A Entrega

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A Entrega

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A Entrega

Em outras ocasiões, Póivle evitaria multidões ao chegar em Tauli Ja Bici; bateria suas asas de forma direta ao castelo, sem quaisquer interrupções, olhares ou murmúrios direcionados a si. Entretanto, hoje, ao sobrevoar as casinhas coladas sob o sol do amanhecer, os tecidos vermelhos estendidos acima de tendas de vendas e, adiante, visualizar o vislumbre da fortaleza da família Jēhlege, e as mansões de ouro ocupadas pelos tehēi, decidiu pousar alguns metros antes.

A forma humanoide tomou conta de si. As botinas pretas encontraram as cinzas, o amuleto de Eldrey Mesjufi sacudiu contra o peitoral, e os dreads pretos com vermelho flutuaram junto do aterrissar. Os olhos dourados viajaram por cada rosto que virava em sua direção; por cada banquinha desnorteada que ele passava, balançando suas penas da cor do fogo.

Admitia: por ser um homem-fênix, por ser o guarda da princesa Nira Jēhlege, estava acostumado a receber encaradas - se não de admiração, de nojo ou medo -, mas, dessa vez, era diferente, sentia-se diferente. Dessa vez, os Nativos do Fogo não observaram seus olhos ou asas, não ameaçaram fugir ou encolher-se; eles fitaram a joia verde em seu pescoço, a cor proibida, que brilhava intensamente.

Ergueu o queixo, mantendo a expressão séria que sempre teve, os lábios contraídos, seguindo até o norte, até o bairro Jte, sem precisar pedir licença. Marchava com as escápulas unidas, pouco se importando se as suas asas derrubavam um ou dois itens pelo caminho.

Quando seu estômago roncou, apenas estendeu um de seus braços para uma das tendas e agarrou um espetinho de gafanhoto, mordendo-o sem receber reclamações - ou, pelo menos, nada além de um revirar de olhos do vendedor. Pessoas se curvavam ao vê-lo, os mais pobres obrigavam seus filhos a cumprimentá-lo e aclamavam:

- Ruje ei tau!

Vida ao rei, diziam.

Seu eu de quinze anos nunca imaginaria ter tamanho poder, jamais pensaria um dia conseguir escapar das garras daquela velha nojenta, livrar-se dos abusos diários e das gritarias que giravam em sua mente. No entanto, havia conseguido: estava ali, queimando um palito de madeira e espalhando as cinzas pelo ar árduo da capital, e a cada passo, sacudindo em seu peito nu o resultado da missão dada por seu rei. Ele era o lidaguw mais bem-sucedido do reino. Quem diria?

Se Póivle gostava de ser bem tratado? Claro, achava mais do que justo por tudo o que enfrentou e enfrentava diariamente. Mas, era isso o que ele queria? Ser protegido e amado através das sombras de Joás Jēhlege? Não, ele não gostava daquilo; sentia um revés no estômago a cada demonstração que lhe faziam em nome do rei, a bile ameaçava subir por sua garganta sempre que o encaravam não com carinho, mas com pavor. Sabia que só faziam isso por medo de serem mortos.

E era por isso que ele evitava multidões, recordou-se. Não apenas por sua introversão, mas, também pelas pupilas trêmulas que o encontravam a cada bairro que atravessava; pelos seres desnutridos e pálidos que tinha de ver, pelos pedidos de comida ou água que ouvia e não podia atender. Porque, apesar de servir ao rei, ele ainda servia ao rei. Continuava sendo um lidaguw que, dentro do castelo, não se destacava mais que nem um outro, visto com os mesmo olhos preconceituosos de Joás. Teria de nascer de novo se quisesse que aquilo mudasse.

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