XI

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     -E então? Como foi o passeio pela cidade?
     - Foi bom. Vi o Mazinho. Ele me convidou para ir pescar amanhã.
     - E você vai ?
     - Vou.
     - Ótimo. Vai te fazer bem. O Mazinho gosta muito de você.
     - E eu dele - falei.
     O assunto morreu ali. Paulinho saiu e foi servir uma mesa lá fora enquanto eu ficava sentada no barco diante do balcão ao lado da caixa registradora . Ainda era dia, no trapiche não tinha ninguém. Só alguns perdidos e temporão que chegava por ali, pediam cerveja ou pastel e saíam. O horário de o trapiche lotar era sempre depois das dez da noite.
     - Quer beber alguma coisa? Um suco? Um guaraná? - perguntou Paulinho, de passagem. 
     - Acho que uma cerveja- respondi.
     - Mas você já fez dezoito anos?
     - Não. Continuo com a mesma idade da última vez.
     Ele riu e voltou com uma cerveja gelada. Joguei o líquido no copo e depois na boca. Aquele gosto amargo tomou conta do meu corpo inteiro. Odiava cerveja e não entendia pó que fazia aquilo.
     - Não vai me oferecer um copo?
     Virei-me e, para minha surpresa, Martim estava atrás de mim. Sentou-se ao meu lado. Estendeu a mão e pegou um copo limpo virado de boca para baixo ao lado da pia. Servi-lo todo à vontade.
      - Como vai, Martim? Como vai a Zezé? - perguntei beijando-o na bochecha morena e lisa, sem pêlos.
      - Escrevendo, como sempre.
      - E você fotografando - falei olhando para a máquina pendurada no seu pescoço.
      Martim era um chileno, de olhos amendoados e cabelo negro; um típico latino que falava um portunhol meio enrolado. Era uma figura simpática. Tinha lá seus quase quarenta anos era casado com uma historiadora que também era escritora. Viviam dos livros que ela escrevia sobre a ilha e dos trabalhos fotográficos que ele fazia.
     - Exatamente. Continuo fotografando as belezas naturais dessa ilha maravilhosa. Mas o que você anda fazendo por aqui? Está de férias na escola de novo ?
     - Não. Estou apenas matando saudade do pessoal. E estou sozinha. Minhas amigas ficaram.
     - Você está bem? - perguntou-me, olhando bem sério nos olhos.
     - Não. Não estou - respondi dizendo a verdade. Mesmo porque meus olhos não conseguiam esconder.
     - Quer me contar ?
     - Não sei se devo.
     - Deve, sim. Vamos lá em casa. A Zezé vai ficar feliz em te ver. No caminho você vai me contando... Paulinho! Pendura essa cerveja que depois eu acerto - gritou Martim, se despedindo com um aceno.
     Bebemos o que tinha no copo. Ainda restou um tanto na garrafa. Menos mal. Não sei se aguentaria tomar o resto.
     Martim morava um pouco afastado da vila. Tínhamos uma bela caminhada entre ruas estreitas e subidas íngremes até chegar lá. No caminho eu ia chutando pedras e arrancando folhas das árvores. Tentava criar coragem para dizer. Ele notou a minha dificuldade, mas demostrava não ter pressa em me ouvir. Só quando chegavamos perto de sua casa foi que ele falou:
     - E então? Já estamos quase chegando em casa. Você não tinha nada para me dizer?
     - Sabe que a Marisa não é mais virgem ?
     - A Marisa? Claro que sabia. Com aquele aquele corpão - desenhou o corpo dela no ar - e aquele fogo... Você acha que ela resistiria por muito tempo?
     - Você tem um cigarro?
     - Claro. - tirou um maço de cigarro todo amassado. Paramos para que ele pudesse acender. Desajeitada dei o primeiro trago. Ele percebeu bque eu não fumava, e falou:
     - Tem certeza que o cigarro te faz bem?
     - E ele faz bem para alguém?
     - Não. Mas isso não vem ao caso. Como não vem ao caso o fato de a Marisa ser ou não mais virgem. Não acredito que era isso que queria me contar.
     - Não é mesmo, Martim. Mas, por favor, entenda, ainda não estou preparada para comentar isso com ninguém. Acho que não quero mais dizer nada, por enquanto não.
     - Está bem. Mas saiba que eu e a Zezé gostamos muito de você. Não só de você, mas de todas as outras meninas.
     E assim foi durante toda a caminhada. Conversas amenas e silêncio duradouro. Finalmente chegamos. Um portão de madeira separava o quintal da rua, e lá dentro um jardim de rosas na frente de uma casinha branca, de porta e janela de madeira escura.
     Encontramos a Zezé diante de uma máquina de escrever antiga. Escrevia  concentrada. Não nos viu entrar. Estava de óculos, o cabelo espigado, louro, preso num elástico que formava um rabo de cavalo e um vestido azul comprido e rodado. Não sabia que Zezé usava óculos.
     - Zezé, olha quem veio nos visitar - falou Martim, trazendo-a de volta ao mundo real.
     Ela ergueu os olhos em direção às porta e veio correndo me abraçar. Abraçou-me como se fôssemos velhas amigas que não se viam há muito tempo. E só nos conhecíamos há alguns meses. Então aquela tese de que amizade vem do coração, não do tempo que se conhece, é correta
     Jantei com eles. Conversamos sobre tudo um pouco, principalmente sobre o livro que ela estava escrevendo. De vez em quando ela parava, passava a mão no meu rosto e perguntava se estava tudo bem. Fiquei pensando se meus olhos denunciavam algo. Malditos!

Os caminhos de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora