III

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     O barulho da balsa. Mal a chuva parou e ela surgiu. Aportavam vazia, sonora, molhada. Olhei em volta. Poucas pessoas haviam chegado para a travessia e se protegiam como podiam; é quase nenhum carro. Peguei minha mochila e entrei. O mar continuava agitado, sentei no barco ensopado enquanto as pessoas tentavam se esconder do resto da chuva que insistia em cair. Não me preocupava. Estava tão molhada que meus cabelos respingavam. É daí? O importante é que eu podia ver a ilha e a minha tão próxima. Melhor. Estava indo para lá.
     Cheguei. Tomei o primeiro ônibus que me levou até a Vila. Tudo quieto, sombrio. Todos dormiam. Também, diante daquela chuva, quem não tinha vontade de dormir ?
      Rodei pela vila, pelas ruas à beira-mar e fui até o píer ver os barcos.
Lá estava o dragão, verde e branco, lutando bravamente contra o remelexo do mar. Quase ergui as mãos e dei Olá para ele. Mesmo estando ali sozinha, achei ridículo fazer isso. Apenas sorri e fiquei feliz em vê-lo.
     Andei de volta e cheguei à rua do meio. Tão tranqüila e silenciosa!
Não parecia a mesma das noites quentes de verão regadas a cerveja e sorvete. É lá estava o trapiche, com sua pintura rústica, amarelada, desgastada pelo  tempo. Olhei em volta. Ninguém. A rua era feia quando estava vazia; feia diante da chuva que não cessava. O trapiche fechado também não era bonito. Parecia um cenário abandonado de filmes antigos. O que me deixava mais tranqüila eram as latas de cerveja e restos de cigarros espalhados pelo chão; sinal de festa; das boas.
     Senti cansaço. Não tinha lugar onde pudesse ficar. Nem estava com vontade de procurar um hotel. Meu dinheiro também não era muito. Então me deitei na frente do trapiche. Ali pelo menos estava quente, já que meu corpo começou a reclamar e a sentir frio.
     Com a cabeça recolhida na mochila ouvia passos. Eram os demônios que povoavam minha cabeça. Para fugir deles, pensei em pessoas bonitas, músicas alegres, sorrisos falsos de gente triste que caminhava pela Rua do Meio.
Então fiquei pensando na minha primeira visão da cidade cercada por água. Mas isso não durou muito. Fui vencida. Logo os diabinhos, três ao todo, tomaram conta dos meus sonhos. Eles me pegavam, judiavam de mim. E eu queria acordar e não podia. Queria correr, estava presa em cordas. Eles todos de negro, rostos cobertos, riam de mim. Maldito sono que veio! Sono que trazia esses diabinhos que me aboquentavam a vida, obrigando-me a sair de casa, largar minha cama tão macia e tranqüila para ficar ali, ao relento, ouvindo o barulho do mar e a barriga roncar de fome.

Os caminhos de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora