IX

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     - Carla! Carla!
     Era Mazinho chegando com o dragão. De longe ele me avistara sentado no píer, com os pés na água, ora contando os barcos, ora contando os peixes que se atreviam a chegar perto dos meus pés. Esperava por ele. Não sei por quanto tempo fiquei ali, sentada entre os barcos que vinham e partiam trazendo peixes e camarões.
     Mazinho era uma espécie de capitão do dragão. Comandava o pessoal na incansável busca pelo peixe que, as vezes, teimava em não cair na rede. Era um senhor de mais de sessenta anos, cabelo branco e pele enrugada, lustrosa, queimada de sol.
     O dragão não ancorou, ficou fundeado um pouco distante da praia. Mazinho desceu num barco menor e veio ter comigo. Era estranho como apenas alguns dias pudessem nos ter transformados em grandes amigos. Eu gostava muito dele. Do jeito de ele olhar, prestar atenção no que a gente falava. No jeito sereno de sua fala...

     - Como você está? - perguntou, enquanto se sentava ao meu lado e me dava um abraço.
     - Bem. Maravilhosamente bem - menti.
     - Ah, então dá um beijo aqui. Um de cada lado.
     Dei risada e beijei seu rosto queimado, salgado, grosso.
     - Cadê o pessoal?
     - Vim sozinha.
     - Aconteceu alguma coisa? Por que você veio sozinha?
      Não respondi. Olhei bem para o horizonte, lá onde o mar encontra o céu.
      - Não me diga que veio aqui apenas para comprar essa livro - falou Mazinho, dando uns tapas nas pernas. - Foi lá no ponto das letras que você comprou, não foi?
     Ergui o livro para ele ver melhor. Dei um sorriso sem graça. O tempo estava passando. Tinha pressa. Muita pressa. Então fui logo dizendo:
     - Vim aqui para ver o Roger.
     - Não me diga.
     - Digo. Você sabe por onde ele anda?
     - Menina, não faça isso. Depois de tudo que você passou!... O que você quer com ele? Deixe aquele bixo em paz.
     - Vou deixar, depois que conversar com ele.
     - Você tem certeza que quer fazer isso ?
     Não respondi. Meus olhos se encheram d'água. Não pude conter e então chorei. Acho que Mazinho não era bom para consolar ninguém. Ficou meio perdido, sem saber o que fazer, ou dizer. Mas disse:
     - Não chora assim, Carla. Eu gosto tanto de você! Você tem idade para ser  minha neta. Não quero que você sofra. Olhe, o dragão está lá, morrendo de saudades de você. Que tal ir com a gente pescar amanhã? Quer?
     Foi como num passe de mágica. Meus olhos secaram e sorri. Daí ele me abraçou e passou a mão no meu cabelo. Parecia que ele sabia o que se passava comigo.
     - Mazinho, chega aqui - gritou um pescador lá na outra ponta do píer, que negociava os peixes que iriam descarregar do dragão.
     - Tenho que ir lá, senão eles roubam a gente no preço do peixe.
     - Como foi a pesca? - perguntei, olhando os pescadores que tiravam os peixes do dragão e os jogavam numa canoa para serem trazidos até a balança que ficava perto da bomba de combustível.
     - Razoável. Já foi melhor. Mas amanhã, com você lá, com certeza vamos encher os porões do dragão.
     - Com certeza. Agora vai lá. Eles estão te esperando.
     - Você vai ficar bem aí? Está precisando de alguma coisa?
     - Estou - respondi.
     - Do quê?
     - Paz.
     - Você vai encontrar essa paz - segurou minha mão - Amanhã cedo aqui?
     - Que horas?
     - Antes do nascer do sol - respondeu dando as costas e indo embora.
 

Os caminhos de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora