- Carla. Carla. acorda menina !
Abrimos os olhos. Parecia que tinha um peso sobre mim. Aquela voz distante chamando pelo meu nome parecia cada vez mais perto. Vi o rosto do Paulinho.
A luz do sol queimava minha visão. Via tudo embaçado. Custou para que eu me desse conta que estava ali, na ilha, diante do meu amigo, um senhor que tinha idade para ser meu pai, mas que era Alegre e jovial como adolescente.
- Você está se sentindo bem ?
- Que horas são? - Perguntei, esfregando os olhos.
- Dez Horas. Acabei de abrir a porta e levei um susto com você deitada aí.
- É que eu cheguei de madrugada. Estava chovendo - olhei para os lados procurando pela chuva quentinha ido embora e deixando um sol maravilhoso.
- E por que não bateu na porta e me chamou? Como teve coragem de deitar e dormir aí? É por que não me ligou dizendo que vinha? Eu teria te esperado - Resmungou Paulinho, feito meu pai.
- Não quis incomodar. Também não deu para te ligar. Resolvi de repente vir até aqui.
- E cadê o pessoal? O Marco, a Marisa...
- Só eu vim. Você bem sabe que eu não tenho mais contato com elas.
- Olha como você está molhada! Vamos estrar. Você toma um banho e põe uma roupa seca.
Entramos. As cadeiras estavam todas amontoadas uma sobre as outras. Quase não se viam os quadros que prensavam as paredes cor-de-rosa. O bar cheirava a cerveja.
- Não repare a bagunça. Daqui a pouco eu arrumo isso.
- Não se preocupe. Não estou aqui para reparar nada - respondi fixando- me num quadro grande, de um barco verde e branco, ao longe cheio de flores. - É o Dragão?
- É Bonito, não?
- Foi ele quem pintou?... pode dizer. Eu sei que foi. Eu me lembro deste quadro. Lembro-me quando ele pintou.
- Então foi - respondeu, sem graça.
- E como ele está - falei, passando de leve os dedos sobre a imagem do Dragão na pintura.
- O Dragão? Uma beleza. Hoje o pessoal vai sair para pescar.
- Não. Estou perguntando do Roger.
Silêncio. Paulinho não disse nada. Ficou quieto. Virei-me para ele. Esperava que ele dissesse algo. Porém, limitou-se a pegar minha mochila e dar as costas.
- Venha. Vamos lá para os fundos. Você precisa tomar banho, senão pega uma gripe.
Fui atrás dele. Assim como o trapiche, seu quarto nos fundos era uma bagunça só, E antes que ele dissesse algo, falei.
- Fique tranqüilo, não vou reparar a bagunça.
- Ótimo. E entre - jogou a mochila em qualquer canto. - O banheiro é ali. Se você não tiver toalha, nem sabonete, tem ali na primeira gaveta do guarda-roupa.
Deu as costas e saiu. Notei que ele não ficou muito satisfeito com a pergunta que eu lhe fizera; ou então, não estava feliz com a minha presença ali, olhei em volta, tentei me localizar naquela bagunça. Eram roupas por todos os lados. A cama mais parecia um ninho de cobra, se é que ninho de cobra é tão desarrumado assim. Só ela, ocupava mais da metade do quarto.
Uma cama de casal para um homem sozinho. Fiquei imaginando quantas mulheres ele acolherá ali.
Desfiz minha mochila. Sorte ela ser impermeável. Peguei toalha, sabonete, pasta de dente, escova e uma muda de roupa. Fui para o banheiro. Tentei fechar a porta. Não tinha trinco, nem chave. Era um banheiro pequeno, diferente do resto da casa, pois havia uma certa organização. Tirei a roupa. Meu corpo estava frio. Fui para o chuveiro e deixei que a água lavasse meu corpo, assim como meus sentimentos mais dolorosos. Novamente a imagem do meu primeiro dia ali com as minhas amigas tomou conta de mim.
Era importante me lembrar das coisas. Enfrentá-las. Não era assim que o Dr. Renan, meu analista querido, costumava dizer ? Acho que se ele me visse ali, sozinha, começando a enfrentar o mundo, sem papai nem mamãe, ele ficaria orgulhoso. Quem diria? Eu, uma menina tão mimada, tão grudada no seio familiar, agora estava ali, sozinha, na casa de um homem, também sozinho. Vim buscar a minha felicidade que deixei perdida num lugar qualquer daquela ilha. E não ia voltar sem ela. Ponto final.
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Os caminhos de Carla
Non-Fiction"Com a cabeça recolhida na mochila ouvia passos. Eram os demônios que povoavam minha cabeça. Para fugir deles, pensei em pessoas bonitas, músicas alegres, sorrisos falsos de gente triste que caminhava pela Rua do Meio. Então fiquei pensando na minha...