Com exceção da quantidade de coisas que costumara ter para processar, Nestha gostava do trabalhar no financeiro de uma multinacional.
A bailarina sempre achou super racional se envolver com números, e sendo bem sincera, apesar do caos que se instalava quase todos os dias no meio de relatórios e orçamentos, gostava da ideia de que 1 + 1 = 2. Simples assim. Sem complicações, subjetividade ou coisas do tipo. Isso dava um certo prazer pra ela em sua rotina ansiosa. Algo conciso. Algo sólido.
Já fazia um tempo desde que fazia seu tratamento às escondidas, mesmo que no fundo soubesse que isso provavelmente não passava despercebido do radar de Feyre. A intenção real nunca foi se esconder, na verdade. Ela só supôs que isso se valia apenas dela mesma, e decidiu que não precisava se expor. Ela nunca disse nada. Feyre nunca questionou. E elas seguiram daquela forma.
Os remédios ajudavam bastante — a adaptação lenta como o inferno — e visitava periodicamente sua terapeuta, pelo menos uma vez por mês. Ela se sentia secretamente vitoriosa por isso, considerando que a princípio elas ocorriam duas vezes na semana, mas sempre soube que isso era inconstante. Alguns dias eram mais fáceis que outros. Haviam semanas em que ela mal pensava sobre absolutamente nada. Em outras, se vangloriava se conseguisse duas ou três horas de sono. Aprendeu a ter que lidar com aquilo silenciosamente. Por Catrin. E por ela, algumas vezes.
Mas naquela semana, sentia-se como em uma crise incomum. Não era uma crise, na verdade, mas sentia-se inquieta, como se não fosse nato dela. Fazia duas semanas desde a fatídica noite com Cassian, mais ou menos o tempo em que não o via por mais de cinco minutos. Não que aquilo fosse proposital — eles ainda se encontravam nos dias de balé de Catrin — mas se limitava aos encontros descontraídos na escadaria, e em seguida casa um seguia para o seu canto.
Não, definitivamente não era proposital. Em nenhum dos dias desde aquela noite Nestha conseguiu parar de pensar no que aconteceu, nele. A forma como Cassian a levou a loucura, alcançando níveis e limites de prazer que ela nunca achou que conheceria. Caramba, quando foi que ela esteve com um homem antes disso? Catrin deveria ter dois ou três anos, e experiência fora tão vaga que a mulher simplesmente decidiu que não valia o esforço. Mas aquela noite... ela duvidava se esqueceria aquilo. Certamente seria injusta com o próximo homem que saísse, porque Cassian tinha elevado seus padrões ao impossível. Ela também não teve a capacidade de se sentir envergonhada, não após a leveza do restante do dia, não após aquela segunda vez crua em sua bancada de cozinha. Tudo era tão, tão simples com Cassian. Sem justificativas. Sem explicações. Ela gostava da presença dele e não se sentia cobrada. Como se pudesse ser ela mesma.
Um descanso para todo o tempo fingindo e mentindo, escondendo-se de sua própria verdade pelos que estavam ao seu redor. Por Catrin, mais uma vez.
Gwyneth entrou em seu escritório silenciosamente, mas Nestha não precisou de retirar os olhos da planilha em seu computador para reconhecer aqueles passos. Ela ouviu o fechar da porte e em seguida o barulho de algumas pastas sendo manejadas no arquivo da parede oposta à sua mesa.
— Está procurando algum arquivo específico? — ela questionou, ainda focando em sua planilha.
— Na verdade não. Só remanejando alguns relatórios que estava digitalizando.
Nestha parou o que estava fazendo e encarou sua amiga. Gwyn geralmente era descontraída em seu ambiente quando estavam só as duas, mas desde que pisou na empresa estava a sentindo estranha.
— Está tudo bem?
Ela teve certeza da mentira da amiga quando esta apenas assentiu, suspirando, enquanto remanejava os tais arquivos.
— Ei, eu conheço você. Temos um acordo, lembra?
A verdade a qualquer custo.
Nunca houve uma explicação racional do porque as mulheres deram tão certo de cara. Mas sempre foi assim, desde o início, quando Gwyneth se abriu sobre complicações do passado e Nestha se sentiu compelida a fazer o mesmo. Elas precisavam de ajuda e perceberam isso juntas, talvez. E então se tornou o acordo silencioso entre ambas. A verdade a qualquer custo. Pareceu idiotice no início, mas pra Nestha, foi como uma salvação. Ela queria falar, as vezes. Mas quase nunca fazia isso com os outros. Ter um espaço para fazer isso durante os últimos anos... sim, isso salvou a vida dela.
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Honey | Nessian
FantasyA vida de Cassian se encontra em um limbo existencial complexo: após o fim de um noivado conturbado e longo, o homem decide voltar à sua cidade natal para contar com o apoio da família. Ressentido, Cassian decide adotar uma vida distante e pacata, b...