IV

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     - Então, Carlinha, o que está achando? - perguntou Marisa dando-me um cutucão.
     - Estou maravilhada. Nunca vi cidade tão bonita. Nunca vi um mar tão bonito. Olha como a água é verde, parece esmeralda.
     Falei aquela com o coração. Olhos arregalados e suspiro preso no peito. Minha vontade era sair voando pelas curvas que o carro fazia pela estrada de terra, queria gritar que estava feliz, viva, como nunca estivera antes.
     Chegamos à casa dos pais de Marisa. Uma grande casa fincada no morro, ladeada por árvores e com barulho da cachoeira que ficava no fim da rua. Não se localizava perto da vila, tinha de andar um bocado para chegar lá, mas a vista... Que vista ! Podia-se ver os barcos, o mar é o céu; os infinitos se encontrando.
     Fomos recepcionados pelos mosquitos que vinham da mata. Marco nos falou que era batismo. Todos precisavam levar picadas dos borrachudos, só assim seriam felizes naquela ilha. Eu, que procurava tanto a felicidade, sem do, nem piedade.
     Arrumamos nossas coisas, tomamos café no lugar do almoço. O sol ia a pino, quente e claro. Mesmo assim saímos. Fomos andar na praia de águas claras e mansas.
     As meninas riam, brincavam. Eu estava em êxtase. Andava enfiado os dedos na areia, procurando conchinhas e meio envergonhada do biquíni cavado e dos olhares que os rapazes me dirigiam. Achava-me gordinha, insossa, sem graça. Achei uma, duas, três... De repente minhas mãos estavam cheias de conchas, daquelas pequeninas, brancas e marrons. Parecia criança. Enquanto as meninas se divertiam despertando interesses dos garotos, eu ia me distanciando, como avestruz em busca de um buraco para enfiar a cabeça. Saltitava e as vezes entrava na água para sentir seu frescor. Rolava também na areia disfarçadamente como se quisesse vestir meu corpo com areia para protegê-lo dos olhares. É que olhares!
     Marco nadava feito peixe. Ia lá para o fundo, sumia, de repente aparecia. Nos seus vinte e dois anos de idade, corpo atlético, ele era até um bom partido. Papai que diga. Por vezes elogiou Marco e chegou a sugerir que eu arrumasse um rapaz como ele para me casar e ter filhos. Não gostava nem de pensar nisso. Apesar de bonito, Marco não fazia meu tipo. Achava-o muito perfeitinho, cheio das razões e dos bons costumes.
     Na minha cabeça havia um outro rapaz que ainda não aparecera, mas que eu sabia que um dia chegaria, tomar-me-ia pelas mãos e me levaria com ele para um lugar muito parecido comigo o que chamam de paraíso. Podem pensar que sou louca sonhadora, mas sonhar é tão bom...
Falando ainda do Marco, percebi que Marisa morria de ciúmes dele. Gostava muito do irmão, ela sempre o defendia. Não gostava de vê-lo namorando, nem correndo atrás das garotas. Não brigavam nunca, pelo menos nunca presenciei nenhuma briga entre eles, coisa incomum entre irmãos.
     Notei, também, que Marisa empurrava Piera para cima dele. Havia entre elas um certo as de cumplicidade. Eu não dizia nada, apenas presenciava a troca de olhares entre elas. Sempre que dava, Marisa deixava o irmão sozinho com ela. Como naquele momento em que os dois conversavam sozinhos, molhando os pés na água enquanto Marisa e Joana vinham em minha direção. Os dois ficaram brincando de jogar água um no outro. Pensando bem, os dois até que formavam um belo casal.
     - O que você está fazendo aí, sentada nas pedras?- perguntou-me Marisa.
     - Nada. Só estou curtindo a paisagem - respondi, jogando uma conchinha na água.
     - Está gostosa a água. Por que você me tirou de lá, Marisa? - reclamou Joana, chateada.
     - Ora! Pra ver se você de manca e deixa os dois sozinhos.
     - Que dois? - perguntou Joana ingenuamente.
     - Deixa pra lá. Senta aqui e faz companhia pra gente. Anda!
     Joana, sempre calada e obediente, sentou-se ao nosso lado e ficamos em silêncio enquanto o tempo corria e o pôr-do-sol surgia, colorindo o mar, o céu e as nuvens diante dos frutos de felicidade de Piera e Marco.

Os caminhos de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora