11 | A chance de ser minimamente vulnerável

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🚨Aviso importante: esse capítulo contém descrições explícitas e gatilhos sobre ansiedade e violência doméstica. Lá embaixo tenho uma nota importante sobre isso. Boa leitura. 🚨

Existiam coisas que sempre deixavam — e deixariam pelo resto da vida — Nestha completamente assombrada. Não com medo ou minimamente receosa, mas verdadeiramente assombrada.

Todas essas coisas envolviam, mesmo que minimamente, a construção pessoal de sua vida, desde a infância até aquele presente. Tinha sempre algo que a assombrava, como se fosse um encosto em sua vida que ficasse ali, frequentemente a lembrando de tanta dor. De todo o fracasso.

Todo esse assombro se reverteu em ansiedade. Tanta ansiedade que ela se perguntava se sobreviveria a tudo. A todas as vezes em que era ruim.

Nestha sabia que não era sempre assim. Sabia que haviam dias bons — muito bons, na verdade — e que ao reconstruir sua vida após tanta turbulência, ela fez um desvio drástico nas estatísticas e podia se considerar quase feliz. Ela tentava visualizar isso, dia após dia. As coisas melhoraram. O que eram dias intensos de crises, se tornaram quase um tormento silencioso. Sem sufoco, choro ou sensação de perda de controle. Com exceção dos pensamentos excessivos — uma característica tão rotineira dela que a bailarina se espantou em descobrir que aquilo era somente mais um dos traços de seu infame transtorno —, ela aprendeu a controlar e lidar, se instalar mais firmemente na realidade. É momentâneo, ela dizia.  Tudo se resolve no final. Olha pra você mesma... você conseguiu, viu? Você tem uma carreira. Sua filha desconhece o significado de violência. Você saiu. Você escapou. Não fugiu, não. Você venceu. Isso é só mais um detalhe.

Só mais um detalhe.

Mas não importava o quanto seus mantras a apertavam. O quanto ela tentava lutar contra. Em todas as vezes que aquilo se intensificava, tudo isso era em vão, absolutamente todas as informações se esvaíam como cinzas.

Sempre parecia como a última vez. Sempre parecia que ali seria seu fim. Em todas as vezes.

Ele a olhava de canto com o sorriso bêbado e amarelado, o cheiro de charuto fazendo seu estômago se revirar. Ele costumava ser belo, certo? Sim, com certeza. Com seus olhos acinzentados e postura madura, parecia um rei que comandava um castelo, com suas roupas caras e cheiro sofisticado. Mas quem elege reis? Certamente não a linhagem real. Não. Aquele rei em questão mentiu para todos. Ele fingiu que amava a rainha até que se casassem. Então, tomou sua coroa, a tornou sua prisioneira e se fez amado por todos. Uma farsa. Aquele homem era uma farsa.

— Ah, Nestha. Nós já conversamos sobre isso. Você sabe o que acontece quando me desobedece, não é querida? Por alguma razão, você insiste em me desobedecer. Tão petulante, tão... violenta. Se não fossem esses lindos olhos, eu teria certeza de que você é tudo menos minha. Sua mãe seria imprestável a esse ponto. Assim como todas vocês são.

Não importava o motivo, naquela visão, Nestha nunca se via. Ela olhava pra baixo, sentia o coração disparado em medo e dor, mas não via nada, a não ser a imagem do homem de terno que agora abria vagarosamente o cinto. Ela odiava aquele cinto, o barulho metálico que ele fazia enquanto ele o retirava. Diferente das outras vezes, a luz entrava em camadas pela persiana branca de seu quarto azul bebê. Brilhava o cabelo dele. O sorriso demoníaco, quase sádico, de quem sabia exatamente o que estava prestes a fazer.

Mas ela nunca deixava barato. Não quando não era mais uma criança indefesa. Decidiu antes mesmo de entender o que era decidir algo, que seria uma lutadora. Mesmo que lutas a deixassem exaustas.

— Teria sido um favor, querido, se ela tivesse se dado ao trabalho. Certamente eu e ela estaríamos muito mais felizes e dignas agora.

A expressão dele se fechou imediatamente, aquele olhar sombrio que ela conhecia. Como se invocasse a raiva. O ódio. As justificativas que ele dava pra si mesmo quando se perguntava por qual raio de motivo estava prestes a bater em sua garotinha. Corrigindo. Nestha nunca foi a garotinha dele. Nunca tinha sido a garotinha de ninguém. Mesmo que secretamente se perguntasse aquilo.

Honey | NessianOnde histórias criam vida. Descubra agora