A viagem transcorria tranqüila. Íamos conversando, contando piadas e
tudo mais. De vez em quando eu olhava para Roger que parecia ser o responsável pela cozinha. Ele também me olhava, às vezes sorria e piscava. Eu fazia de tudo para me aproximar dele. Só que não conseguia. Quando não era alguém conversando comigo, outro estava conversando com ele. Assim foi durante toda a viagem.
Chegamos ao nosso destino, uma pequena ilha distante horas do
continente. O vento soprava forte. Em nada aquele torrão parecia uma ilha
convencional, cheia de coqueiros e praias deslumbrantes encravada no meio do oceano. Era sim um monte de terra e rocha, estéril, quase sem nenhuma vegetação. Apenas pedras enormes, amontoadas umas sobre as outras. Para desembarcarmos, foi preciso uma canoa, pois não havia praias onde pudéssemos desembarcar. Toda a ilha era cercada por enormes pedras e rochedos. Moravam ali apenas cinqüenta famílias de caiçaras. Com muito sacrifício desembarcamos. As casas ficavam encravadas entre as rochas.
Roger ficou encarregado de levar o pessoal na canoa. Como ela era pequena, só cabiam três pessoas além dele, ele foi obrigado a fazer várias
viagens. De três em três o Dragão foi ficando vazio. Com a desculpa de
estar com medo de entrar naquela canoa, fui ficando para trás.
Pronto. Todos tinham desembarcado e já se encontravam em terra firme.
Só eu ainda estava lá. Roger parou a canoa do lado do barco, estendeu os
braços e eu caí sobre ele. Pela primeira vez senti seu corpo suado, cansado.
Sentei-me de frente. Finalmente estava sozinha com ele, que me olhava
enquanto remava.
- Não sabia que você era tão forte - falei.
- Nem eu imaginava que você fosse tão bonita - murmurou ele baixinho, o suficiente para eu ouvir.
- Não sou tão bonita assim. São seus olhos.
- Não. Você é bonita; mais que o mar. E seus olhos verdes são mais belos que o verde dessa água e toda jóia que ela possa ter.
Corei. Não imaginava que ele pudesse fazer poesia ali na minha
frente. Então sorri.
- Não imaginava que você fosse poeta.
- Você que me inspira - respondeu ele sério, parecendo que estava
louco para me beijar.
Chegamos. Passamos pelas pedras e paramos num ancoradouro de
madeira carcomida, destruída, quase sem uso.
- Finalmente vocês chegaram. O que está acontecendo? Estão de namoro, é? - brincou Marisa.
Não respondemos e saímos da canoa. Subimos pela trilha recostada
nas pedras. Chegamos às casas de madeira dos pescadores. Antes, porém,
Mazinho pediu que as meninas colocassem roupas, já que os sumários biquínis que elas usavam podiam causar um certo impacto naquela colônia de pescadores pouco acostumada com presenças estranhas naquela ilha.
Fiquei olhando as casas penduradas nas pedras. Como conseguiram
fazer aquilo? Como conseguiam viver tão longe de tudo? A energia elétrica
provinha de um pequeno gerador. Apesar de humildes, as casas eram limpas, providas de geladeiras e televisão. Todas as casas tinham antenas parabólicas. Apesar da distância do continente, eles tinham lá um certo conforto e estavam antenados no mundo. Tinham até uma escola e uma professora que vivia entre eles e ensinava às crianças as primeiras letras. Achei aquilo tudo o máximo.
Depois do almoço na casa de um dos caiçaras, resolvemos sair. Mazinho
ficou conversando com o dono da casa. As meninas sumiram com Martim e
Zezé morro acima. Fiquei sozinha. Resolvi sair. Queria mesmo curtir aquela solidão. Fui seguindo uma trilha oposta. Levei um susto quando me deparei com enormes lagartos, língua igual à cobra. Quando notaram minha presença, sumiram entre as pedras. Recuperei-me do susto e segui caminho. Subi até o alto de uma pedra onde se via o mar e toda a ilha. Sentei-me ali e fiquei extasiada e ao mesmo tempo com medo de escorregar e cair no enorme paredão que
formava a pedra ao se deparar com o mar.
Avistei o Dragão sereno, tranquilo, ancorado distante. O mar estava
calmo, azul - de perto parecia verde -, belo como sempre. Fiquei pensando
nas pessoas que moravam ali. Acho que eu não conseguiria viver ali por mais de um dia.
Ouvi barulho. Virei-me e dei de cara com Roger. Ele sentou-se ao meu lado. Estava descalço, sem camisa. Não sei como conseguia andar naquelas
pedras tão quentes sem uma sandália ou chinelo.
- Admirando a paisagem?
- É lindo -respondi.
- Está mais bonito agora com você aqui.
- Por favor, Roger. Não fale assim. Fico com a impressão de que você está me cantando.
- E estou -disse ele segurando minhas mãos e beijando minha boca.
É claro que já tinha sido beijada antes. Desde os treze anos eu já sabia
o que era beijar. Mas aquele beijo... Aquele beijo, eu nunca tinha experimentado.
Quando ele me soltou, caí de costas para melhor ver o céu, se ele ainda estava ali. Ele estava e parecia sorrir para mim. Ou será de mim?
Ele veio por cima e tentou me beijar de novo. Não. Não iria agüentar
mais um beijo dele.
- Pára, Roger! - e dei um empurrão de leve nele.
- O que aconteceu?
- Nada - respondi me levantando e me compondo. Só que eu acho que ainda é um pouco cedo para as coisas chegarem nesse ponto.
- Mas foi só um beijo - desculpou-se.
-Sim. E estávamos indo para o segundo, depois o terceiro... sei lá o que pode acontecer.
Dei as costas e saí dali. Confesso que fiquei morrendo de raiva de mim
mesma, mas tinha que me controlar. Não podia ceder assim tão facilmente.
Tinha que saber me cuidar. Homens são homens, mamãe dizia, se deixar
eles deitam e rolam...
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Os caminhos de Carla
Non-Fiction"Com a cabeça recolhida na mochila ouvia passos. Eram os demônios que povoavam minha cabeça. Para fugir deles, pensei em pessoas bonitas, músicas alegres, sorrisos falsos de gente triste que caminhava pela Rua do Meio. Então fiquei pensando na minha...