi a mão, fechando os olhos por um momento para recuperar o controle. Não era o momento para ceder a esses impulsos. Fazia apenas uma semana desde que chegamos a Istambul, e eu estava completamente imerso no trabalho. Tinha muitas responsabilidades, e não queria perturbar o descanso de Camila.

Sentei-me na beira da cama, olhando para ela. Seu rosto estava relaxado, livre das preocupações que normalmente carregava durante o dia. Por mais difícil que fosse, eu precisava manter a distância enquanto estivesse tão absorvido pelo trabalho. Nosso relacionamento era uma fachada, um acordo que ambos entendíamos. Não havia espaço para complicações emocionais.

Fiz menção de me levantar, mas ela se mexeu um pouco abrindo os olhos sonolentos e chamou meu nome, quase como um sussurro.

— Eu não queria acordá-la. — falei observando enquanto ela se sentava na cama, seus cabelos bagunçados escorrendo sobre seus ombros como uma cascata.

— Está tudo bem, eu queria mesmo falar com você.

— Algum problema?

— Sua avó me ofereceu uma quantia em dinheiro para que eu vá embora.

— Ela o'que? — perguntei incrédulo. Eu sabia que minha avó era capaz de muitas coisas, mas tentar subornar Camila?

— Ela acha que estou desviando você dos deveres com sua família...

— Isso é ridículo, mesmo que ela não saiba sobre nosso acordo... minha avó está indo longe demais.

— Talvez você devesse conversar com ela... dizer como se sente...

— Não se preocupe quanto a isso. — respirei fundo passando as mãos pelos cabelos, então senti o toque macio de sua mão pequena em meu braço.

Olhei para ela, seus lábios entreabertos pareciam quase como um convite.

— Descanse. — pigarreei tentando me concentrar — Teremos um longo dia amanhã.

Com um último olhar, levantei-me e saí do quarto, fechando a porta com o mesmo cuidado com que entrei. A noite ainda era longa, e eu tinha muito a fazer. Saber que Camila estava ali, tranquila e segura, era um conforto. E, embora nossos sentimentos não fossem reais, eu ainda me sentia responsável por seu bem-estar.

|Contratada para amarOnde histórias criam vida. Descubra agora