23 | Nestha Archeron

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Tem um recado especial pra vocês lá embaixo. Boa leitura, xoxo.

👧🏻

Ponto de vista excepcional de Nestha Archeron. 

Quando minha mãe morreu, eu chorei por uma madrugada inteira. 

Ninguém nunca me perguntou diretamente como as coisas se tornaram tão complicadas pra mim, nem mesmo Feyre em nosso banho de sangue emocional no fatídico dia em que ela me resgatou.

Tudo já começa estranho demais aí. Não era Feyre quem deveria ter me resgatado. Era eu quem deveria ter salvado ela.

Eu me lembro da névoa preta que se seguiu em minha mente na primeira vez em que o meu pai bateu em mamãe. Ela usava um de seus doces vestidos florais como uma esposa devota do século XX e a casa cheirava a biscoitos. Naquela época eu cheguei a ser feliz — ou fui o mais feliz que pude dentro daquelas circunstâncias — e a noite parecia comum, exceto pelo fato de que meu pai não tinha chegado. Mas então ele chegou, ela gritou e, repentinamente, ele estava encima dela. 

Felizmente eu era criança demais pra saber, mas sempre tive uma dúvida secreta sobre até onde essas agressões iam para além do que eu via. Eu passei a ter medo dele depois disso, mas o jogo virou completamente quando seus olhos raivosos se dirigiram a mim. À Feyre. À minha irmãzinha. Quando ela sorrateiramente passou a ter idade o suficiente para ter medo, eu passei a nos trancar no closet. A matemática era bem simples: ele não nos via, nada acontecia. Eu me lembro de perguntar para a minha mãe por qual raio de motivo a gente não ia embora. Ela sempre usava desculpas como não teremos o que comer ou não temos pra onde ir. Eu fui ingênua o suficiente para acreditar nisso por muitos anos, mas essa névoa também se esvaiu. Em uma noite fria de inverno que nunca vou esquecer.

Quando ela nos contou da gravidez de Elain, eu nem mesmo fiquei feliz. Em minha mente de criança atormentada,  só conseguia pensar que ela seria mais uma para sofrer por tudo aquilo porque no fundo eu sempre soube que em algum momento elas perceberiam. Porém, quando aquele pacotinho pequeno e chorão sorriu pra mim, esse sentimento sumiu também. Mesmo que, secretamente, esse peso tenha recaído sobre minhas costas.

Ele melhorou durante um tempo, mas depois ficou pior. E, naquela noite em que tudo aconteceu, eu sempre senti que tinha perdido uma parte de mim. Foi quando eu percebi que estava sozinha

Eu achei que ele ia matá-la. Ele estava bêbado e bravo, o que quase fazia um paradoxo com suas belas e rejuvenescidas feições. Meu pai era como um pesadelo lindo, ardil, febril e doente. E, quando achei que seria o golpe final, me coloquei entre os dois. Achei que me ver seria seu maior choque de realidade, mas não. Ele apenas a deixou de lado porque eu era mal criada e insolente, e instantes depois, eu tinha desmaiado. 

Ninguém nunca me levou ao hospital. Eu fiquei de cama por alguns dias, dizendo para minhas irmãs choronas que tinha caído da escada. Minha mãe vinha me alimentar e cuidar dos ferimentos, mas o olhar de remorso dela foi o que me destruiu de verdade. Foi quando eu vi que ela tinha medo de ele não a perdoar por ter permitido que eu entrasse no meio.

Ela não teria derramado uma lágrima por mim, eu percebi. Mesmo que ele tivesse me matado, a preocupação dela ainda seria se ele continuaria a amando. 

Foi quando eu entendi o que era solidão.

Se tornou impossível retornar ao que eu era, e então eu concentrei as poucas energias que tinha para proteger Feyre e Elain. O que foi uma surra em uma noite excepcional se tornou quase um hábito, porque ele passou a dirigir sua raiva em mim também. E depois disso, passei a recusar ajuda.

Honey | NessianOnde histórias criam vida. Descubra agora