05 | Uma travessa de torta para Catrin.

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Nestha passou a semana inteira evitando Cassian, e fez isso com destreza e muito vigor.

Ela não conseguiu, no entanto, se esquecer da cena que presenciara. Do que vira dele.

Seu coração disparava intensamente sempre que lembrava daquilo: ele girando Catrin na escada, segurando ela, despertando sorrisos tão intensos e sinceros que mais um pouco Nestha teria se ajoelhado e agradecido. Ver a garotinha feliz era sua maior virtude, ao passo de que já em sua superfície a mulher não se incomodaria com os meios para isso, desde que acontecesse. E ali, com coque desgrenhado e sorriso sincero, a imagem de sua filha nos braços desproporcionalmente grandes de Cassian fora sua ruína, porque ela sabia que depois disso, permitiria qualquer atitude dele se isso assegurasse mais alguns sorrisos de sua filha.

E esse poder... isso simplesmente acabava com ela.

Era diferente com Rhysand e Azriel e ela entendia isso. Com os dois ela sempre teve uma sensação de que era uma obrigação, mesmo que seu lado racional visse o amor genuíno deles pela pequena. Mas Cassian não estava ali. Ele não sabia a história toda — até onde ela sabia, ele não tinha conhecimento de nada, na verdade — e ainda assim se dispôs estar com Catrin, fazer parte da vida dela, simples assim. Sem deveres e sem obrigações, somente aquele sentimento puro que a abalou profundamente.

No início ela cogitou sim a ideia de ele ser um maníaco, pelo menos no primeiro dia. Mas a julgar pelo histórico dele, a confiança cristalina de seus irmãos e a forma como ele se portava, os instintos de Nestha apontavam para uma questão difícil de negar: Cassian era genuinamente bom, simples assim. Sem notas de rodapé ou justificativas. Ele certamente tinha muitas coisas boas pra dar, e de alguma forma, sua filha foi implicitamente eleita para receber isso.

Todo esse fato depositava no coração rígido da mulher uma gratidão perigosa. Dessas que a faria se curvar, se necessário. E inferno, ela adorava isso na mesma medida que temia e odiava.

Por esse motivo, precisou evitar seu vizinho a semana toda. Ela sabe que ele foi até o ballet nos dias combinados, mas evitou o encontro pedido que Rhysand deixasse Catrin na empresa ao invés de em casa. Isso fazia com que os dois não se topassem em lugar nenhum: nem na escola, no trabalho ou a porta de casa.

Isso acalmou aquele receio dela, e foi suficiente para que os pensamentos se tornassem menos... obsessivos. Nestha ouvia o falatório de Catrin sobre todas as aulas, pegando detalhes bobos como o fato de que Cassian sorria pra ela, segurava suas mãozinhas em passos novos  e até ajeitou o coque dela que estava caindo no meio das aulas. Isso apertava  coração da mulher a ponto de sufocar, principalmente porque toda história contada vinha acompanhada de um sorrisinho doce cheio de expectativas.

Ela se culpava também. Se culpava por ter feito tantas escolhas horríveis, por ter dado um pai tão horrível para Catrin. Neshta nunca teve o pensamento de que tudo tinha valido a pena por causa da existência pelo simples fato de que sabia que ela era dela. Independente de quem seria o pai, Catrin era dela, Catrin existiria, Catrin teria uma vida. Mas a pequena merecia mais do que um espaço vazio na certidão de nascimento. Mais do que um homem que a machucou antes mesmo de ela de fato existir. Ela merecia um pai bom. Ela merecia um pai como Cassian.

E era isso que deixava nervosa a ponto de sufocar. Pensar nisso, nesse antagonismo entre o que a filha merecia e o que tinha. E, mais do que isso, que um pouquinho dessa dádiva morava no andar debaixo.

Deus, era sufocante.

Neshta obteve sucesso em seu plano, chegando aos embalos de sábado a noite completamente longe da vista de Cassian, ou pelo menos foi o que ela achou.

Catrin passara a semana inteira eufórica, e no final da noite de sexta, apagou no sofá enquanto assistia Barbie e as Doze Princesas Bailarinas. Ainda eram 21:30 quando Nestha a levou pra cama, seu pequeno rostinho solene enquanto dormia em meio a inúmeros bichinhos de pelúcia em um quarta rosa chá milimetricamente decorado pelas duas há cerca de alguns meses. O telefone da mulher vibrou ao mesmo tempo em que ela pegou uma taça de vinho e sua campainha tocou.

Honey | NessianOnde histórias criam vida. Descubra agora