XIV

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     O trapiche estava lotado. Uma algazarra sem fim. Roger sumiu, disse que ia pegar o violão. As meninas estavam espalhadas pelas mesas, fazendo graça, bebendo e paquerando. Não havia mesa sobrando. Fui ter com elas.
     - Olha quem chegou depois de um longo inverno! - berrou Marisa com a voz alterada, mole.
     - Você está cheirando a álcool - falei no ouvido dela.
     - Claro que estou. Isso é caipirinha. É das boas. - Pegou o copo e passou para minha mão. - Beba. Isso faz um bem danado!
     Levei a boca. Não tinha jeito. Não gostava de nada que tivesse álcool. Mas como todo mundo tomava e não fazia cara feia, não podia ser diferente. Só não deixei de reclamar:
     - Mas isso é muito forte.
     - Não é não. É você que é fraca... Me diga uma coisa, por onde a senhora andou?
     - Por aí. Está gostoso lá fora. Aqui dentro está muito quente.
     - Cuidado. Aí fora está cheio de urubus. Cuidado com sua carne.
     - Fica tranquila - respondi dando um tapa de leve nas costas dela - Da minha carne eu sei cuidar.
     Então se fez silêncio. O som sumiu. Em seguida Roger apareceu com violão e arrumando o microfone no canto da sala que não tinha nada de palco ou coisa parecida.
     - Desculpe-me por estar de volta - falou ele com a voz rouca, firme, que me fez tremer as pernas. Eu estava em pé ao lado da Marisa. - é que eu recebi um pedido muito especial, de uma garota muito especial. aquela ali no canto, de vestido de alças e cabelo preso - e apontou para mim.
     Meu coração quis sair pela boca. Minhas pernas tremerão tanto que eu me abaixei ao lado da Marisa. Fiquei com vontade de sair correndo dali.
     - Menina! Ele está falando de você. Olha só está todo mundo te olhando.
    E Ele continuou:
     - Então, em homenagem aquele rosto lindo, vou cantar uma música. Se vocês quiserem continuar conversando, tudo bem. Para mim só importa que ela ousa.
     - Qual o nome dela? - gritou alguém.
     - Carla - respondeu ele.
     De repente todo mundo começou a gritar meu nome e a bater palmas. Parece que todo o sangue do meu corpo foi parar no rosto. Não sabia o que fazer, se ria ou chorava, se sentava ou corria.
     Enfim, ele começou a cantar uma música que falava de amor. Uma música que eu nunca tinha ouvido. Ao contrário da outra vez, onde eu fora a sua única ouvinte, todos ficaram em silêncio e ouviram. Acho que eu era a única que não ouvia por achar aquilo tudo muito inusitado, inimaginável. Parecia um conto de fada, daqueles bem piegas, típico de filmes americanos água com açúcar.
     Só agora entendo que tudo que começa com açúcar e mel, na vida real, termina em ácido cítrico e fel.
     - Depois que ele cantou, sumiu, como da outra vez. Talvez esperasse que eu fosse procurá-lo. Não fiz. Preferi ficar, esquecer aquilo que era artificial demais para mim.
     Quando deu 3 horas da manhã saímos de lá caindo aos pedaços. As três quase não se aguentavam em pé. Estávamos literalmente bêbadas. Eu conseguia me manter em pé porque fingi o tempo todo que bebia. Foi um custo chegar em casa. Elas vinham falando bobagens pelo caminho.
     - Eu não imaginava que você, minha recatada Carla, iria roubar a cena - falou Piera, abraçando-me.
     - Quem diria?! A menina mal chegou na ilha e na primeira noitada já arrumou um namorado - completou Marisa.
     - Ele não é meu namorado. Nem conheço direito o cara. Será que vocês não perceberam que ele estava tirando uma com a minha cara?
     - Tirando nada. Ele cantou o tempo todo olhando para você - respondeu Marisa falando no meu ouvido com aquele bafo de cachaça.
     - Como você sabe, Marisa, se você estava o tempo todo com os olhos procurando uma garrafa que tivesse algo para beber? - respondi, me defendendo da maledicência dela.
     - Mentira sua. Essa é a primeira garrafa que tomo hoje - respondeu ela erguendo uma garrafa de cerveja que tinha na mão.
     - Você está bêbada, Marisa. Fica calada! - cortou Joana tomando a garrafa da mão dela e levando a boca.
     - Finalmente chegamos. Passava das quatro. Logo o dia chegaria. A casa estava deserta. Marco ainda não havia chegado. Melhor assim, senão ele poderia achar ruim de nos ver naquele estado.
     suadas, cansadas, bêbadas. Assim mesmo cada uma caiu numa cama que dividimos no mesmo quarto. Para elas o mundo parecia ter-se apagado. Apesar do sono, a magia daquela noite mexera comigo e eu não conseguia pregar os olhos. Meu corpo coçava. Precisava de um banho. Quem sabe assim conseguia dormir?
     Fui para o banho. Um banho rápido e gelado. Aquilo acabou me despertando ainda mais. Mas pelo menos aquele fogo havia abrandado.
     De banho tomado voltei para cama. Ouvi o barulho do carro chegando era o Marco. Ouvi quando a porta da sala se abriu. Ele não estava sozinho. A outra voz era de uma mulher. Sei que é feio ficar ouvindo conversa dos outros, mas falavam quase gritando e eu não tinha mais nada para ouvir.
     De repente silêncio. Um beijo demorado. Um suspiro. Outro beijo. Um sim. Um não. Outro gemido. Era difícil imaginar que Marco trouxera uma garota para sua casa, com sua irmã ali. E que estava fazendo amor da sala.
    Para quem nunca sairá de férias sem os pais, filha única, acostumada a ver o mundo através de uma redoma, aquelas primeiras 24 horas na ilha estavam demais reveladoras. Fiquei com vontade de me levantar, ir até o corredor e ficar espreitando. Não tive coragem. E se eles me vissem? Melhor não. Então virei para o lado, contive a euforia e dormir dividida entre imaginações e gemidos na sala.
    

    

Os caminhos de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora