X

32 0 0
                                    

     Estava tonta. As luzes do trapiche se duplicavam na minha frente. Uma luz fraca, amarela, de tungstênio. Fazia calor e a vontade que eu tinha era de tirar a roupa. Tudo isso efeito da cerveja. Já tínhamos consumido quatro garrafas, uma para cada uma de nós.
     Estávamos meio altas, mas acho que eu estava pior. Levantei-me para ir ao banheiro. Quase não consegui ficar em pé. Fui com a sensação de que pisava em nuvens, com todo o céu sob meus pés.

     - Aonde você vai? - perguntou uma das meninas.
     - Vou fazer xixi - respondi me abaixando e falando no ouvido dela.
     Fui em direção a ele. O banheiro ficava num corredor escuro; um único banheiro para homens e mulheres. Quando coloquei a mão na maçaneta a porta de abriu, levei um susto. Dei de cara com um rapaz um pouco mais alto que eu, cabelo escorrido, caído na testa. Ele olhou minha cara de espanto:
     - Você está bem ?
     Procurei a voz e não achei, então fiz com a cabeça que sim. Ele me deu passagem e entrei. O banheiro era pequeno, com uma janela discreta, e tudo mais que o banheiro deve ter. E era limpo. Fiquei em frente ao espelho me olhando e procurando tentar lembrar daquele rosto que eu acabara de ver. Com certeza não era o de um príncipe encantado. Mas também não era de um ser qualquer. Ele era bonito e me agradou. E na frente do espelho me recriminei por não lhe ter beijado a boca, sem mais nem menos. Realmente estava bêbada; ou quase. As imagens se misturavam na minha cabeça.
     Fiz o que tinha que fazer senão faria na calça. Voltei para a mesa. A partir daí foi uma verdadeira romaria ao banheiro. Primeiro Piera, depois Joana e por fim Marisa.
     Passaram-me um cigarro. Só faltava isso. Meu estômago já estava nas últimas; mesmo assim não recusei, precisava me sentir bonita. Com o cigarro entre os dedos ficava pelo menos com a sensação de beleza. Fumei. Fiz bolinha de fumaça. Meu estômago revirava. Queria vomitar. Mas tinha que ser forte, mesmo porque o rapaz com quem eu derá de cara no banheiro acabara de pegar o violão. Olhou para mim, sorriu. E do outro lado do salão ele começou a tocar e a cantar uma cantiga triste de amor. Meu coração bateu forte, não sei ser por ele ou pela canção; mas bateu.
     - Você sabe o nome daquele rapaz? -  perguntei para Piera que estava do meu lado, bebendo todas e soltado fumaça feito chaminé.
     - Que rapaz?
     - Aquele que está cantando.
     Ela me olhou de lado, estranhando minha pergunta.
     - Por que deveria saber?
     - Deixa pra lá - respondi mal-humorada.
      Aos poucos as meninas foram se soltando. Piera e Marisa foram para outra mesa. Joana ficou um pouco comigo, mas depois tratou de entrar numa rodinha só de meninos na calçada. Eu fiquei ali ouvindo aquele rapaz tocar. Parecia que eu era a única que prestava atenção nele. De vez em quando ele me lançava um olhar. Olhar perdido. Na verdade não sei se era para mim ou para o quadro pendurado na parede que estava atrás. Sei apenas que estava eu, um copo de cerveja, que eu insistia em não terminar e um maço de cigarros odioso e solitário ali, ouvindo-o tocar, e mais ninguém prestava atenção nele.
     Paulinho corria de um lado para outro. Sérvia ali, recebia aqui, abria uma cerveja acolá. A hora passava e ele nem via. Também não notei quando a música parou. Foi assim, de repente, como uma chuva de verão que cai e a gente quase não percebe quando começou ou terminou.
     - Paulinho - falei, segurando-o pelo braço.
     - Diga. Espero que você não esteja bêbada.
     - Não estou. Quem é aquele rapaz?
     - Que rapaz? - perguntou, olhando para os lados tentando ver o rapaz.
     - Ele não está mais aqui. Acho que saiu. Aquele que estava tocando.
     - Ah! O Roger. Ele canta bem, você não acha?
     - Acho. Pena que cantou por tão pouco tempo.
     - Ele é assim mesmo, preguiçoso... Já vou! Já vou! - gritou para os rapazes da mesa lá fora que chamavam por ele. Saiu.

Os caminhos de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora