XV

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     Não conseguia dormir direito. Sentia saudade da minha cama, do meu quarto, do beijo dos meus pais. Ouvia vozes, gritos e a música do Trapiche me incomodando. Enfim cessou. Era hora de fechar. Nada de sono. Levantei-me e peguei o vidro com os comprimidos. Tomei um morrendo de vontade de tomar dois. Só aí consegui dormir.
     Não foi longe meu sono. Acordei com Paulinho entrando. Fingi que estava dormindo. Ele foi para o banheiro, tomou banho, voltou de bermuda e enxugando as costas com uma toalha. Eu estava coberta por uma manta fina, puída e cheirando a limpo. Suava, porém não conseguia nunca dormir sem me cobrir.
     Ele parou diante de mim. Acho que queria certifica-se que eu dormia. Olhou-me com certo carinho. Depois ajeitou a coberta direito no meu corpo. Ajeitou o colchão velho no chão e apagou a luz.
     Fiquei pensando no Paulinho como homem. Não era de jogar fora, apesar da sua idade. Não era bonito, mas era viril. Gostava de andar sem camisa revelando seu peito musculoso, queimado pelo sol, quase sem pêlo. Só não gostava da insistência dele em me chamar de criança. Desde que o conhecerá, ele sempre se dirigia a mim como tal. Com as outras meninas não, mas comigo sim.
     Notei que ele não dormia. Virava de um lado para o outro. Fungava. Parecia que queria gritar.
     - Não consegue dormir? - perguntei, quebrando o silêncio.
     - Você está acordada?
     - Acordei agora - menti.
     - É que eu custo a pegar no sono - respondeu ele.
     - Acho que você está sentido falta da sua cama.
     - Que nada. Estou acostumado a dormir em qualquer lugar.
     Fiquei pensando nele ali no chão. Esqueci o amigo Paulinho. Pensei no homem Paulinho. E eu estava tão sozinha, tão distante de tudo e de todos; como se estivesse numa ilha deserta; eu e ele.
     Então por que não? Eu não tinha mais nada a perder.
     - Quer deitar aqui comigo? A cama e grande - consegui dizer, tirando palavras sabe-se lá de onde.
     Ele pensou. Acho que não esperava que eu dissesse isso.
     - Posso?
     - Você é quem sabe. A cama é sua.

Os caminhos de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora