XXI

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     Cheguei ao píer. O movimento era incessante. Curiosamente, o Dragão estava ancorado na área de desembarque de peixe, ao lado da bomba de combustível. Dei um salto e pulei dentro dele. O barco estava vazio. Do lado da cozinha havia uma porta que dava para um dormitório pequeno,
com uma cama. A porta estava fechada. Bati. Segundos depois ela se abriu. Paulinho me recebeu sem sorriso, a cara amassada, típica de quem acabara
de acordar.

     - Você não dormiu em casa. Fiquei preocupada.
     Ele saiu, os olhos tentando se acostumar à claridade.
     -Como você soube que eu estava aqui?
     - Não sabia. Vim procurar o Mazinho. Pensei que ele soubesse onde você estava. Foi coincidência. - Ele estava de costas para mim, vendo o mar, talvez tentando encontrar palavras para falar. Aproximei-me dele.  - Você está com raiva de mim? O que foi que eu fiz?
     - Você não fez nada - respondeu, evitando me olhar.
     - Então por que você está assim?
     - Acho que você devia ir embora. Vai enquanto é tempo.
     - Não, enquanto não falar com o Roger.
     - Santo Deus! Deixe aquele homem em paz! Já não basta o que aconteceu?
     - Só quero falar com ele, porra! - berrei. - Eu tenho o direito!
     - Que direito, Carla?! Já não basta o que ele te fez?
     -Por isso mesmo preciso falar com ele.
     - Por quê?
     - Porque estou grávida! - explodi.
     Aquilo foi como um tapa na cara dele. Paulinho ficou vermelho.
Seus olhos se encheram d'água. Senti seu corpo ficar teso, como se algo
reverberasse dentro dele.
     - Aquele filho da puta! Ele me paga! - gritou dando um murro no ar.
     - Paulinho, eu não vim aqui para cobrar nada, nem para despertar
ódio. Eu não quero nada. Não quero que ele assuma esse filho, que pode
nem ser dele. Não quero dinheiro, não quero nada. Nem sei se vou ter esse
filho. Eu só estou aqui porque nunca vou viver em paz se não puder dizer o
que sinto para ele. Só isso.
     - Você vai tirar essa criança?
     - Não sei ainda. Mas é um direito meu. Apesar de a Igreja e a lei não permitirem, no meu corpo, mando eu. Então eu vou decidir.
     - E seus pais?
     - Isso é uma outra história. No momento preciso resolver outra coisa.
     - A Marisa sabe?
     -Não. Ela não é mais minha amiga. Você sabe disso. Nesse episódio todo eu fiquei sozinha.
     - Você não está sozinha. Nós aqui na Ilha estamos do seu lado. Eu,
Mazinho, Martim, Zezé...
     - Eu sei, e sou grata. Por isso voltei. Porque eu preciso do apoio de
vocês. Tenho que tomar uma decisão. E ela vai depender da conversa que
vou ter com o Roger.
     - Se fosse outra mulher, não iria querer ver ele nem pintado de ouro.
     - Sou diferente. Estou morrendo de medo de ficar frente a frente com
ele de novo. Mas tenho que vencer esse medo. Senão acho que nunca vou me
recuperar.
     - Eu vou com você. Você não vai ficar sozinha com ele.
     - Preciso ficar. Por favor, Paulinho, depois de tudo que me aconteceu,
nada mais de ruim pode me ferir. Só preciso que você me diga onde posso
encontrá-lo.
     - Ele está morando do outro lado da Ilha, bem distante daqui. Depois do que aconteceu, não quis mais olhar para a cara dele. Mazinho proibiu que pusesse os pés no Dragão. Ele ficou com vergonha e sumiu por aí. Depois fiquei sabendo que ele e a mulher estão morando na Ponta da Ilha. Só dá pra chegar lá de barco.
que
     - Eu preciso ir até lá. Arruma um barco para me levar lá. Eu pago.
     - Vou ver com o Mazinho. Já tomou café?
     - Não. E estou morrendo de fome.
     - Então vamos tomar café.
     Saímos do barco e fomos andando lado a lado. Paulinho estava triste
com tudo aquilo. Mais até do que eu.

Os caminhos de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora