XIII

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Saí da casa da Zezé e do Martin tarde da noite. Conversamos sobre tudo: dinheiro, trabalho, profissão... Em momento algum eles tocaram no assunto. Às vezes eu notava que Zezé até queria perguntar algo, mas desistia no meio do caminho. Eu também evitava falar. Os dois não eram tão íntimos a ponto de eu me abrir. Meu coração pedia discrição, silêncio. Então foi o que eu fiz.
Despedi-me e fui embora. A brisa que soprava do mar era refrescante. Mesmo assim o calor não dava trégua.
A caminhada parecia mais longa. O trapiche custava a chegar. E eu já estava cansada querendo dormir. Pensei no Paulinho. Na sua bondade, no seu jeito meigo de ser. Se bem que notava que l, por trás de toda aquela atenção, também havia, por que não dizer, um pouco do desejo, vontade libido.
     Por ser uma terça-feira, dia comum, longe de festas e feriados, a rua do meio estava tranquila. O movimento era apenas dos próprios moradores, a maioria desses homens e mulheres buscando tranquilidade. De resto, um ou outro turista vagando e saltitando entre as lojas. Mesmo assim o trapiche trazia alegria. Tinha música e um entra e sai discreto.
     Paulinho estava no caixa. Contava dinheiro. Ergueu os olhos e me viu de relance.
     - Quer uma cerveja?
     - Não. Quero um refrigerante dessa vez.
     - Ah! Chegou à conclusão que cerveja não é coisa para criança.
     Ele insistia em dizer que eu era criança. Fazia aquilo tentando me provocar. Como se eu ainda fosse aquele tipo de adolescente que precisava de auto-afirmação. Mal sabia que o que eu precisava era de algo muito mais importante.
     Paulinho chegou com a latinha de guaraná, colocou na minha frente e ficou me olhando. Esperava que eu dissesse algo. E eu disse:
    - Naão fica chateado, mas eu preciso voltar àquele assunto. Por onde anda o Roger?
    - Lá vem você de novo. Não posso acreditar que você veio aqui pra falar com ele.
    - Por favor, Paulino.
    - Esse cara não presta. Será que você não entende? Esquece ele. Não basta o que você passou?
     - Eu sei o que passei. Mas não fui tão vítima assim. Também fui culpada.
     - Você é uma criança. Ele não tinha o direito...
     - E quem é que tem? Paulinho, olha para mim. Será que eu sou tão criança assim?
     - Pra mim é.
     - E para uma criança de 10 anos, sou?
     Ele abaixou a cabeça. Estava deveras nervoso. Vai entender o sentimento humano! Segurei as mãos dele. As duas que estavam sobre o balcão falei olhando nos seus olhos
     - Soou nova. Sou muito nova. Mas não sou criança. Já perdi a data de quando tive a minha primeira menstruação. Queiram ou não, sou uma mulher.
     - Então, jovem mulher, viva sua vida e esqueça aquele cara.
     - Não posso.
     - Meu Deus do céu! - gritou ele, fazendo uma verdadeira encenação - realmente você não é uma criança, é uma mulher! Mulher que é assim, quando se encasqueta com um homem, ninguém tira da cabeça dela. - mais calmo, vendo que a conversa tinha que ser só entre nós, ele baixou a voz; dessa vez foi ele que segurou minha mão. - Escute, Carla! escute bem! Você passou alguns dias aqui na ilha conhece quase todo mundo por aqui na ilha. Conheceu quase todo mundo por aqui. Para você ver como essa ilha é pequena. Viu que as pessoas são legais, naturais. As coisas aqui acontecem naturalmente. Veja eu a conheço há pouco tempo, mas lhe recebo na minha casa como se você fosse uma amiga antiga. O Martim lhe recebe, o Mazinho... Isso faz parte da nossa vida aqui na ilha. Nós gostamos das pessoas. Eu conheço a Marisa desde pequena. Somos amigos. gosto da Piera, da Joana, e principalmente de você. Você é especial. Então me deixe lhe dar um conselho: deixe o Roger em paz. Ele não vale uma lágrima sua. Entendeu?
     - Entendi - falei segurando o choro. Não concordava com ele, mas sabia que ele estava certo. - estou com sono. Será que você tem um canto pra mim? Só por hoje. Amanhã eu me viro.
     - Tem o meu quarto. Toma a chave. Pode usar a minha minha cama.
    - Mas, e você?
    - Se você não se preocupar de dividir o quarto comigo, eu durmo no chão. Tem até um colchão velho que eu arrumei e deixei lá.
     - Mas... - tentei protestar.
     - Pode ficar tranquila, eu não ronco. Agora vai. Olha lá os fregueses me chamando.
     Saiu. Peguei a chave e fui lá. Ao contrário do que encontrará de manhã, o quarto estava arrumado. A cama estendida, lençol e fronhas recém-colocados e nada sobre eles. Tinha um colchão velho jogado no chão. Ali seria a cama do Paulinho. Coitado deixava de dormir em sua cama para  cedê-la a mim. Olhei de novo para cama, faltava apenas o meu corpo ali, porém, faltava tomar banho. Foi o que eu fiz

Os caminhos de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora