- Carla! Carla!
Era Mazinho chegando com o dragão. De longe ele me avistara sentado no píer, com os pés na água, ora contando os barcos, ora contando os peixes que se atreviam a chegar perto dos meus pés. Esperava por ele. Não sei por quanto tempo fiquei ali, sentada entre os barcos que vinham e partiam trazendo peixes e camarões.
Mazinho era uma espécie de capitão do dragão. Comandava o pessoal na incansável busca pelo peixe que, as vezes, teimava em não cair na rede. Era um senhor de mais de sessenta anos, cabelo branco e pele enrugada, lustrosa, queimada de sol.
O dragão não ancorou, ficou fundeado um pouco distante da praia. Mazinho desceu num barco menor e veio ter comigo. Era estranho como apenas alguns dias pudessem nos ter transformados em grandes amigos. Eu gostava muito dele. Do jeito de ele olhar, prestar atenção no que a gente falava. No jeito sereno de sua fala...- Como você está? - perguntou, enquanto se sentava ao meu lado e me dava um abraço.
- Bem. Maravilhosamente bem - menti.
- Ah, então dá um beijo aqui. Um de cada lado.
Dei risada e beijei seu rosto queimado, salgado, grosso.
- Cadê o pessoal?
- Vim sozinha.
- Aconteceu alguma coisa? Por que você veio sozinha?
Não respondi. Olhei bem para o horizonte, lá onde o mar encontra o céu.
- Não me diga que veio aqui apenas para comprar essa livro - falou Mazinho, dando uns tapas nas pernas. - Foi lá no ponto das letras que você comprou, não foi?
Ergui o livro para ele ver melhor. Dei um sorriso sem graça. O tempo estava passando. Tinha pressa. Muita pressa. Então fui logo dizendo:
- Vim aqui para ver o Roger.
- Não me diga.
- Digo. Você sabe por onde ele anda?
- Menina, não faça isso. Depois de tudo que você passou!... O que você quer com ele? Deixe aquele bixo em paz.
- Vou deixar, depois que conversar com ele.
- Você tem certeza que quer fazer isso ?
Não respondi. Meus olhos se encheram d'água. Não pude conter e então chorei. Acho que Mazinho não era bom para consolar ninguém. Ficou meio perdido, sem saber o que fazer, ou dizer. Mas disse:
- Não chora assim, Carla. Eu gosto tanto de você! Você tem idade para ser minha neta. Não quero que você sofra. Olhe, o dragão está lá, morrendo de saudades de você. Que tal ir com a gente pescar amanhã? Quer?
Foi como num passe de mágica. Meus olhos secaram e sorri. Daí ele me abraçou e passou a mão no meu cabelo. Parecia que ele sabia o que se passava comigo.
- Mazinho, chega aqui - gritou um pescador lá na outra ponta do píer, que negociava os peixes que iriam descarregar do dragão.
- Tenho que ir lá, senão eles roubam a gente no preço do peixe.
- Como foi a pesca? - perguntei, olhando os pescadores que tiravam os peixes do dragão e os jogavam numa canoa para serem trazidos até a balança que ficava perto da bomba de combustível.
- Razoável. Já foi melhor. Mas amanhã, com você lá, com certeza vamos encher os porões do dragão.
- Com certeza. Agora vai lá. Eles estão te esperando.
- Você vai ficar bem aí? Está precisando de alguma coisa?
- Estou - respondi.
- Do quê?
- Paz.
- Você vai encontrar essa paz - segurou minha mão - Amanhã cedo aqui?
- Que horas?
- Antes do nascer do sol - respondeu dando as costas e indo embora.
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Os caminhos de Carla
Non-Fiction"Com a cabeça recolhida na mochila ouvia passos. Eram os demônios que povoavam minha cabeça. Para fugir deles, pensei em pessoas bonitas, músicas alegres, sorrisos falsos de gente triste que caminhava pela Rua do Meio. Então fiquei pensando na minha...